A estratégia do não-sujeito


Mortes na Boate em Orlando - EUA


Ângelo Cavalcante


Que terrivelmente interessante! O ódio que se alastra é de tamanha eficiência e eficácia que realiza tranquilamente suas rondas de barbaridades mundo afora e auto-imune, lança imediatamente um portentoso discurso que o legitima, que o referenda.

Verbo sem sujeito; sujeito sem ação; ação impessoalizada, desconexa e desconectada do mundo real. Frases e orações que são capadas e recapadas do seu sentido verdadeiro. Sua lógica é subtraída e detectar, por conseguinte, emissor e receptor da ação é exercício intelectual de dificuldade oceânica.


A partir dessa repulsiva eficácia, gays são assassinados por um homofóbico mas não foram executados pelo imenso ódio e que representa a homofobia como movimento já articulado, sistematizado e progressivo. Camponeses são, da mesma forma, executados por pistoleiros e em serviço de grandes corporações e fazendeiros na escancarada luz do dia mas, imaginem, não foram mortos pelo latifúndio e seu vício eterno de apropriação de terras privadas ou públicas.

Mulheres são eliminadas cotidianamente por homens que militam mesmo que inconscientemente na causa do patriarcado mas não são trucidadas pelo patriarcalismo quinhentista e que, sobretudo, reina livre e soberbo no Brasil.

O genocídio da juventude negra é realidade viva e ensanguentada em todas as cidades do Brasil e os conservadores afirmam que tal fenômeno nada tem que ver com o velho e crônico ódio secular e que ainda hoje a sociedade nutre contra negros e sua descendência.

Velhos são ignorados e desprezados por uma sociedade de consumo e que tem na juventude seu padrão estético, social e moral. Mas nada disso tem que ver com o amplo movimento de imbecilização perpetrado pela grande mídia contra a gente brasileira.

Estranho tempo de estranhas estratégias. É o crime perfeito que reconhece o delito porque, ao fim, mares de sangue inocente jorram pelas redes de esgoto mas, por algum passe-de-mágicas, é sangue sem causa, sem motivação ou intenção.

É o tempo dos não-sujeitos. O que fazer? Tirar a roupagem do crime e dos criminosos, expulsar a nevoa da mentira e da dissimulação e aprofundar as lutas por justiça, igualdade e belezas.



Ângelo Cavalcante   Ângelo Cavalcante

                      Economista, cientista político, doutorando na USP e professor da                       Universidade Estadual de Goiás (UEG)



Postado em Brasil 247 em 13/06/2016



Nenhum comentário:

Postar um comentário