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Mulheres estão se afastando de igrejas evangélicas neopentecostais nos Estados Unidos




Será que Michelle Bolsonaro vai provocar o mesmo êxodo aqui ao defender que as mulheres sejam submissas ao marido? Tomara


Michele na cozinha com o maquiador Augustin. Foto : Reprodução Instagram

 
Um movimento está em alta nos Estados Unidos de Donald Trump: mulheres evangélicas estão abandonando suas igrejas por falta de identificação com as ideias retrógradas dos pastores e líderes, a maioria deles associados ao discurso da extrema direita. A LGBTfobia, a defesa do patriarcado e o antifeminismo, sobretudo, têm afastado as mulheres cristãs do neopentecostalismo, segundo uma reportagem do RNS (Religion News Service).

As ex-vangélicas, como se autointitulam, se manifestam em canais do youtube e tiktok e em podcasts retratando a cultura evangélica como opressiva e doentia em relação às mulheres. O RNS ouviu a influenciadora Taylor Yoder, da Pensilvânia, que começou a questionar suas crenças depois de comparar as falas do pastor da igreja que frequentava desde criança com a realidade de ter amigos LGBTs no trabalho.

“Será que eu realmente acredito que essas pessoas merecem queimar no inferno?”, ela se perguntou. Quando sua família apoiou Donald Trump, Taylor percebeu que a mistura de religião com política não lhe agradava. “O que mais me incomoda é como a política se tornou tão intrinsecamente ligada à igreja. Isso transformou muitos evangélicos na minha vida em pessoas realmente desagradáveis.”

Hoje Yoder tem cerca de 240 mil seguidores no tiktok, onde mantém um perfil chamado skeptical heretic (herege cética, em tradução livre) e critica principalmente a intromissão da religião na política. Outra ex-vangélica, Amy Hawk, autora de O Efeito Judas: Como os Evangélicos Traíram Jesus em Busca de Poder, acredita que as mulheres estejam à frente de um movimento capaz de reformar o cristianismo protestante nos EUA.

“Acredito que Deus está avivando mulheres a se manifestarem. Deus está permitindo isso para que possamos ver a corrupção e nos afastarmos dela”, disse Amy. Após publicar o livro, ela passou a produzir vídeos argumentando, com a Bíblia em mãos, que apoiar Trump é antibíblico. Mulheres que abandonaram a igreja se identificam com o que Amy diz: “Muitas vêm até mim e dizem: ‘Obrigada, eu achei que estava ficando louca’."

Nos últimos dias, vimos duas mulheres bolsonaristas de Santa Catarina se digladiando porque uma delas, Julia Zanatta, prega que é preciso “baixar a cabeça” para Jair Bolsonaro e aceitar bovinamente a indicação de seu filho Carlos, que nunca morou no Estado, como candidato ao Senado. A outra, Ana Campagnolo, ou aceita baixar a cabeça ou vai acabar sendo expulsa do partido. Enquanto isso, num evento do PL Mulher, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro pregava a “submissão saudável” da esposa ao marido…

Ao mesmo tempo, no Congresso Nacional, os bolsonaristas conseguiam aprovar um projeto que dificulta às meninas o aborto legal em caso de estupro. Ou seja, empoderaram estupradores e pedófilos e desempoderaram mães e filhas, praticamente obrigando crianças a carregar no ventre o fruto de uma violência sexual. Maior misoginia do que essa, impossível.

Quantas mulheres, evangélicas ou não, aceitariam que suas filhas tivessem bebês de um pedófilo? Quantas aceitam, hoje em dia, ser submissas ao homem? E se elas não aceitarem essa submissão, o que pode acontecer? O discurso ultrapassado das igrejas fundamentalistas que Michelle Bolsonaro ecoa é extremamente nocivo à luta das mulheres num país campeão em feminicídios. É um discurso que se choca com a visão de igualdade entre gêneros que, pelo visto, até algumas bolsonaristas têm –até serem defenestradas, como aconteceu com Joice Hasselmann.

Será que o discurso misógino, antifeminista de Michelle será capaz de provocar um êxodo de mulheres das igrejas bolsonaristas? Tomara.


Deus nos livre de um Brasil evangélico



Ricardo Gondim

Começo este texto com uns 15 anos de atraso. Eu explico. Nos tempos em que outdoors eram permitidos em São Paulo, alguém pagou uma fortuna para espalhar vários deles em avenidas da cidade com a mensagem: “São Paulo é do Senhor Jesus. Povo de Deus, declare isso”.

Rumino o recado desde então. Represei qualquer reação à bobagem estampada publicamente; hoje, por algum motivo, abriu-se uma fresta em uma comporta de minha alma. Preciso escrever sobre o meu pavor de ver o Brasil tornar-se evangélico. Antes explico: eu gostaria de ver o Brasil permeado com a elegância, solidariedade, inclusão e compaixão do Evangelho. Mas a mensagem subliminar dos outdoors, para quem conhece a cultura do movimento evangélico, é outra. Os evangélicos sonham com o dia em que cidade, estado e país se convertam em massa, e a terra dos tupiniquins tenha a cara de suas denominações.

Afirmo que o sonho é que haja um “avivamento” religioso que leve uma enxurrada de gente para os templos evangélicos. Não reside entre os teólogos do movimento qualquer desejo de que valores cristãos influenciem a cultura brasileira. Eles anelam tão somente que o subgrupo, descendente distante dos protestantes, prevaleça. A eles não interessa que haja um veloz crescimento numérico entre católicos romanos; que ortodoxos sírios, russos, armênios ou gregos se alastrem. Para “ser do Senhor Jesus”, o Brasil tem que virar “crente”, com a cara dos evangélicos. (acabo de bater três vezes na madeira).

Avanços numéricos de evangélicos em algumas áreas já dão uma boa ideia de como seria desastroso se acontecesse a tal levedação radical do Brasil.

Imagino uma Genebra calvinista brasileira e tremo. Sei de grupos que anseiam por um puritanismo não inglês, mas moreno. Caso acontecesse, como os novos puritanos tratariam Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Maria Gadu? Respondo: seriam execrados como diabólicos, devassos e pervertedores dos bons costumes. Não gosto nem de pensar no destino de poesias sensuais como “Carinhoso” do Pixinguinha ou “Tatuagem” do Chico. Um Brasil evangélico empobreceria, já que sobrariam as péssimas poesias do cancioneiro gospel. As rádios tocariam sem parar músicas horrorosas como “Vou buscar o que é meu”, “Rompendo em Fé”.

Uma história minimamente parecida com a dos puritanos calvinistas provocaria, estou certo, um cerco aos boêmios. Novos Torquemadas seriam implacáveis e perderíamos todo o acervo do Vinicius de Moraes. Quem, entre puritanos, carimbaria a poesia de um ateu como Carlos Drummond de Andrade?

Como ficaria a Universidade em um Brasil dominado por evangélicos? Os chanceleres denominacionais cresceriam, como verdadeiros fiscais, para que se desqualificasse Charles Darwin como “alucinado inimigo da fé”. Facilmente se restabeleceria o criacionismo como disciplina obrigatória em faculdades de medicina, biologia, veterinária. Nietzsche jazeria na categoria dos hereges loucos. Derridá nunca teria uma tradução para o português. O que dizer de rebeldes como Mozart, Gauguin, Michelangelo, Picasso? No máximo, seriam pesquisados como desajustados. Ganhariam rótulos para serem desmerecidos a priori como loucos, pederastas, hereges.

Um Brasil evangélico não teria folclore. Acabaria o Bumba-meu-boi, o Frevo, o Vatapá. As churrascarias não seriam barulhentas. A alegria do futebol morreria; alguma lei proibiria ir ao estádio ou ligar televisão no domingo. E o racha, a famosa pelada de várzea, aconteceria quando? Haveria multa ou surra para palavrão?

Um Brasil evangélico significaria que o fisiologismo político prevaleceu. Basta uma espiada no histórico de Suas Excelências da bancada evangélica nas Câmaras, Assembleias e Gabinetes para se apavorar. Se, ainda minoria, a bancada evangélica na Câmara Federal é campeã em faltas e em processos no STF, imagina dominando o parlamento.

Um Brasil evangélico significaria o triunfo do “american way of life”, já que muito do que se entende por espiritualidade e moralidade não passa de cópia malfeita da cultura estadunidense. Obcecados em implementar os “valores da família”, tão caros ao partido republicano dos Estados Unidos, recrudesceria a teologia de causa-e-efeito, cármica, do “quem planta, colhe”. Vingaria o sucesso como aferidor da bênção de Deus.

Um Brasil evangélico acirraria o preconceito contra a Igreja Católica. Uma nova elite religiosa (os ungidos) destilaria maldição contra os “inimigos da fé”, os “idólatras”, os “hereges”, com mais perversidade do que aiatolás iranianos. Ficaria mais fácil falar de inferno e mandar para lá todo mundo que rejeitasse algumas lógicas tidas como ortodoxas.

Cada vez que um evangélico critica a Rede Globo eu me flagro perguntando: Como seria uma emissora liderada por evangélicos? Adianto: insípida, brega, chata, horrorosa, irritante.

Prefiro, sem pestanejar, os textos do Gabriel Garcia Márquez, do Mia Couto, do Victor Hugo, do Fernando Moraes, do João Ubaldo Ribeiro, do Jorge Amado, a qualquer livro da série “Deixados para Trás” do fundamentalista de direita, Tim LaHaye. O demagogo Max Lucado (que abençoou a decisão de Bush bombardear o Iraque) não calça o chinelo de Mário Benedetti.

Toda a teocracia um dia se tornará totalitária. Toda a tentativa de homogeneizar a cultura precisa se valer de obscurantismo. Todo o esforço de higienizar os costumes é moralista e hipócrita.

O projeto cristão visa preparar para a vida. Jesus jamais pretendeu anular os costumes de povos não-judeus. Daí ele celebrar a fé em um centurião, adorador no paganismo romano, como especial e digna de elogio. Cristo afirmou que, entre criteriosos fariseus, ninguém tinha uma espiritualidade tão única e bela como daquele soldado que se preocupou com o escravo.

Levar a Boa Notícia – Evangelho – não significa exportar cultura, criar dialeto ou forçar critérios morais. Na evangelização, fica implícito que todos podem continuar a costurar, compor, escrever, brincar, encenar, como sempre fizeram. O evangelho convoca à pratica da justiça; cria meios de solidariedade; procura gestar homens e mulheres distintos; imprime em pessoas o mesmo espírito que moveu Jesus a praticar o bem.

Há estudos sociológicos que apontam estagnação quando o movimento evangélico chegar a 35% da população brasileira. Esperemos que sim. Caso alcançasse a maioria, com os anseios totalitários e teocráticos que já demonstra, o movimento desenvolveria mecanismos para coibir a liberdade. Acontece que Deus não rivaliza a liberdade humana, mas é seu maior incentivador.

Portanto, Deus nos livre de um Brasil evangélico.