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Não, Luther King não foi um líder da conciliação, mas um revolucionário



Vitor Paiva

Os inimigos da liberdade, da justiça, da igualdade e da paz bem sabem, em qualquer época ou lugar do mundo, que são os que advogam pela não-violência, pela união, pela resiliência e pela resistência pacífica os que podem realmente transformar o mundo – não é por acaso que são sempre esses os que acabam mortos. Entre tantos, foi assim com Gandhi e foi assim também com Martin Luther King Jr., que no dia 4 de abril de 1968, há 50 anos, encontrou seu destino no disparo de uma bala na varanda do motel Lorraine, em Memphis, nos EUA. A maior liderança do movimento pelos direitos civis nos EUA e um dos mais importantes nomes da luta contra o racismo em todos os tempos morria assassinado aos 39 anos.

Quis o acaso que Dr. King fosse morto no exato dia em que a poeta, atriz e ativista negra Maya Angelou, um dos mais importantes nomes da literatura e da militância nos EUA, completava 40 anos – Angelou, falecida em 2014, completaria hoje 90 anos. Se a poesia de Angelou permanece se encaixando com precisão e função à barbárie que rege uma sociedade ainda desigual, racista, e criminosa, ela também significa a força que ainda ecoa tanto da poeta como de King, um rei que fez de suas palavras e de sua própria vida a obra que perpetuamente iluminará os injustiçados e o povo negro.

“Você pode me fuzilar com as palavras
E me retalhar com o seu olhar
Pode me matar com o seu ódio
Ainda assim, como ar, vou me levantar”

Maya Angelou, Ainda Sim Eu Me Levanto



A poeta e ativista Maya Angelou, que hoje completaria 90 anos

Não estaremos errados se chamarmos Martin Luther King Jr. de um conciliador, mas também não estaremos sendo justos com sua luta: o reverendo era antes de tudo um revolucionário, que lutava pela transformação total da sociedade americana e do mundo. Não o fazia, no entanto, se valendo das armas mais velhas e óbvias – mas sim por uma revolução que em nada fomentasse o espírito  contra o qual ele justamente se opunha.




Martin Luther King tinha nas palavras sua pólvora, e não queria nem por um segundo se parecer com o opressor. “A maior fraqueza da violência é o fato de ser uma espiral descendente, engendrando aquilo que exatamente procura destruir. Ao invés de diminuir o mal, ela o multiplica. Através da violência você pode matar o mentiroso, mas não pode matar a mentira nem estabelecer a verdade”, ele disse.

Pois ao lado da premissa irrevogável da não-violência pela qual Dr. King agia, havia também a desobediência civil como conduta e método revolucionário – o reverendo fazia justiça aos ensinamentos cristãos que guiaram sua vida como poucos seguidores de Jesus o fizeram, ao resistir contra leis que pregavam a injustiça. Mais: a desobediência civil era para Martin Luther King uma maneira de declarar seu justo respeito pelas próprias leis. “Qualquer pessoa que descumpre uma lei injusta e aceita de bom grado a punição permanecendo preso para despertar a consciência da comunidade sobre a injustiça da lei está, nesse momento, expressando seu respeito máximo pelas leis”.



Dr. King em uma de suas 30 prisões


A história de sua vida já foi contada e recontada tantas vezes quanto ainda precisa ser lembrada e jamais esquecida. O teólogo, sociólogo e pastor protestante, que encontrara um Jesus humano, despido de tantos milagres e tornado um exemplo de vida (que deveria ser seguido por todos) não via a necessidade de poderes sobrenaturais que justificassem tais crenças. As palavras de King em sermões e principalmente em atos públicos contra o racismo e a segregação inspiraram milhões de negros e ativistas por todo o mundo, e as moveram ao entendimento de possibilidades e sonhos maiores e mais justos – a própria Maya Angelou engajou-se ativamente na luta ao lado de King e outros líderes como Malcom X nos anos 1960 e pelo resto da vida.




Tendo crescido no segregado sul dos EUA, a humilhação racial que ele, seus amigos e familiares enfrentaram no dia a dia moldou a depressão que marcou sua juventude, mas que se transformaria na força motora de sua vida adulta. Sua participação no boicote aos ônibus em Montgomery (depois que a jovem Claudette Colvin e Rosa Parks se recusaram a ceder seus lugares no transporte público, contrariando a lei que segregava negros de brancos dentro de tais veículos no sul dos EUA) seria, em 1955, o ponto de partida de sua luta.



Ao lado da mulher, Coretta Scott King, marchando em Selma


Foram tantas as campanhas capitaneadas por King e sua impressionante oratória nos 13 anos que se seguiram que a ilustração de sua resistência pode se dar pelas cerca de 30 vezes que o reverendo foi preso – sem jamais ter reagido com violência ou cometido um crime de fato.



Sendo preso e detido pela polícia em dois momentos diversos



As marchas na cidade de Selma, a oposição ferrenha à Guerra do Vietnã, até a campanha pelos pobres (que King organizava à época de sua morte) em nome da justiça econômica, são somente uma parcela da dedicação integral que ofereceu às lutas mais importantes, contra o racismo e a opressão do povo negro, e também pelos menos favorecidos. Enfrentar os séculos de escravidão, opressão e desigualdade, ofertando a própria vida em palavras era seu ofício.



Outra marcha em Selma

Em 28 de agosto de 1963, diante de mais de 250 mil pessoas (quando foi apresentado como “o líder moral da nação”) King participou da famosa Marcha em Washington por Trabalho e Liberdade. Diante do Memorial Lincoln, pelo fim da segregação racial em escolas públicas, por uma lei representativa de direitos civis, pela proibição da descriminação racial na seleção por trabalhos, pela proteção dos ativistas dos direitos civis contra a brutalidade policial, pelo aumento do salário mínimo para todos os trabalhadores, o reverendo pronunciou seu mais célebre discurso e um dos mais importantes em todos os tempos, que entraria para a história sob o título de “Eu Tenho um Sonho” – um discurso conciliador, mas que se inicia como uma contundente denúncia, que vale até hoje, e em especial para o Brasil.


“Cem anos depois [da abolição da escravidão] precisamos enfrentar o trágico fato de que o negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do negro e ainda lamentavelmente aleijada pelas algemas da segregação e as correntes da discriminação. Cem anos depois, o negro vive em uma solitária ilha de pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o negro ainda se enfraquece nas esquinas da sociedade americana e se encontra exilado em sua própria terra”.
Só então é que Dr. King adentra a parte mais conhecida dessa sua célebre fala.
Eu digo a vocês hoje, meus amigos, que ainda que enfrentemos as dificuldades de hoje e amanhã, eu ainda assim tenho um sonho. Eu tenho um sonho de que um dia essa nação irá se levantar e viver o verdadeiro sentido de sua crença: ‘Nós nos atemos a tais verdades como auto-evidentes: de que todas as pessoas são criadas iguais’. Eu tenho um sonho de quem um dia nas colinas vermelhas da Georgia os filhos de ex-escravos e os filhos de ex proprietários de escravos poderão se sentar juntos à mesa da irmandade (…). Eu tenho um sonho de que minhas quatro crianças um dia viverão em uma nação onde não haverá julgamento pela cor da pele mas pelo conteúdo do caráter. Eu tenho um sonho hoje. Eu tenho um sonho de que um dia, no Alabama, com seus racistas perversos, meninos e meninas negras poderão dar as mãos a meninos e meninas brancas como irmãs e irmãos”.
E foi clamando pela liberdade que King concluiu seu discurso histórico em Washington.
“Quando permitirmos que a liberdade emane, quando permitirmos que emane de cada vila e cada povoado, de cada estado e cada cidade, nós seremos capazes de acelerar até o dia em que todas as crianças de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão dar as mãos e cantar as palavras da velha canção negra: ‘Enfim livres! Enfim livres! Obrigado, Deus todo poderoso, nós enfim somos livres!’”.

 

 


Sua atuação foi de tal forma determinante para que a Lei dos Direitos Civis fosse enfim assinada, em 02 de julho de 1964 – colocando fim aos sistemas estaduais de segregação oficial – que em outubro do mesmo ano King se tornaria o mais jovem vencedor do Prêmio Nobel da Paz, aos 35 anos. Quando de seu assassinato, em 1968, a Campanha Pelos Pobres que liderava visava o levante de um “exército multirracial de pobres” que iria marchar em Washington para se engajar em um imenso ato não-violento de desobediência civil até que o congresso criasse uma “Lei de direitos econômicos” para os americanos pobres. Além disso, a reconstrução das cidades pobres do país e o estabelecimento de leis que combatessem o “o racismo, a pobreza, o militarismo e o materialismo sistemáticos” e o boicote a uma série de empresas eram então suas pautas.



Lançando a “Campanha pelos Pobres”, em 1968, um mês antes de ser assassinado. O grande ato, porém, seria impedido por seu assassinato.



King entre outros ativistas na sacada do motel, instantes antes de ser assassinado


King foi morto na sacada do quarto 306 do motel Lorraine, em Memphis, quando se preparava para jantar – sua morte, no entanto, já não eclipsaria seus feitos, tendo inflamado a alma de tantos e iluminado para sempre as sombras da injustiça e a consciência racial da América negra – King já era muito maior do que a própria vida. Em seu último sermão, na noite anterior, o reverendo falou como um profeta sobre o destino que possivelmente o aguardava, conforme mostra o vídeo abaixo.


“Não sei o que ocorrerá agora. Temos dias difíceis à nossa frente […]. Como todo mundo, eu gostaria de ter uma vida longa […]. Mas isso agora não me preocupa. Só quero cumprir a vontade de Deus. E ele me permitiu subir ao topo da montanha. E de lá vi a terra prometida. Pode ser que não chegue a ela com vocês. Mas quero que esta noite saibam que nós, como povo, alcançaremos a terra prometida. E estou feliz por isso. Nada me preocupa. Não temo nenhum homem”.

 


Pessoas apontam da onde o tiro havia vindo, enquanto Martin Luther King encontra-se morto ao chão (detalhe)

A morte de Martin Luther King Jr. provocou uma imensa onda de revoltas raciais nas principais cidades do país. Um ladrão e extremista branco recém fugido de um penitenciária chamado James Earl Ray, que dizia admirar Adolf Hitler e desejava uma “América toda branca” assumiu a autoria do crime, e acabou condenado a 99 anos de prisão. Ray cumpriu sua pena por 28 anos, até que, em 1998, veio a falecer na prisão. A controvérsia ao redor da autoria do crime, no entanto, jamais cessou.

Três dias depois de sua sentença, Ray desejou retirar a confissão, afirmando principalmente que sua confissão não significava, como a justiça apressadamente concluiu, que ele havia trabalhado sozinho. Ninguém que seriamente avalie o caso pode acreditar que um racista solitário foi realmente o único responsável pelo assassinato da maior liderança negra do século 20 – a própria família do reverendo afirmava que Ray havia sido usado em um esquema maior, que podia envolver até mesmo o governo americano. Coretta Scott King, esposa do Dr. King, defendeu até o fim da sua vida, em 2006, que o crime era parte de uma conspiração em alto nível. “A máfia local, agências de governos estaduais, federais estavam profundamente envolvidas no assassinato do meu marido”, disse.

Trata-se de um raro caso em que as teorias conspiratórias parecem muito mais razoáveis do que a versão oficial dos fatos. Martin Luther King era uma ameaça real ao establishment racista e elitista dos EUA, e às estruturas que até hoje mantém a desigualdade econômica e de direitos como um sistema regente das relações sociais, culturais e profissionais no mundo todo – e o fazia com a contundente e incontestável razão de quem não advoga pela violência, mas sim pela empatia, pela força, pela resistência e pela superação. Martin Luther King morreu como também morreu Gandhi e como também morreu a vereadora e ativista Marielle Franco recentemente: lutando de forma justa por uma causa igualmente justa em nome de um mundo realmente melhor para todos.




É o que perfeitamente traduz o poema de Maya Angelou, que por muitos anos não celebrou seu aniversário em luto pela morte de King. A vida do reverendo, porém, é que é celebrada todos os dias, e que permitiu que junto sejam também celebrados os 90 anos da poeta hoje – por conta da luta que ambos travaram, e ainda travam.



Maya Angelou


“Você queria me ver abatida?
cabeça baixa, olhar caído,
ombros curvados como lágrimas,
com a alma a gritar enfraquecida? (…)

Você pode me fuzilar com as palavras
E me retalhar com o seu olhar
Pode me matar com o seu ódio
Ainda assim, como ar, vou me levantar (…)

Das choças dessa história escandalosa
Eu me levanto

De um passado que se ancora doloroso
Eu me levanto

Sou um oceano negro, vasto e irrequieto
Indo e vindo contra as marés eu me elevo
esquecendo noites de terror e medo
Eu me levanto

Numa luz incomumente clara de manhã cedo
Eu me levanto

Trazendo os dons dos meus antepassados
Eu sou o sonho e as esperanças dos escravos
Eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto”


Maya Angelou, Ainda Sim Eu Me Levanto


Postado em Hypeness


Tamika Mallory fez um discurso contundente e expôs o racismo institucionalizado em seu país, Estados Unidos, onde negros são mortos pela polícia todos os dias, resultado de uma política racista que visa exterminar os negros daquele país. O discurso foi pela morte de mais um homem negro, George Floyd, asfixiado após ter o pescoço prensado pelo joelho de um policial branco em Minneapolis ( Minnesota ). O homicídio ocorreu em 25 de maio de 2020.





Não, Luther King não foi um líder da conciliação, mas um revolucionário



Vitor Paiva

Os inimigos da liberdade, da justiça, da igualdade e da paz bem sabem, em qualquer época ou lugar do mundo, que são os que advogam pela não-violência, pela união, pela resiliência e pela resistência pacífica os que podem realmente transformar o mundo – não é por acaso que são sempre esses os que acabam mortos. Entre tantos, foi assim com Gandhi e foi assim também com Martin Luther King Jr., que no dia 4 de abril de 1968, há 50 anos, encontrou seu destino no disparo de uma bala na varanda do motel Lorraine, em Memphis, nos EUA. A maior liderança do movimento pelos direitos civis nos EUA e um dos mais importantes nomes da luta contra o racismo em todos os tempos morria assassinado aos 39 anos.

Quis o acaso que Dr. King fosse morto no exato dia em que a poeta, atriz e ativista negra Maya Angelou, um dos mais importantes nomes da literatura e da militância nos EUA, completava 40 anos – Angelou, falecida em 2014, completaria hoje 90 anos. Se a poesia de Angelou permanece se encaixando com precisão e função à barbárie que rege uma sociedade ainda desigual, racista, e criminosa, ela também significa a força que ainda ecoa tanto da poeta como de King, um rei que fez de suas palavras e de sua própria vida a obra que perpetuamente iluminará os injustiçados e o povo negro.

“Você pode me fuzilar com as palavras
E me retalhar com o seu olhar
Pode me matar com o seu ódio
Ainda assim, como ar, vou me levantar”

Maya Angelou, Ainda Sim Eu Me Levanto



A poeta e ativista Maya Angelou, que hoje completaria 90 anos

Não estaremos errados se chamarmos Martin Luther King Jr. de um conciliador, mas também não estaremos sendo justos com sua luta: o reverendo era antes de tudo um revolucionário, que lutava pela transformação total da sociedade americana e do mundo. Não o fazia, no entanto, se valendo das armas mais velhas e óbvias – mas sim por uma revolução que em nada fomentasse o espírito  contra o qual ele justamente se opunha.




Martin Luther King tinha nas palavras sua pólvora, e não queria nem por um segundo se parecer com o opressor. “A maior fraqueza da violência é o fato de ser uma espiral descendente, engendrando aquilo que exatamente procura destruir. Ao invés de diminuir o mal, ela o multiplica. Através da violência você pode matar o mentiroso, mas não pode matar a mentira nem estabelecer a verdade”, ele disse.

Pois ao lado da premissa irrevogável da não-violência pela qual Dr. King agia, havia também a desobediência civil como conduta e método revolucionário – o reverendo fazia justiça aos ensinamentos cristãos que guiaram sua vida como poucos seguidores de Jesus o fizeram, ao resistir contra leis que pregavam a injustiça. Mais: a desobediência civil era para Martin Luther King uma maneira de declarar seu justo respeito pelas próprias leis. “Qualquer pessoa que descumpre uma lei injusta e aceita de bom grado a punição permanecendo preso para despertar a consciência da comunidade sobre a injustiça da lei está, nesse momento, expressando seu respeito máximo pelas leis”.



Dr. King em uma de suas 30 prisões


A história de sua vida já foi contada e recontada tantas vezes quanto ainda precisa ser lembrada e jamais esquecida. O teólogo, sociólogo e pastor protestante, que encontrara um Jesus humano, despido de tantos milagres e tornado um exemplo de vida (que deveria ser seguido por todos) não via a necessidade de poderes sobrenaturais que justificassem tais crenças. As palavras de King em sermões e principalmente em atos públicos contra o racismo e a segregação inspiraram milhões de negros e ativistas por todo o mundo, e as moveram ao entendimento de possibilidades e sonhos maiores e mais justos – a própria Maya Angelou engajou-se ativamente na luta ao lado de King e outros líderes como Malcom X nos anos 1960 e pelo resto da vida.




Tendo crescido no segregado sul dos EUA, a humilhação racial que ele, seus amigos e familiares enfrentaram no dia a dia moldou a depressão que marcou sua juventude, mas que se transformaria na força motora de sua vida adulta. Sua participação no boicote aos ônibus em Montgomery (depois que a jovem Claudette Colvin e Rosa Parks se recusaram a ceder seus lugares no transporte público, contrariando a lei que segregava negros de brancos dentro de tais veículos no sul dos EUA) seria, em 1955, o ponto de partida de sua luta.



Ao lado da mulher, Coretta Scott King, marchando em Selma


Foram tantas as campanhas capitaneadas por King e sua impressionante oratória nos 13 anos que se seguiram que a ilustração de sua resistência pode se dar pelas cerca de 30 vezes que o reverendo foi preso – sem jamais ter reagido com violência ou cometido um crime de fato.



Sendo preso e detido pela polícia em dois momentos diversos



As marchas na cidade de Selma, a oposição ferrenha à Guerra do Vietnã, até a campanha pelos pobres (que King organizava à época de sua morte) em nome da justiça econômica, são somente uma parcela da dedicação integral que ofereceu às lutas mais importantes, contra o racismo e a opressão do povo negro, e também pelos menos favorecidos. Enfrentar os séculos de escravidão, opressão e desigualdade, ofertando a própria vida em palavras era seu ofício.



Outra marcha em Selma

Em 28 de agosto de 1963, diante de mais de 250 mil pessoas (quando foi apresentado como “o líder moral da nação”) King participou da famosa Marcha em Washington por Trabalho e Liberdade. Diante do Memorial Lincoln, pelo fim da segregação racial em escolas públicas, por uma lei representativa de direitos civis, pela proibição da descriminação racial na seleção por trabalhos, pela proteção dos ativistas dos direitos civis contra a brutalidade policial, pelo aumento do salário mínimo para todos os trabalhadores, o reverendo pronunciou seu mais célebre discurso e um dos mais importantes em todos os tempos, que entraria para a história sob o título de “Eu Tenho um Sonho” – um discurso conciliador, mas que se inicia como uma contundente denúncia, que vale até hoje, e em especial para o Brasil.


“Cem anos depois [da abolição da escravidão] precisamos enfrentar o trágico fato de que o negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do negro e ainda lamentavelmente aleijada pelas algemas da segregação e as correntes da discriminação. Cem anos depois, o negro vive em uma solitária ilha de pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o negro ainda se enfraquece nas esquinas da sociedade americana e se encontra exilado em sua própria terra”.
Só então é que Dr. King adentra a parte mais conhecida dessa sua célebre fala.
Eu digo a vocês hoje, meus amigos, que ainda que enfrentemos as dificuldades de hoje e amanhã, eu ainda assim tenho um sonho. Eu tenho um sonho de que um dia essa nação irá se levantar e viver o verdadeiro sentido de sua crença: ‘Nós nos atemos a tais verdades como auto-evidentes: de que todas as pessoas são criadas iguais’. Eu tenho um sonho de quem um dia nas colinas vermelhas da Georgia os filhos de ex-escravos e os filhos de ex proprietários de escravos poderão se sentar juntos à mesa da irmandade (…). Eu tenho um sonho de que minhas quatro crianças um dia viverão em uma nação onde não haverá julgamento pela cor da pele mas pelo conteúdo do caráter. Eu tenho um sonho hoje. Eu tenho um sonho de que um dia, no Alabama, com seus racistas perversos, meninos e meninas negras poderão dar as mãos a meninos e meninas brancas como irmãs e irmãos”.
E foi clamando pela liberdade que King concluiu seu discurso histórico em Washington.
“Quando permitirmos que a liberdade emane, quando permitirmos que emane de cada vila e cada povoado, de cada estado e cada cidade, nós seremos capazes de acelerar até o dia em que todas as crianças de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão dar as mãos e cantar as palavras da velha canção negra: ‘Enfim livres! Enfim livres! Obrigado, Deus todo poderoso, nós enfim somos livres!’”.

 

 


Sua atuação foi de tal forma determinante para que a Lei dos Direitos Civis fosse enfim assinada, em 02 de julho de 1964 – colocando fim aos sistemas estaduais de segregação oficial – que em outubro do mesmo ano King se tornaria o mais jovem vencedor do Prêmio Nobel da Paz, aos 35 anos. Quando de seu assassinato, em 1968, a Campanha Pelos Pobres que liderava visava o levante de um “exército multirracial de pobres” que iria marchar em Washington para se engajar em um imenso ato não-violento de desobediência civil até que o congresso criasse uma “Lei de direitos econômicos” para os americanos pobres. Além disso, a reconstrução das cidades pobres do país e o estabelecimento de leis que combatessem o “o racismo, a pobreza, o militarismo e o materialismo sistemáticos” e o boicote a uma série de empresas eram então suas pautas.



Lançando a “Campanha pelos Pobres”, em 1968, um mês antes de ser assassinado. O grande ato, porém, seria impedido por seu assassinato.



King entre outros ativistas na sacada do motel, instantes antes de ser assassinado


King foi morto na sacada do quarto 306 do motel Lorraine, em Memphis, quando se preparava para jantar – sua morte, no entanto, já não eclipsaria seus feitos, tendo inflamado a alma de tantos e iluminado para sempre as sombras da injustiça e a consciência racial da América negra – King já era muito maior do que a própria vida. Em seu último sermão, na noite anterior, o reverendo falou como um profeta sobre o destino que possivelmente o aguardava, conforme mostra o vídeo abaixo.


“Não sei o que ocorrerá agora. Temos dias difíceis à nossa frente […]. Como todo mundo, eu gostaria de ter uma vida longa […]. Mas isso agora não me preocupa. Só quero cumprir a vontade de Deus. E ele me permitiu subir ao topo da montanha. E de lá vi a terra prometida. Pode ser que não chegue a ela com vocês. Mas quero que esta noite saibam que nós, como povo, alcançaremos a terra prometida. E estou feliz por isso. Nada me preocupa. Não temo nenhum homem”.

 


Pessoas apontam da onde o tiro havia vindo, enquanto Martin Luther King encontra-se morto ao chão (detalhe)

A morte de Martin Luther King Jr. provocou uma imensa onda de revoltas raciais nas principais cidades do país. Um ladrão e extremista branco recém fugido de um penitenciária chamado James Earl Ray, que dizia admirar Adolf Hitler e desejava uma “América toda branca” assumiu a autoria do crime, e acabou condenado a 99 anos de prisão. Ray cumpriu sua pena por 28 anos, até que, em 1998, veio a falecer na prisão. A controvérsia ao redor da autoria do crime, no entanto, jamais cessou.

Três dias depois de sua sentença, Ray desejou retirar a confissão, afirmando principalmente que sua confissão não significava, como a justiça apressadamente concluiu, que ele havia trabalhado sozinho. Ninguém que seriamente avalie o caso pode acreditar que um racista solitário foi realmente o único responsável pelo assassinato da maior liderança negra do século 20 – a própria família do reverendo afirmava que Ray havia sido usado em um esquema maior, que podia envolver até mesmo o governo americano. Coretta Scott King, esposa do Dr. King, defendeu até o fim da sua vida, em 2006, que o crime era parte de uma conspiração em alto nível. “A máfia local, agências de governos estaduais, federais estavam profundamente envolvidas no assassinato do meu marido”, disse.

Trata-se de um raro caso em que as teorias conspiratórias parecem muito mais razoáveis do que a versão oficial dos fatos. Martin Luther King era uma ameaça real ao establishment racista e elitista dos EUA, e às estruturas que até hoje mantém a desigualdade econômica e de direitos como um sistema regente das relações sociais, culturais e profissionais no mundo todo – e o fazia com a contundente e incontestável razão de quem não advoga pela violência, mas sim pela empatia, pela força, pela resistência e pela superação. Martin Luther King morreu como também morreu Gandhi e como também morreu a vereadora e ativista Marielle Franco recentemente: lutando de forma justa por uma causa igualmente justa em nome de um mundo realmente melhor para todos.




É o que perfeitamente traduz o poema de Maya Angelou, que por muitos anos não celebrou seu aniversário em luto pela morte de King. A vida do reverendo, porém, é que é celebrada todos os dias, e que permitiu que junto sejam também celebrados os 90 anos da poeta hoje – por conta da luta que ambos travaram, e ainda travam.



Maya Angelou


“Você queria me ver abatida?
cabeça baixa, olhar caído,
ombros curvados como lágrimas,
com a alma a gritar enfraquecida? (…)

Você pode me fuzilar com as palavras
E me retalhar com o seu olhar
Pode me matar com o seu ódio
Ainda assim, como ar, vou me levantar (…)

Das choças dessa história escandalosa
Eu me levanto

De um passado que se ancora doloroso
Eu me levanto

Sou um oceano negro, vasto e irrequieto
Indo e vindo contra as marés eu me elevo
esquecendo noites de terror e medo
Eu me levanto

Numa luz incomumente clara de manhã cedo
Eu me levanto

Trazendo os dons dos meus antepassados
Eu sou o sonho e as esperanças dos escravos
Eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto”


Maya Angelou, Ainda Sim Eu Me Levanto


Postado em Hypeness


Tamika Mallory fez um discurso contundente e expôs o racismo institucionalizado em seu país, Estados Unidos, onde negros são mortos pela polícia todos os dias, resultado de uma política racista que visa exterminar os negros daquele país. O discurso foi pela morte de mais um homem negro, George Floyd, asfixiado após ter o pescoço prensado pelo joelho de um policial branco em Minneapolis ( Minnesota ). O homicídio ocorreu em 25 de maio de 2020.