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E no Brasil . . . 27-09-2021 / Só Deus me tira daqui

 

 









Só Deus me tira daqui




Por Miguel Paiva, do Jornalistas pela Democracia


- Chamou, chamou?

O presidente se assustou com a aparição repentina. A figura que surgiu na sala do Palácio do Planalto não convenceu muito. Era um tipo alto, moreno, bronzeado, vestindo uma camisa florida em tons azuis, uma bermuda branca e sandálias. A barba era longa, mas bem aparada e os óculos escuros comprados certamente numa ótica parisiense.

- Mas quem é você? perguntou o presidente.

- Ué, você não me chamou? Estava esperando faz tempo esse chamado. Sou deus, mas sou democrático. Preciso atender à maioria da população e eles vivem me pedindo a mesma coisa. Quando você pediu achei que estava na hora.

- Na hora de quê?

- De tirar você daqui. Levar pra outro lugar. Tem gente querendo botar você em cana. Eu espero a justiça dos homens decidir antes aí eu entro.

- Mas a justiça divina não está comigo?

- Não sei o que lhe faz acreditar nisso. Aliás vocês vivem usando meu santo nome em vão. Já estou meio cansado disso. Andei conversando com o Alexandre de Moraes...

- Com o Alexandre, não!!! Ele quer ver minha caveira.

- Justamente. Precisava falar com ele porque essa história de caveira, defunto, etc tem que passar por mim. É minha administração.

- Eu não usei seu santo nome em vão. Achei que eu tinha prerrogativas. Estou fazendo um governo todo família, tradição e propriedade. Achei que seria do seu agrado.

- Quem falou? Quem anda falando em meu nome?

- Quem acredita no senhor.

- Quem acredita em mim ou que acredita no meu poder de persuasão, minha força de marketing, ...?

-Achei que a gente podia escolher. Brasil acima de tudo e Deus acima de todos.

- Eu estou acima de tudo, seu idiota. Não percebeu que essa frase é um equívoco só? Imagina se o Brasil vai estar acima de mim? Deus é deus e basta. E falando nisso lhe proíbo de continuar falando em meu nome. Vamos indo. Tá ficando tarde e sou uma pessoa muito solicitada.

- É...quer dizer. Eu falei no sentido figurado. Queria dizer que ninguém me tira daqui, só o senhor.

-Pois é. Estou tirando. Ou você acha que eu estou satisfeito com o seu governo? Ninguém está. Vamos indo, anda. Chama a Michelle, os meninos e vamos embora. Estou com um ônibus aí fora da viação Celeste para levar vocês pra casa.

- Mas nós não queremos...

- Eu decido e vai por mim. Melhor sair sob a minha proteção do que esperar que a PF baixe por aqui na operação Familícia.

- Jura? Eles estão vindo?

- Eu não juro por mim mesmo, meu filho. Só digo a verdade.

-Não sei o que é isso.

-Pois é. Se até hoje você não aprendeu não vai ser agora. Vamos indo. O tempo urge.

- Mas eu estava gostando tanto de brincar de presidente.

- O povo não estava gostando nada de você ser presidente.

- Posso fazer uma última pergunta, antes de ir, já que estou na frente de deus?

- Diga.

- Qual é o significado da vida?

- Ora, meu filho, piada velha numa hora dessas? Vamos embora antes que a casa caia.

E no meio dos escombros do palácio, deus foi saindo levando pelos braços o JMB que olhava para os lados com olhar saudoso. Uma lágrima rolou, mas ele logo desmentiu

- Homem não chora.





E no Brasil . . . 27-09-2021 / Só Deus me tira daqui

 

 


Não aguento mais !

Cemitério Parque Taruma em Manaus


"Assistir as pessoas aglomeradas nas ruas, ou por necessidade de sobrevivência ou mesmo por ignorância alimentada pela omissão do presidente da república em relação ao isolamento, traz um sentimento de revolta incontrolável."



Miguel Paiva para o Jornalistas pela Democracia


Quando até o Jornal Nacional te sensibiliza com um discurso sobre as mortes no Brasil é porque a coisa chegou a um ponto insustentável. Assistir as pessoas aglomeradas nas ruas, ou por necessidade de sobrevivência ou mesmo por ignorância alimentada pela omissão do presidente da república em relação ao isolamento, traz um sentimento de revolta incontrolável. Hoje me deprimi com toda a situação. Tomar ciência do quadro da doença no Brasil , assistir as cenas dramáticas das mortes nos hospitais, das pessoas que não conseguem ser atendidas e das vidas encerradas assim, por conta de um vírus e de um presidente me deixou bem desanimado. 

Não vou parar de fazer a minha parte. Foi isso que me fez sentar aqui no computador e colocar essa raiva toda pra fora. Não dá para ficar calado quando no meio desta farra dos bois do governo Bolsonaro, onde os que não se locupletam ameaçam endurecer o regime, onde os apoiadores vão para as ruas ou para frente do palácio da Alvorada para gritar mito e concordar com o suicídio coletivo, repito, no meio disso tudo escuto que o TRF-4 recusou o pedido de recurso do presidente Lula no processo do Sítio de Atibaia. 

Mesmo diante de toda a sujeira que não conseguiu ficar escondida debaixo do tapete com as relações tóxicas entre o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores ao processar o Lula, eles continuam com essa farsa e ignoram ou menosprezam todos os crimes cometidos pelo governo Bolsonaro. O presidente do Supremo precisou de 3 dias para emitir mais uma nota de repúdio à agressão aos jornalistas em Brasília numa manifestação contra a democracia. Sérgio Moro ameaçou e acabou soltando somente um pum de palhaço nas suas denúncias contra o presidente.

O Brasil segue adiante e "reina a tranquilidade em todo o território nacional" como se costumava ouvir na época da ditadura. Agora é evidente que não reina coisa nenhuma e é ainda pior porque mesmo sabendo que o bicho tá pegando as pessoas lá do alto de suas tribunas reagem como se estivesse tudo normal. A imprensa anda castigando o governo Bolsonaro porque também ficou impossível não castigar. Passamos a assistir o Jornal Nacional com a ilusão de que ele poderia ter sido sempre assim. Vemos as notícias na internet torcendo para que alguém das instituições renomadas do país tome alguma atitude porque nem sair à rua podemos.

Os números da Covid 19 são assustadores mas parece que as pessoas só se assustam quando a doença chega em você, ou na sua família. Com um governo que alimenta essa ida silenciosa para o matadouro e que a morte realmente não mete medo, ou melhor, ajuda nas contas é aterrador ter que acordar todos as manhãs sem perspectiva de mudança, seja no quadro da pandemia, seja no futuro do país. Se uma das duas coisas fosse mais leve e no caso uma está ligada à outra, usaríamos a flexibilização de uma para atacar a outra. Se o governo fosse melhor combateríamos com mais eficácia a pandemia e se a pandemia fosse menor combateríamos com mais eficácia o governo. 

Este é o nosso dilema e a direita não tem pudor nem senso de sobrevivência para ficar em casa. Vão para as ruas como um bando de Kamikazes loucos para atingir com seus aviões os navios inimigos, no caso, o sistema de saúde brasileiro. Espero que entre mortos e contaminados escapemos em número suficiente para reconstruir esse país que merece muito mais do que essas autoridades de quinta decidem estabelecendo nosso destino enquanto nação. Não admito que além dos velhos, os pobres, os negros, as crianças e os desempregados sejam jogados na vala comum deste desgoverno.



   Miguel Paiva - Cartunista, ilustrador, diretor de arte,                                         roteirista e criador da Radical Chic e Gatão de Meia Idade.