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O espetáculo assassino



É a velha fórmula do espetáculo bélico que rende manchetes, mas não resultados.

Oliveiros Marques

O que vimos hoje no Rio de Janeiro não foi política de segurança: foi encenação com sangue. O governador Cláudio Castro mobilizou cerca de 2.500 agentes para uma incursão que terminou do pior modo possível: quatro policiais não voltarão para suas famílias. Em troca dessa tragédia, o que se obteve? Nem um centímetro a menos de território sob domínio criminoso, nenhuma alteração estrutural na economia do crime, nenhuma garantia de que amanhã a rotina de medo não recomece. É a velha fórmula do espetáculo bélico que rende manchetes, mas não resultados.

Não é preciso ser especialista para entender por que essas ações fracassam. A topografia das comunidades, o adensamento urbano e o potencial bélico das facções tornam qualquer operação desse tipo um convite ao desastre: alto risco para moradores e policiais, baixíssima chance de captura qualificada de lideranças, e nula capacidade de desarticular o caixa das organizações. “Enxugar gelo” é pouco: trata-se de triturar vidas numa engrenagem que o próprio Estado alimenta quando escolhe o confronto vistoso em vez da inteligência silenciosa.

Segurança pública que funciona estrangula a economia do crime e quebra suas cadeias de suprimento. Isso significa rastrear armas e munições, sufocar o fluxo de dinheiro ilícito, controlar portos e fronteiras estaduais, perseguir brokers logísticos, integrar inteligência penitenciária, padronizar protocolos e compartilhar dados em tempo real. Nada disso se faz com improviso, cada estado por si, em operações midiáticas. Faz-se com governança federativa, metas, interoperabilidade e financiamento estável. É exatamente isso que propõe a PEC da Segurança Pública defendida pelo governo federal e sabotada pelo Palácio Guanabara.

A PEC estabelece um sistema nacional integrado de segurança: comandos cooperativos entre União, estados e municípios; bancos de dados unificados; padronização de procedimentos operacionais; metas e indicadores auditáveis; financiamento vinculado a desempenho; e prioridade a ações de inteligência e investigação financeira, em parceria com Receita, Coaf, Ministério Público e Judiciário. Prevê ainda diretrizes para pós-ocupação de territórios - porque sem escola, iluminação, urbanismo, saúde e presença permanente do Estado, cada operação vira ocupação efêmera seguida de recuo e retaliação.

Quem teme a PEC teme perder o controle político do espetáculo. Com metas comuns e transparência, acaba o marketing de helicóptero e surge a cobrança por resultados mensuráveis: redução de homicídios, queda de roubos, apreensão rastreável de armas, prisões com lastro probatório, confisco de patrimônio, desmonte de milícias. A sociedade deixa de ser plateia e volta a ser cidadã, com direito a segurança baseada em evidências - não em bravatas.

Hoje, o Rio de Janeiro pagou caro por uma escolha errada. Quatro agentes tombaram; milhares de moradores reviveram o pânico; o crime reorganiza seu turno como quem fecha o caixa no fim do dia. Basta. A saída não está em mais tiros, e sim em mais Estado qualificado. A aprovação da PEC da Segurança é o passo concreto para tirar o país das mãos das organizações criminosas: coordenação, inteligência, tecnologia, rastreabilidade, prevenção e presença social.

Cabe ao Congresso escolher entre perpetuar o ciclo de luto e manchete ou inaugurar um ciclo de tranquilidade com resultados. Aprovar a PEC é dizer aos brasileiros - sobretudo aos do Rio - que a vida de policiais e de moradores vale mais do que qualquer palanque.


Oliveiros Marques Sociólogo pela Universidade de Brasília, onde também cursou disciplinas do mestrado em Sociologia Política. Atuou por 18 anos como assessor junto ao Congresso Nacional. Publicitário e associado ao Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político (CAMP), realizou dezenas de campanhas no Brasil para prefeituras, governos estaduais, Senado e casas legislativas.