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A saga de Jesus : o palestino perseguido por Israel


Cristo palestino na Igreja Luterana de Belém


Devido à sua origem palestina, Jesus também foi acusado de “terrorismo”, mesmo sem nunca ter utilizado qualquer tipo de arma. Era “persona non grata” em Israel.



Jesus nasceu em Belém, cidade localizada em um território palestino ilegalmente ocupado por Israel. Como a região não era amistosa para recém-nascidos, haja vista o crescente número de ataques israelenses que matavam, principalmente, crianças; os pais de Jesus – Maria e José – consideraram melhor migrar para o Egito. Na época, uma ministra de Israel, inclusive, chegou a afirmar estar orgulhosa com as “ruínas na Palestina” provocadas pelo exército israelense.

Aos 30 e poucos anos, depois de viver em diferentes campos de refugiados, Jesus voltou à região. Como muitos migrantes, foi tentar a sorte em Israel, mais precisamente em Jerusalém, outra área ilegalmente ocupada. A ele se juntaram doze indivíduos, depois chamados “discípulos”, também pertencentes à classe baixa. Por causa da origem humilde, eram constantemente importunados pela polícia. Além disso, por serem palestinos, tinham o status de cidadãos de segunda classe, assim como todos aqueles que não fossem brancos e israelenses. Com frequência eram acusados de formar uma “organização terrorista”.

Inconformado com a ordem vigente, Jesus, acompanhado de seus amigos, começou a pregar, pacificamente, em favor da justiça social, tanto em Israel quanto na Palestina. A princípio, as autoridades israelenses não levaram a sério os discursos de Jesus, consideravam só mais um “comunista”, “cabeludo utópico” e “subversivo”.

No entanto, à medida que cresceu a popularidade de Jesus entre os pobres, ele passou a incomodar os poderosos e os autointitulados “cidadãos de bem”. Seus discursos pacifistas contrastavam com as ideias de um conhecido líder que defendia o armamento da população, mais conhecido por seus fanáticos seguidores como “mito”.

Em duas ocasiões, como Israel proibiu a entrada de ajuda humanitária para os palestinos, Jesus promoveu a multiplicação de pães e peixes para alimentar as multidões que o acompanhavam. Os cidadãos de bem viram aquilo com desconfiança, pois, para eles, é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe.

Certa vez, ao impedir que uma mulher acusada de adultério fosse apedrejada, Jesus foi rotulado como “defensor de bandido”. Um dos homens que ameaçou iniciar o apedrejamento chegou a dizer à mulher, supostamente adúltera, que só não a estuprava porque ela não merecia.

Ao visitar o templo de Jerusalém, Jesus observou a verdadeira face do uso comercial da religião. Um dos sacerdotes vendia águas ungidas, segundo ele, com propriedades que curavam doenças. Outro, comercializava toalhas supostamente milagrosas. Já um líder religioso, mais ousado, vendia terrenos no céu. Tal como na música de Zé Geraldo, naquele templo, Deus também não podia entrar. Em contrapartida, seu maior “rival”, Lúcifer, era sempre bem-vindo. Furioso, Jesus se esforçou para expulsar os vendilhões do templo.

Por lá também havia um estranho ritual de idolatria a uma espécie de roda primitiva (muitos séculos depois, com os avanços tecnológicos, os adeptos dessa seita passaram a ter outro objeto de culto: um pneu de caminhão).

Pelo histórico de Jesus em defesa da justiça social, denúncias do massacre de seu povo, gestos de caridade e falas constantes contra os ricos; parlamentares conservadores, integrantes do Movimento Israel Livre (MIL), propuseram a criação de uma CPI contra o palestino. Os “cidadãos de bem” não suportavam os atos de um “cidadão do bem”. Tornava-se inadmissível que um sujeito que não discriminava a “escória da sociedade” permanecesse impune.

No entanto, era preciso ir além! Desse modo, com o auxílio de Roma (a potência imperialista de então), para melhor perseguir Jesus, surgiu a “Operação Lava-pés” (em alusão ao rito praticado entre Jesus e seus discípulos). À frente da operação estava um juiz treinado pelos romanos, exclusivamente para forjar provas para condenar Jesus, por “tentativa de subverter a ordem” (mais tarde, pelos “bons serviços prestados”, ele seria alçado ao posto de ministro da Justiça de Israel).

Devido à sua origem palestina, Jesus também foi acusado de “terrorismo”, mesmo sem nunca ter utilizado qualquer tipo de arma.

Posteriormente, um dos discípulos – chamado Judas – acertou um acordo de delação premiada com a Operação Lava-pés, traindo Jesus. Para esse papel, ele recebeu trinta moedas (não por acaso, por tal atitude, Judas passou para a história como “o primeiro capitalista”).

Acusado de tentar subverter a ordem, Jesus foi levado a julgamento e, como esperavam os cidadãos de bem, foi condenado à pena máxima: crucificação. Mesmo sem provas, mas com convicções.

Antes de ser crucificado, por pressão dos anteriormente citados seguidores do mito, Jesus passou por várias sessões de tortura. Soube-se que, anos depois, no parlamento israelense, o mito se referiu ao militar que comandou aquelas sessões de tortura como “o pavor de Jesus”.

Ao finalizar a leitura da sentença, o juiz afirmou categoricamente que Jesus era “persona non grata” em Israel.

Já durante a Via-Crúcis, Jesus foi bastante hostilizado por pessoas que vestiam as cores nacionais de Israel (azul e branco) e tinham como hábito um estranho culto de dançar em torno de um pato dourado.

Do mesmo modo, aqueles indivíduos que tentavam atenuar o sofrimento do palestino injustamente condenado, ouviam xingamentos típicos do cidadão de bem: “passando pano para bandido”, “tá com pena leva pra casa”, “mimimi” e “defensor dos direitos dos manos”.

No Calvário, outros dois homens foram crucificados ao lado de Jesus: Dimas e Gestas (o “bom” e o “mau” ladrão, respectivamente). O primeiro era um palestino condenado por roubar alimentos em um comércio israelenses para dar o que comer à sua família. Gestas, um rico agiota, só foi condenado por ter se indisposto com alguns poderosos de Israel (seus antigos comparsas).

Por fim, às 15 horas de uma sexta-feira, Jesus faleceu na cruz. Os cidadãos de bem, em êxtase, comemoram durante dias. Afinal de contas, para eles, “bandido bom é bandido morto”.









Lula acertou de novo / Coletivo de judeus publica nota em apoio às falas de Lula sobre massacre em Gaza


Lula e Benjamin Netanyahu (Foto: Ricardo Stuckert

Lula acerta ao dizer que não há na História nada semelhante ao que está acontecendo na Faixa de Gaza, a não ser “quando Hitler resolveu matar judeus”

Aline Alves

A declaração do presidente Lula sobre a investida de Israel sobre o povo palestino, realizada ontem na Etiópia, não deveria ser convertida em polêmica tantas décadas depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial, se houvesse alguma honestidade intelectual por parte dos críticos. Hollywood explorou à exaustão o tema do nazismo, e isso poderia ter servido à conscientização geral sobre o assunto, mas o resultado foi a mercantilização da barbárie, a banalização da violência, e um desconhecimento sobre o nazismo e o Terceiro Heich, que foram reduzidos a inimigos derrotados da América.

Não pretendo aqui dar conta de descrever o que foi o nazismo, em razão da sua densa complexidade, apenas lembrar de elementos científicos – para que não restem dúvidas, ainda mais em um tempo em que é preciso resgatar a ciência para que ela volte a ter significado para o desenvolvimento humano – que demonstram que Lula acerta em sua declaração sobre a situação da Palestina, ao dizer que não há na História nada semelhante ao que está acontecendo na Faixa de Gaza, a não ser “quando Hitler resolveu matar judeus”. A mídia hegemônica, assim como Hollywood, em seu empenho em deseducar mais do que promover um real debate, prontamente rejeitou a comparação entre Israel e a Alemanha nazista, no entanto a História mostra que não há aqui nenhum equívoco. Em Reactionary modernism: technology, culture and politics in Weimer and the Third Reich, o historiador Jeffrey Herf apresenta sua análise sobre o nazismo e observa que ele é construído sobre dois pilares, grosso modo: a regressão e a modernidade, posta à disposição da primeira. A Alemanha nazista contava com alta tecnologia para desenvolver o que precisava para realizar o projeto do Terceiro Reich: resgatar os tempos do império alemão e cumprir sua utopia racial. Leitor de Adorno e Hoeckheimer, Jeffrey Herf identifica no nazismo a “dialética da modernidade” quando aponta que o avanço da ciência, em vez de promover o desenvolvimento humano, muitas vezes promoveu regressão. Isso está nítido nas malhas ferroviárias alemãs sendo usadas para transportar judeus, ciganos, gays, comunistas, deficientes físicos para os campos de extermínio, na tecnologia aplicada ao cinema em serviço da propaganda nazista e no potencial bélico utilizado para atacar os inimigos do Reich.

Dos mesmos recursos dispõe o Estado de Israel, e da mesma forma os utiliza: tecnologia altamente avançada (tivemos, inclusive, uma ideia desse avanço quando a ABIN paralela usou aparelhos de espionagem israelense) utilizada para a eugenia, que parece dar o tom do que seria a pátria ideal para judeus, concepção essa adotada por parte desse Estado de Israel e de setores do sionismo radical (importantíssimo lembrar aqui que essa não é a concepção geral da comunidade judaica, que tem em grande parte se manifestado criticamente em relação aos ataques de Israel contra os palestinos, sofrendo, inclusive, severas retaliações pelo mundo, como é o exemplo do jornalista Breno Altman). É com essa tecnologia que, aos olhos de todo o mundo, mais de 30 mil palestinos foram assassinados por Israel desde outubro passado, sendo 40% das vítimas crianças. Esse número é importante para compreendermos que não há espaço aqui para tergiversar; a mídia hegemônica tem dito que não cabe a comparação entre a Alemanha nazista e o atual Estado de Israel, uma vez que ele não tem um projeto eugênico. Fica o questionamento: quem consegue matar 30 mil pessoas em 4 meses apenas para se defender? Quem, em legítima defesa, mata algumas dezenas de opositores (no caso, integrantes do Hamas) e cerca de 12 mil crianças? Como um Estado com técnicas tão avançadas erra o alvo 30 mil vezes, isso sem contar com os feridos? Como um Estado que se defende mantém suas cidades de pé, enquanto o território do adversário tem 95% da população desabrigada?

O que estamos testemunhando é a exata utilização de técnica avançada para a realização de limpeza étnica, com o propósito de se construir uma utopia racial que, desta vez, só é possível se o povo palestino não existir mais. É o resgate de um passado mítico que confere a um povo uma suposta superioridade, se coloca como a única forma possível de vida na terra, e que exige o extermínio de tudo e todos que não se incluam nessa raça e seu passado. Como esse tipo de racismo se estabeleceu como princípio do sionismo mais radical é uma questão que pode e deve ser analisada com mais profundidade, até para que sejamos capazes de evitar uma nova onda de ódio aos judeus, e também para que não nos percamos do debate científico e honesto. Mas o ponto a que quero chegar aqui é que Lula acertou ao criticar o ataque do Hamas aos kibutz israelenses, e acerta novamente em condenar o genocídio promovido por Israel contra os palestinos; acerta também ao compará-lo a outro momento histórico, o do nazismo, com o qual compartilha métodos e objetivos. E acerta sobretudo ao fazê-lo diante de todo o mundo, como o líder cujo vulto alcança todos os cantos do planeta. Acredito que poderíamos fazer apenas uma observação sobre um ponto da fala de Lula, se o que está acontecendo no presente já se repetiu em outro momento histórico além do nazismo, e lembraríamos, por exemplo, da devastação colonial pela qual passaram a América Latina, África e Oriente Médio; podemos ir mais atrás e lembrar da Inquisição Católica, das Cruzadas, do Império Romano. Mas sem esquecer que nenhum desses episódios contou com tanta sofisticação técnico-científica quanto a que estamos testemunhando neste exato momento.


 Aline Alves é professora, escritora e artista plástica. Doutora em Teoria Literária pela UFRJ.






Coletivo de judeus publica nota em apoio às falas de Lula sobre massacre em Gaza


O coletivo Vozes Judaicas por Libertação publicou uma carta em apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que virou alvo de críticas por suas falas sobre o ataque de Israel contra os palestinos na Faixa de Gaza.

No último domingo (18), em entrevista coletiva antes de deixar a Etiópia rumo ao Brasil, Lula comparou o massacre promovido pelas forças militares de Israel contra a Faixa de Gaza ao Holocausto promovido pela Alemanha nazista contra os judeus na Segunda Guerra Mundial. "O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus", afirmou o presidente.

Após a fala, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, anunciou, nesta segunda-feira (19), que Lula seria considerado "persona non grata" no país. O termo é um instrumento jurídico utilizado nas relações internacionais para indicar que um representante oficial estrangeiro não é bem-vindo.

Para o coletivo Vozes Judaicas por Libertação, é impossível comparar e hierarquizar genocídios, dado que a “a experiência vivenciada por cada povo afetado é inigualável”. Ao mesmo tempo, no entanto, "a contradição de o povo judaico ser ora vítima e agora algoz é palpável, tenebrosa e desalentadora. Lula externou o que está no imaginário de muitos de nós".

O grupo ainda afirma que “enquanto coletivo de judias e judeus, temos antepassados que foram vítimas do Holocausto nazista, e entendemos que nosso imperativo ético é nos posicionarmos contra o genocídio do povo palestino e contra a utilização da nossa defesa como justificativa”.

Confira a carta na íntegra:
Dando um passo além nas contínuas denúncias dos crimes cometidos por Israel contra os palestinos, o presidente Lula causou furor ao fazer uma comparação entre o que ocorre hoje em Gaza e o que Hitler fez com os judeus durante o nazismo.

A comparação entre genocídios é sempre delicada pois a experiência vivenciada por cada povo afetado é inigualável. Cada um representa uma narrativa singular e dolorosa na história das comunidades vitimadas. Logo, não há como estabelecer qualquer hierarquia entre genocídios. É impossível estabelecer uma métrica objetiva para determinar o 'pior' genocídio da história. Categorizar historicamente vítimas maiores ou menores é uma perigosa armadilha de reprodução de racismo.

A contradição de o povo judaico ser ora vítima e agora algoz é palpável, tenebrosa e desalentadora. Lula externou o que está no imaginário de muitos de nós. Uma comparação que causa muita dor a judias e judeus de todo mundo, que tiveram as suas vidas cindidas pelo genocídio dos judeus na Europa, e agora veem um crime similar sendo cometido, supostamente em seu nome. Enquanto coletivo de judias e judeus, temos antepassados que foram vítimas do Holocausto nazista, e entendemos que nosso imperativo ético é nos posicionarmos contra o genocídio do povo palestino e contra a utilização da nossa defesa como justificativa.

Se a criação e fundação de um Estado judaico foi uma medida de sobrevivência num mundo sitiado, ela logo se tornou um pesadelo. O Estado de Israel não trouxe emancipação verdadeira aos judeus pois a sua existência é mantida às custas da negação da autodeterminação dos palestinos. As lideranças israelenses seguem promovendo um massacre contra palestinos e ainda ameaçam a vida de judeus e judias em todo o mundo. Israel representa hoje a maior fonte de insegurança para todos os judeus do planeta ao usar nossa identidade como fachada e justificativa para sua campanha de terror.

Por isso, defendemos e acreditamos que as palavras de Lula são de grande importância pois levantam questões relacionadas à urgência da ação, como um chamado definitivo dirigido a todos para agir diante do que ocorre em Gaza neste momento. Frente à incapacidade da ONU e de várias organizações internacionais em conter a violência perpetrada por Israel em Gaza, destaca-se a importância vital da postura demonstrada por líderes internacionais como Lula, que levantam suas vozes contra o que é já considerado por incontáveis especialistas como um genocídio contra o povo palestino.

As palavras têm poder. Se a forma como Lula se expressou na ocasião foi pouco cuidadosa – tropeçando justamente neste ninho de comparações forçadas – sua fala tem o objetivo de atingir a imaginação e provocar uma crise moral sobre Israel. O pedido de impeachment protocolado pelos deputados bolsonaristas é uma medida descabida, assim como as acusações de antissemitismo – cujo real objetivo é deslegitimar o governo e a diplomacia brasileira. Não acreditamos que judeus brasileiros estão em risco por causa de sua declaração.

Apoiamos as colocações do presidente Lula e cobramos que a radicalidade de suas palavras seja colocada em prática. Seria um gesto diplomático de relevância gigantesca romper todas as relações entre o estado brasileiro e Israel, em especial as relações militares que também fortalecem a barbárie em terras brasileiras, com a compra de armas e tecnologias de controle social que são usadas para atingir a vida do povo negro nas favelas. Convocar o embaixador brasileiro em Tel Aviv foi um passo ainda insuficiente nessa direção.

Por fim, convidamos a todas e todos, mas principalmente ao governo brasileiro a atender as demandas do movimento internacional de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), liderado pelas bases da sociedade civil palestina. O povo palestino tem pressa e nossas ações têm poder."

Edição: Lucas Estanislau

 

Postado em Brasil de Fato


 



As mentiras do canalha na ONU




Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Logo no início da pandemia, quando comecei a escrever sobre os desmandos deste Presidente desalmado e desumano na condução criminosa da crise sanitária, propus que ele fosse processado não somente pelos crimes contra a saúde pública, mas também por genocídio. Escrevi sobre isso em maio de 2020 e fiz várias lives defendendo a criminalização da conduta desse fascista. Fui muito criticado por vários amigos que tinham o cuidado sobre a exata tipificação da conduta desse criminoso. Uma preocupação técnica que eu respeito, mas que não me comove.

O ar que começava a faltar para milhares de brasileiros tragados pela nuvem tóxica que exalava desse governo me turvava os olhos. Agia por impulso, usando o que a advocacia e a vida me deram de mais precioso: a capacidade de poder falar e escrever. Quis fazer da minha voz a voz daqueles que começavam a sofrer os efeitos de uma política perversa e cruel. Já trazia a indignação para o debate que se avizinhava na certeza de que o irresponsável Presidente estava guiando o país para o abismo, para o precipício.

E, aos poucos, fui colocando mais pimenta para definir esse Presidente desprovido de empatia, de compaixão, de solidariedade e de emoção com a dor do outro. Dentre as várias palavras que eu usei para definir minha repulsa, talvez uma o defina melhor: canalha!

Um sociopata na Presidência



"Cuidado! Não é só a falta de empatia que impregna o caráter dos chefes dos altos escalões, a partir do presidente da República, mas, também, o ímpeto de maldade, a perversidade", escreve o advogado Marcelo Uchôa.


Marcelo Uchôa

O Brasil todo assiste ao desespero do presidente Jair Bolsonaro diante das pesquisas de opinião pública que lhe atribuem aumento progressivo de rejeição e provável derrota nas eleições presidenciais de 2022. Também pudera, a esta altura, já está mais do que perceptível o seu fracasso à frente do Executivo federal, com um país à beira da falência econômica, com alto grau de repulsão internacional, índices sociais em franca deterioração e uma população que, aos poucos, vai se desintegrando à medida que crescem os números de vítimas da pandemia de Covid-19, atualmente em 561.807 óbitos, por obra de uma inoperância que, fruto de omissão ou ação, foi culpa direta de seu governo incompetente.

Diante das adversidades, o presidente, ciente de sua incapacidade de agir como líder, qualidade que jamais terá pela ausência de desenvolvimento intelectual, conteúdo moral e até mesmo pelos modos, parte para o tudo ou nada inventando um suposto complô generalizado, arquitetado para derrotá-lo via eleições fraudadas em 2022. Pura falácia.

Até por haver sido eleito nas últimas eleições, assim como em pleitos anteriores - não só ele, mas também os próprios filhos e dezenas e dezenas de aliados -, o presidente sabe perfeitamente bem que o sistema das urnas eletrônicas não oferece riscos de fraude. Tem clara noção de que alterar substancialmente a forma de votação eletrônica para o modelo impresso criará transtornos operacionais a tempo de desorganizar o processo eleitoral do ano que vem, além de impor custos desnecessários que, num momento de calamidade pandêmica, requerem ser direcionados para investir em algo muito mais relevante, o enfrentamento à Covid.

Ainda assim, insiste em sua estapafúrdia tese de falibilidade da urna eletrônica, alimentando uma série de polêmicas que não existem, baseadas em teorias conspiratórias de blogueiros desqualificados e dublês de estudiosos no tema. Pior, ameaçando claramente provocar uma ruptura democrática em 2022, com a não realização das eleições naturalmente previstas para acontecer, caso seu capricho de voto impresso não seja contemplado pelo conjunto das instituições do país, em especial a Justiça eleitoral. Em contrapartida, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, diz o óbvio já demasiadamente conhecido: que as urnas eletrônicas não oferecem riscos, menos ainda riscos que justifiquem mudanças tão complexas e inoportunas para o pleito eleitoral que se aproxima.

A resposta do presidente da República vem em lives com apoiadores e em eventos públicos, tanto fora do Planalto como em cerimônias oficiais na presidência, recheada de ofensas pessoais, elevando o tom das contestações com discurso de ódio explícito e expedientes incontestavelmente deploráveis, entre os quais uso e abuso de Fake News contra o ministro do STF, a Corte em si, e o comprovadamente bem-sucedido sistema eleitoral do país. Pior, direcionando sua ira para uma bolha cada vez mais inflada de fanáticos extremistas, que já não escondem aversão alguma contra os poderes constituídos e a obsessão pela fratura democrática, fazendo questão de demonstrar que estão se armando com um poderio bélico que lhes foi facilitado pelas políticas armamentistas do governo de plantão.

Na sequência, o Ministro do STF, Alexandre de Moraes, vê notórias similitudes de métodos e ações empreendidas pelo presidente da República com o modus operandi dos maníacos investigados no inquérito das Fake News, bem como do suposto gabinete do ódio do Planalto e, acertadamente, inclui o mandatário do país nas investigações criminais em curso. O transloucado presidente entra em delírio total. Ataca os dois ministros do STF, chegando ao ponto de chamar o ministro Barroso de “filho da puta” e o acusar, de uma maneira leviana jamais vista contra um integrante da Suprema Corte, de querer que “nossas filhas e netas façam relações sexuais aos 12 anos”. Escandaloso.

Diante desse pandemônio, de todas as incertezas adjacentes e do inegável ar de animosidade social justamente num momento em que o país deveria estaria unido lutando contra todos os percalços que o fazem sangrar, é importante que brasileiras e brasileiros estejam conscientes de certas coisas:

Em primeiro lugar, o presidente tem reiteradamente ameaçado poder “não jogar dentro das 4 linhas da Constituição”, expressão cafona que inventou para dizer que pode não realizar eleições presidenciais em 2022. Apesar da máxima de que quem tanto fala pouco faz, nunca é demais levar a sério que um golpe clássico pode estar em curso. Se por um lado o presidente da República já demonstrou não atribuir qualquer afeição e respeito às regras democráticas - ao contrário, trata-se de um mentiroso compulsivo, infrator sistemático de normas jurídicas e de regras de conduta, um inimigo declarado da Constituição; por outro lado, aprovando ou não de bom grado os arroubos descontrolados do tirano palaciano, o fato é que as forças armadas estão no governo e, se verdadeiros os indícios explorados na CPI da Covid, encontram-se em maus lençóis, com integrantes enrolados até o pescoço em escândalos pesadíssimos de corrupção, certamente nutrindo interesses de manter-se controlando as rédeas do Executivo até em defesa da retaguarda. Por isso, o que resta das instituições deve se unir na defesa da democracia, não cabendo qualquer tipo de proselitismo de grupos políticos A ou B contra quem, no que pese tenha errado feio no passado, esteja a fim de se colocar na trincheira de defesa do frangalho de Estado de direito que ainda existe.

A segunda coisa para a qual deve atentar a sociedade é que um risco concreto recai sobre todos os que denunciam os desmantelos em curso e fazem oposição aos lesas-pátrias que estão ferindo de morte o Estado brasileiro. Por isso, prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Cuidado! Não é só a falta de empatia que impregna o caráter dos chefes dos altos escalões, a partir do presidente da República, mas, também, o ímpeto de maldade, a perversidade. Dentre inúmeras manifestações de apologia ao extermínio de adversários e a inegável insensibilidade com a morte, o mandatário maior do país mantém a sociedade sob tortura permanente, senão pela necropolítica praticada pelo seu governo, mais do que visível no lidar com a pandemia, mas, principalmente, pela intermitência das ameaças à democracia que martirizam, dia após dia, e fazem adoecer de sofrimento a quem almeja viver num país democrático, com a esperança de poder legar aos seus um mundo de paz, solidariedade e benquerença.

O fomento ao ódio alimenta a raiva dos fanáticos. Aqui no Ceará, até um padre humanista, Lino Allegri, de 82 anos, com mais de trinta anos de serviços prestados em favor da comunidade apenas em Fortaleza, precisou ser incluído no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos pelas ameaças sofridas abertamente por grupos bolsonaristas mordidos pela postura cética do sacerdote com os exemplos negligentes do mais famoso garoto-propaganda da cloroquina. Nesse contexto, mais que correta a decisão do ex-presidente Lula de reforçar sua segurança. Como virtual responsável pela derrota final do bufão do cercadinho ele, sem dúvida, é o objeto de desejo permanente dos cães armados que se multiplicam país adentro. Neste preciso momento, idem devem cuidar-se os ministros do STF Alexandre de Moraes e, sobretudo, Luís Roberto Barroso. Propositadamente ou não, o fato é que os ataques ácidos e excessivamente desequilibrados do presidente da República desenharam dois alvos em suas testas, visíveis o bastante para que nenhuma hipótese de perigo seja descartada.

Por fim, duas outras coisas merecem ser ditas. Que o fascismo está sempre à espreita, de modo que dar pano para quem não assimila o jogo democrático é um erro crasso que jamais pode ser repetido no país. À parte o tiro no pé do endosso ao golpe institucional de 2016, que destituiu injustamente do cargo uma presidenta legitimamente eleita, e a escorregada grotesca do apoio incondicional à Lava Jato, com todos os absurdos jurídicos que sistematicamente vinha perpetrando, nunca houve “uma escolha muito difícil” como textualizou o Estadão no segundo turno das eleições presidenciais de 2018, quando se opuseram Fernando Haddad e Jair Bolsonaro. Entre a seriedade e a certeza da malandragem a aposta na pirraça certamente repercutirá em ruína. É precisamente isso que está acontecendo no país, com o agravante de não ser um declínio qualquer, mas um retrocesso civilizatório.

Finalmente, anda em curso num Congresso Nacional cada vez mais rendido ao jogo fisiológico dos donos do poder, certas propostas que visam alterar sobremaneira o futuro de processos eleitorais no país. Não entrando no mérito dessa discussão que merece análise mais específica chama-se atenção para uma última observação na esteira dessas especulações: a mais importante e verdadeiramente necessária mudança na legislação eleitoral do Brasil deve ser a exigência de testes criteriosos de saúde mental e comportamental psicológico aos candidatos a cargos eletivos. Se algo precisa ser acrescido em termos de regras eleitorais é o estabelecimento de impedientes claros e contundentes para que nunca mais sociopatas possam assumir as rédeas do jogo político e, ato contínuo, assacar, com sua insanidade pensada, contra as estruturas do Estado, o povo e a democracia.




  Marcelo Uchôa : Mestre e doutor em Direito Constitucional. Professor de Direito Internacional Público da Universidade de Fortaleza/UNIFOR. Advogado de Uchôa Advogados Associados. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - ABJD/CE. E-mail: marceloruchoa@gmail.com






Um sociopata na Presidência



"Cuidado! Não é só a falta de empatia que impregna o caráter dos chefes dos altos escalões, a partir do presidente da República, mas, também, o ímpeto de maldade, a perversidade", escreve o advogado Marcelo Uchôa.


Marcelo Uchôa

O Brasil todo assiste ao desespero do presidente Jair Bolsonaro diante das pesquisas de opinião pública que lhe atribuem aumento progressivo de rejeição e provável derrota nas eleições presidenciais de 2022. Também pudera, a esta altura, já está mais do que perceptível o seu fracasso à frente do Executivo federal, com um país à beira da falência econômica, com alto grau de repulsão internacional, índices sociais em franca deterioração e uma população que, aos poucos, vai se desintegrando à medida que crescem os números de vítimas da pandemia de Covid-19, atualmente em 561.807 óbitos, por obra de uma inoperância que, fruto de omissão ou ação, foi culpa direta de seu governo incompetente.

Diante das adversidades, o presidente, ciente de sua incapacidade de agir como líder, qualidade que jamais terá pela ausência de desenvolvimento intelectual, conteúdo moral e até mesmo pelos modos, parte para o tudo ou nada inventando um suposto complô generalizado, arquitetado para derrotá-lo via eleições fraudadas em 2022. Pura falácia.

Bolsonaro pode repetir Pinochet e ser processado fora do país

 

 







Bolsonaro pode repetir Pinochet e ser processado fora do país

 

 







Quantas mortes mais ?

 






Quantas mortes mais ?

 






Dentro de um inferno, algo do paraíso não se perdeu


Qual é o propósito de Deus para a Terra e para a humanidade ...



Leonardo Boff

Se olharmos os cenários mundiais, temos a impressão de que a dimensão de sombra, o impulso de morte e a porção demente tomou conta das mentes e dos corações de muitas pessoas. Particularmente em nosso país, criou-se até o “gabinete do ódio” onde grupos maus maquinam maldades, calúnias, distorções e todo tipo de perversidades contra seus adversários políticos, feitos inimigos que devem ser liquidados senão fisicamente, pelo menos simbolicamente.

Várias janelas do inferno se abriram e suas labaredas incineraram celebridades, alimentaram as fake news e destroçaram porções do Estado Democrático de Direito e em seu lugar introduziram um Estado sem lei e post-democrático e, no caso do Brasil, em sua cabeça, um chefe de Estado demente, cruel e sem compaixão.

Historiadores nos asseguram que há momentos na história de uma nação ou de um povo nos quais o dia-bólico (o que divide) inunda a consciência coletiva. Tenta afogar o sim-bólico (o que une) no intento de fazer regredir toda uma história aos tempos sombrios, já superados pela civilização. Então surgem ideologias de exclusão, mecanismos de ódio, conflitos e genocídios de inteiras etnias. Conhecemos a Shoah, fruto do inferno criado pelo nazifascimo de extermínio em massa de judeus e de outros.

Na América Latina por ocasião da invasão/ocupação dos europeus, ocorreu talvez o maior genocídio da história. No México, em 1519 com a chegada de Hernán Cortez, viviam 22 milhões de aztecas; depois de 70 anos restaram somente 1,2 milhões. Foram católicos anticristãos que perpetraram extermínios em massa. Os gritos das vítimas clamam ao céu contra a “Destruição das “Índias”(Las Casas) e têm o direito de reclamar até o juízo final. Nunca se viu algum ato de reconhecimento deste genocídio por parte das potências colonialistas nem se dispuseram a fazer a mínima compensação aos sobreviventes destes massacres. São demasiados desumanos e arrogantes.

Mas dentro deste inferno dantesco, há algo do paraíso que nunca se perdeu e que constitui a permanente saudade do ser humano: saudade da situação paradisíaca na qual tudo se harmoniza, o ser humano trata humanamente outro ser humano, sente-se confraternizado com a natureza e filho e filha das estrelas, como dizem tantos indígenas. Em tempos maus como o nosso, vale ressuscitar esse sonho que dorme no profundo de nosso ser. Ele nos permite projetar outro tipo de mundo que, para além das diferenças, todos se reconhecem como irmãos e irmãs. E se entre-ajudam.

Narro um fato real que mostra a emergência desse pedaço de paraíso, ainda existente entre nós, lá onde a inimizade e a violência são diárias.

Essa não é uma história inventada mas real, recolhida por um jornalista espanhol do El Pais no dia sete de junho de 2001. Ocorreu no ontem, mas seu espírito vale para o hoje.

Mazen Julani era um farmacêutico palestino de 32 anos, pai de três filhos, que vivia na parte árabe de Jerusalém. No dia 5 de junho de 2001 quando estava tomando café com amigos num bar, foi vítima de um disparo fatal vindo de um colono judeu. Era a vingança contra o grupo palestinense Hamás que, quarenta e cinco minutos antes, havia matado inúmeras pessoas numa discoteca de Tel Aviv mediante um atentado feito por um homem bomba. O projétil entrou pelo pescoço de Mazen e lhe estourou o cérebro. Levado imediatamente para o hospital israelense Hadassa chegou já morto.

Mas eis que a porção adormecida do paraíso em nós foi acordada. O clã dos Julani decidiu aí mesmo nos corredores do hospital, entregar todos os órgãos do filho morto: o coração, o fígado, os rins e o pâncreas para transplantes a doentes judeus. O chefe do clã esclareceu em nome de todos que este gesto não possuía nenhuma conotação política. Era um gesto estritamente humanitário.

Segundo a religião muçulmana, dizia, todos formamos uma única família humana e somos todos iguais, israelenses e palestinos. Não importa em quem os órgãos vão ser transplantados. Essencial é que ajudem a salvar vidas. Por isso, arrematava ele: os órgãos serão destinados aos nossos vizinhos israelenses.

Com efeito, ocorreu um transplante. No israelense Yigal Cohen bate agora um coração palestino, o de Mazen Julani.

A mulher de Mazen teve dificuldades em explicar à filha de quatro anos a morte do pai. Ela apenas lhe dizia que o pai fora viajar para longe e que na volta lhe traria um belo presente.

Aos que estavam próximo, sussurrou com os olhos marejados de lágrimas: daqui a algum tempo eu e meus filhos iremos visitar a Ygal Cohen na parte israelense de Jerusalém. Ele vive com o coração de meu marido e do pai de meus filhos. Será grande consolo para nós, encostar o ouvido ao peito de Ygal e escutar o coração daquele que tanto nos amou e que, de certa forma, ainda está pulsando por nós.

Este gesto generoso demonstra que o paraíso não se perdeu totalmente. No meio de um ambiente altamente tenso e carregado de ódios, surgiu um Jardim do Éden, de vida e de reconciliação. A convicção de que somos todos membros da mesma família humana, alimenta atitudes de perdão e de incondicional solidariedade. No fundo, aqui irrompe o amor que confere sentido à vida e que move, segundo Dante Alignieri da Divina Comédia, o céu e todas as estrelas. E eu diria, também o coração da esposa de Mazen Julani e o nosso.

São tais atitudes que nos fazem crer que o ódio reinante no Brasil e no mundo, as fake news e as difamações não terão futuro. É joio que não será recolhido, como o trigo, no celeiro dos homens nem de Deus. Esse tsunami de ódio e seu promotor maior que desgoverna nosso país, irá descobrir, um dia em que só Deu sabe, as lágrimas, os lamentos e o luto que provocaram em milhares de seus compatriotas que por sua falta de amor e de cuidado para com os afetados pelo Covid-19 perderam a quem tanto amavam. Oxalá neles não esteja totalmente perdida a parcela do Jardim do Éden.


Leonardo Boff é ecoteólogo, escritor e escreveu “O doloroso parto da Mãe Terra: uma nova etapa da Terra e da Humanidade”, a sair pela Vozes em 2020.






Dentro de um inferno, algo do paraíso não se perdeu


Qual é o propósito de Deus para a Terra e para a humanidade ...



Leonardo Boff

Se olharmos os cenários mundiais, temos a impressão de que a dimensão de sombra, o impulso de morte e a porção demente tomou conta das mentes e dos corações de muitas pessoas. Particularmente em nosso país, criou-se até o “gabinete do ódio” onde grupos maus maquinam maldades, calúnias, distorções e todo tipo de perversidades contra seus adversários políticos, feitos inimigos que devem ser liquidados senão fisicamente, pelo menos simbolicamente.

Várias janelas do inferno se abriram e suas labaredas incineraram celebridades, alimentaram as fake news e destroçaram porções do Estado Democrático de Direito e em seu lugar introduziram um Estado sem lei e post-democrático e, no caso do Brasil, em sua cabeça, um chefe de Estado demente, cruel e sem compaixão.

Historiadores nos asseguram que há momentos na história de uma nação ou de um povo nos quais o dia-bólico (o que divide) inunda a consciência coletiva. Tenta afogar o sim-bólico (o que une) no intento de fazer regredir toda uma história aos tempos sombrios, já superados pela civilização. Então surgem ideologias de exclusão, mecanismos de ódio, conflitos e genocídios de inteiras etnias. Conhecemos a Shoah, fruto do inferno criado pelo nazifascimo de extermínio em massa de judeus e de outros.

Na América Latina por ocasião da invasão/ocupação dos europeus, ocorreu talvez o maior genocídio da história. No México, em 1519 com a chegada de Hernán Cortez, viviam 22 milhões de aztecas; depois de 70 anos restaram somente 1,2 milhões. Foram católicos anticristãos que perpetraram extermínios em massa. Os gritos das vítimas clamam ao céu contra a “Destruição das “Índias”(Las Casas) e têm o direito de reclamar até o juízo final. Nunca se viu algum ato de reconhecimento deste genocídio por parte das potências colonialistas nem se dispuseram a fazer a mínima compensação aos sobreviventes destes massacres. São demasiados desumanos e arrogantes.

Mas dentro deste inferno dantesco, há algo do paraíso que nunca se perdeu e que constitui a permanente saudade do ser humano: saudade da situação paradisíaca na qual tudo se harmoniza, o ser humano trata humanamente outro ser humano, sente-se confraternizado com a natureza e filho e filha das estrelas, como dizem tantos indígenas. Em tempos maus como o nosso, vale ressuscitar esse sonho que dorme no profundo de nosso ser. Ele nos permite projetar outro tipo de mundo que, para além das diferenças, todos se reconhecem como irmãos e irmãs. E se entre-ajudam.

Narro um fato real que mostra a emergência desse pedaço de paraíso, ainda existente entre nós, lá onde a inimizade e a violência são diárias.

Essa não é uma história inventada mas real, recolhida por um jornalista espanhol do El Pais no dia sete de junho de 2001. Ocorreu no ontem, mas seu espírito vale para o hoje.

Mazen Julani era um farmacêutico palestino de 32 anos, pai de três filhos, que vivia na parte árabe de Jerusalém. No dia 5 de junho de 2001 quando estava tomando café com amigos num bar, foi vítima de um disparo fatal vindo de um colono judeu. Era a vingança contra o grupo palestinense Hamás que, quarenta e cinco minutos antes, havia matado inúmeras pessoas numa discoteca de Tel Aviv mediante um atentado feito por um homem bomba. O projétil entrou pelo pescoço de Mazen e lhe estourou o cérebro. Levado imediatamente para o hospital israelense Hadassa chegou já morto.

Mas eis que a porção adormecida do paraíso em nós foi acordada. O clã dos Julani decidiu aí mesmo nos corredores do hospital, entregar todos os órgãos do filho morto: o coração, o fígado, os rins e o pâncreas para transplantes a doentes judeus. O chefe do clã esclareceu em nome de todos que este gesto não possuía nenhuma conotação política. Era um gesto estritamente humanitário.

Segundo a religião muçulmana, dizia, todos formamos uma única família humana e somos todos iguais, israelenses e palestinos. Não importa em quem os órgãos vão ser transplantados. Essencial é que ajudem a salvar vidas. Por isso, arrematava ele: os órgãos serão destinados aos nossos vizinhos israelenses.

Com efeito, ocorreu um transplante. No israelense Yigal Cohen bate agora um coração palestino, o de Mazen Julani.

A mulher de Mazen teve dificuldades em explicar à filha de quatro anos a morte do pai. Ela apenas lhe dizia que o pai fora viajar para longe e que na volta lhe traria um belo presente.

Aos que estavam próximo, sussurrou com os olhos marejados de lágrimas: daqui a algum tempo eu e meus filhos iremos visitar a Ygal Cohen na parte israelense de Jerusalém. Ele vive com o coração de meu marido e do pai de meus filhos. Será grande consolo para nós, encostar o ouvido ao peito de Ygal e escutar o coração daquele que tanto nos amou e que, de certa forma, ainda está pulsando por nós.

Este gesto generoso demonstra que o paraíso não se perdeu totalmente. No meio de um ambiente altamente tenso e carregado de ódios, surgiu um Jardim do Éden, de vida e de reconciliação. A convicção de que somos todos membros da mesma família humana, alimenta atitudes de perdão e de incondicional solidariedade. No fundo, aqui irrompe o amor que confere sentido à vida e que move, segundo Dante Alignieri da Divina Comédia, o céu e todas as estrelas. E eu diria, também o coração da esposa de Mazen Julani e o nosso.

São tais atitudes que nos fazem crer que o ódio reinante no Brasil e no mundo, as fake news e as difamações não terão futuro. É joio que não será recolhido, como o trigo, no celeiro dos homens nem de Deus. Esse tsunami de ódio e seu promotor maior que desgoverna nosso país, irá descobrir, um dia em que só Deu sabe, as lágrimas, os lamentos e o luto que provocaram em milhares de seus compatriotas que por sua falta de amor e de cuidado para com os afetados pelo Covid-19 perderam a quem tanto amavam. Oxalá neles não esteja totalmente perdida a parcela do Jardim do Éden.


Leonardo Boff é ecoteólogo, escritor e escreveu “O doloroso parto da Mãe Terra: uma nova etapa da Terra e da Humanidade”, a sair pela Vozes em 2020.






O senhor da morte












O senhor da morte