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Marilena Chauí emociona público em ato pela Comissão da Verdade da USP


O Ato teve um encerramento emocionante, com uma integrante da Comissão que leu em voz alta do nome de desaparecidos na ditadura que possuíam vínculos com a USP. À leitura de cada nome, todos gritavam “presente”

marilena chauí usp
Heleny Guariba, uma das desaparecidas pela ditadura militar (Foto: Spresso SP/Arte Jornal Brasil Atual)
Carolina Rovai, Spresso SP
O ato pela criação da Comissão da Verdade na USP, realizado na semana passada no auditório da Faculdade de Economia e Administração (FEA), contou com a presença de mais de 500 pessoas e teve como um dos destaques o depoimento da filósofa e professora Marilena Chaui.
Chauí iniciou sua fala relatando o caso de dois grandes amigos, Heleny Guariba, uma das desaparecidas na ditadura militar, e de Luiz Roberto Salinas Fortes, morto por conta dos reflexos deixados pela tortura que sofreu também na época da ditadura.
Ela também relembrou como era entrar na USP em 1969, após a proclamação do Ato Institucional número 5, o AI 5, que foi assinado em dezembro de 1968. “A sensação que a gente tinha era de não saber se voltaria para casa, você não tinha nenhuma garantia de que não seria preso e torturado, portanto você não sabia se seus alunos estariam na classe, e quando você se dava conta de que alguns não estavam você não ousava a perguntar onde eles estavam, se eles tinham faltando na aula, se eles tinham partido para um exílio, se eles já estavam presos ou se já estavam mortos. E a mesma coisa com relação aos colegas.”
Ela disse que acha de “essencial importância que a Comissão da verdade resgate todos os decretos da USP, com as datas de implantação e por quem eles foram implementados”. E adiantou que se coloca desde já à disposição para depoimentos e para ajudar na Comissão. A filósofa também criticou o atual reitor João Grandino Rodas: “Este reitor foi formado e teve seu aprendizado como dirigente nesse caldo de cultura da ditadura. Essa forma de gestão explica essa coisa inacreditável. Isso nem a ditadura fez: pôr a polícia dentro do campus para espancar os alunos”.
Também participaram do ato o professor Paul Singer (FEA/USP), Edson Teles, doutor em filosofia pela USP, professor da UNIFESP, ex-preso político e membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Vera Paiva, professora do Instituto de Psicologia da USP e filha do ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido durante a ditadura militar, e Eduardo Gonzales Cueva, diretor do programa Verdade e Memória do Centro Internacional para a Justiça de Transição. Roberto Schwarz, professor da USP/Unicamp, também convidado não pôde estar presente, mas enviou sua solidariedade ao movimento. O encontro também contou com a participação de representantes do DCE, do Sintusp, da Adusp e de alguns Centros Acadêmicos da universidade.
A professora Vera Paiva ressaltou que o movimento de democratização da USP tem perdido tempo em discussões por divergências partidárias ao invés de ficar mais atento ao verdadeiro inimigo. Em resposta à pergunta sobre qual verdade queremos, a professora respondeu: “Verdade que permita dizer que isso nunca mais pode acontecer no Brasil.”.
Sua fala também foi marcada por uma preocupação em relação aos órgãos de imprensa que, segundo ela, continuam não apurando os fatos de maneira limpa e clara. Na sua opinião, precisa-se resgatar o que significa “o terrorismo de Estado com a cumplicidade dos órgãos de imprensa”. E acrescentou ao final que é inaceitável o fato de ter de viajar passando por um viaduto com o nome Costa e Silva e por uma estrada chamada Castelo Branco.
Edson Telles disse que não se deve aceitar mais do Estado respostas que tratam a violação dos direitos humanos como uma “reconciliação nacional”, pois não estamos nesse conflito. Eduardo Gonzales acrescentou que a Comissão da Verdade é importante para que se acabe com a história de que as violações aos direitos humanos no Brasil na ditadura foram inferiores a outras ditaduras onde houve mais mortos e desaparecidos: “Direitos humanos não são uma questão de aritmética, mas sim de princípios”. Além disso, destacou que a Comissão da Verdade vai ser importante também para apurar esses números.
Paul Singer destacou que se deve investigar o passado, “pois só assim podemos entender o presente”.
Assista trechos:
O Ato teve um encerramento emocionante, com uma integrante da Comissão que leu em voz alta do nome de desapararecidos na ditadura que possuíam vínculos com a USP. À leitura de cada nome, todos gritavam “presente”. E uma pessoa se levantava com a foto do citado e levava-a até a frente, deixando-a num painel com rosas ao redor.
Postado no blog Pragmatismo Político em 18/06/2012

Entenda a luta dos estudantes e professores da USP


A tradição autoritária da reitoria da USP

 

As relações da alta cúpula da Universidade de São Paulo com a tradição autoritária brasileira, que vieram à tona recentemente durante a gestão de João Grandino Rodas, não são, infelizmente, recentes. Rodas não está sozinho no hall dos reitores da USP ligados à ditadura militar e simpáticos a seus métodos de repressão e perseguição.


A colaboração da administração da USP com a ditadura civil-militar instalada em 1964 foi intensa e profunda. O reitor da USP “eleito” em 1963, Luiz Antônio Gama e Silva – que, como Rodas, assumia a reitoria após deixar a diretoria da Faculdade de Direito do Largo São Francisco – era um “revolucionário de primeira hora”. Foi participante ativo da conspiração que depôs o governo João Goulart e apoiador do novo regime, com passagens pelos Ministérios da Justiça e da Educação e Cultura. Posteriormente, já durante o governo Costa e Silva, licenciou-se do cargo de reitor da Universidade de São Paulo para assumir o Ministério da Justiça. Lá, redigiu o famigerado Ato Inconstitucional número 5 (AI-5), que completou o processo de suspensão das liberdades democráticas desencadeado com o Golpe de 64.

A intensa relação de Gama e Silva com o Governo Militar e o fato de ele ter permanecido reitor da USP, ainda que licenciado, durante praticamente toda a década de 1960, fizeram da Universidade de São Paulo um palco privilegiado para as perseguições políticas do período ditatorial. 

As perseguições, demissões e aposentadorias arquitetadas diretamente por Gama e Silva lhe permitiram destruir o grupo que, representando as faculdades e escolas progressistas, o ameaçava por dentro das estruturas de poder da Universidade. Mas Gama e Silva foi além e destruiu também as forças que se contrapunham à tradição autoritária da USP por fora da estrutura de poder, ou seja, o movimento estudantil. Nesse sentido, atuou diretamente na invasão da Maria Antônia pelo exército em 1968. Assim, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências, que abrigava o núcleo vivo do movimento estudantil de esquerda da USP, foi transferida para os barracões da cidade universitária e, posteriormente, divida em Faculdades e Institutos dispersos.

O pouco espaço que sobrou para o movimento estudantil da USP foi destruído na reitoria de Miguel Reale. Professor da Faculdade de Direto e próximo de Gama e Silva, Reale promulgou, por decreto, o Regimento Disciplinar de 1972, ainda em vigor, que proíbe toda e qualquer manifestação política no interior da USP. 

Valendo-se do expurgo da sua oposição dentro das estruturas de poder da universidade, da destruição das bases de organização do movimento estudantil e dos mecanismos de fortalecimento inerentes à estrutura de funcionamento da USP, o núcleo conservador e autoritário liderado, naquele momento, por Luiz Antônio Gama e Silva, conseguiu uma hegemonia quase total no controle da maior e mais importante universidade pública brasileira. 
Nem o processo de abertura política, iniciado na década de 1980, conseguiu impulsionar o movimento de renovação da USP. Todas as propostas de reforma da estrutura de poder da universidade foram derrotadas na reforma de 1990, e o Estatuto da USP foi mantido praticamente intacto. Os seus traços gerais falam por si:

- Um poder quase absoluto dos professores titulares (que representam menos de 1% da comunidade universitária).

- Pouquíssima participação de estudantes, funcionários e demais professores nos seus órgãos decisórios.

- Forte concentração de poder na reitoria, sobretudo em relação à aprovação do orçamento. 

- Ausência de autonomia para as unidades, que ainda têm que submeter uma lista tríplice de diretores eleitos ao reitor, que consegue, com isso, desestimulando a oposição, formar um conselho universitário dócil e obediente.

Ainda nesse movimento de transição sem transição, o regimento disciplinar de 1972 foi mantido inalterado. Segue proibindo greves, manifestações políticas e a liberdade de expressão no interior da USP . No mesmo espírito autoritário, a alta administração da universidade segue limitando o acesso a documentos oficiais (por exemplo, as atas de reuniões de departamento, congregações e conselhos centrais não são publicizadas) depois de ter promovido, durante a reitoria de Hélio Guerra (1982 – 1986), uma verdadeira “queima de arquivo”, com a destruição de centenas de documentos oficiais da universidade, relativos ao período ditatorial .

É esse contexto que permite entender o real significado da gestão de João Grandino Rodas. Oriundo da Faculdade de Direito, como Gama e Silva e Miguel Reale, Rodas tem ligações no mínimo incômodas com a ditadura militar. Na condição de membro da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), ele votou contra a atribuição de culpa aos regime militar em pelo menos 11 casos, dentre eles, a morte do estudante Edson Luís e da estilista Zuzu Angel. Talvez por isso, tenha merecido a “Medalha de Mérito Marechal Castello Branco”, conferida pela Associação Campineira de Oficinas da Reserva do Exército, prêmio que o reitor ostenta orgulhosamente em seu Currículo Lattes . 

A esse histórico somaram-se ações mais recentes. Primeiro, a invasão da Faculdade de Direito pela Polícia Militar em 2007, durante um ato pacífico organizado pela UNE em parceria com o Centro Acadêmico XI de Agosto. Depois, sua atuação como presidente da Comissão de Legislação e Recursos da USP para autorizar a entrada da Polícia Militar na Universidade, em caráter preventivo, durante o período de greves. Protestos a essa medida e a resposta da PM resultaram na batalha campal de julho de 2009, quando a Tropa de Choque perseguiu uma manifestação de estudantes, funcionários e professores, dentro da Cidade Universitária, culminando em um bombardeio da FFLCH com gás lacrimogênio e de efeito moral. Mais tarde, Rodas participou ativamente do grupo que pressionou a reitora Suely Vilela a realizar as reuniões do Conselho Universitário no Instituto de Pesquisa em Energia Nuclear, portanto, em área militar para evitar protestos.

Já enquanto reitor, Rodas criou um grupo especial e secreto para “monitorar” atividades políticas na USP, a denominada “sala de crise”. No mesmo período, responsabilizou-se pelas obras do monumento em homenagem aos mortos e perseguidos pela ditadura militar, trocando sutilmente o seu título para “Monumento em Homenagem a mortos e cassados na Revolução de 1964”, causando mal estar dentro e fora da Universidade . Pouco depois, usou um órgão de imprensa da própria USP para desmerecer os mortos e perseguidos da ditadura militar que organizavam um “Manifesto pela democratização da USP” chamando-os de “autointitulados” e enaltecendo a “democracia na USP” . 

Rodas denominou a morte do estudante de economia da USP, Felipe Ramos de Paiva, de “oportunidade” para aprovar um convênio com a PM de São Paulo, uma das polícias mais violentas do mundo. Na escalada de violência que se abriu desde então, autorizou uma invasão histórica da USP por forças militares, representadas, na ocasião, por mais de 400 homens da Tropa de Choque, PM, GATT, exército entre outros grupos e batalhões. Em um ato de desrespeito à memória da USP, autorizou uma invasão militar da moradia estudantil, o CRUSP, em pleno domingo de carnaval, no mesmo dia em que se completaram 44 anos da invasão do mesmo CRUSP pelo exército, ainda durante a ditadura. Mobilizando o código disciplinar de 1972, expulsou 6 estudantes e abriu processos disciplinares contra pelo menos mais 52. Está processando criminalmente a diretoria da Associação dos Docentes da USP por calúnia e, disciplinarmente, a diretoria do Sindicado dos Servidores da USP, o SINTUSP, pela organização de greves. 

A simples enunciação dos principais atos da gestão Rodas gera perplexidade e indignação. Sua atuação insere-se, no entanto, numa cultura política e institucional extremamente autoritária e avessa ao espírito universitário. A liberdade de expressão e de pensamento, o direito de crítica e de manifestação e a sociabilidade de culturas diferentes, se fazem cada vez menos presente na USP.

Coletivo Estudantes da USP em defesa da educação pública

Postado no blog Carta Maior em 08/05/2012


Intolerância verificada na USP diz respeito a todos nós



por Jorge Luiz Souto Maior
No começo deste ano eu estava em Liverpool à procura de um sonho perdido, os Beatles, e me deparei, talvez não por acaso, pois o destino tem razões que a própria razão desconhece, com a dura realidade tratada no Museu Internacional da Escravidão, inaugurado em 2007.
Várias coisas me impressionaram naquele local, sobretudo a menção honrosa feita ao Brasil, como tendo sido o último país das Américas a eliminar a escravidão, embora, até hoje, como bem sabemos, não tenha eliminado o trabalho escravo. Além disso, impressionei-me com um poema refletido no chão, atribuído a um pastor, de nome Martin Niemöller, que foi escrito na Alemanha nos tempos do nazismo, com o seguinte teor:
Quando os nazistas levaram os comunistas,
eu não protestei,
porque, afinal,
eu não era comunista.
Quando eles prenderam os sociais-democratas,
eu não protestei,
porque, afinal,
eu não era social-democrata.
Quando eles levaram os sindicalistas,
eu não protestei,
porque, afinal,
eu não era sindicalista.
Quando levaram os judeus,
eu não protestei,
porque, afinal,
eu não era judeu.
quando eles me levaram,
não havia mais quem protestasse
Quando retornei ao Brasil, estudando um pouco mais o contexto daquele poema, deparei-me com outro, de Bertold Brecht:
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo
As pesquisas me conduziram a mais um poema, este produzido no Brasil, de autoria de Eduardo Alves da Costa, que foi elaborado na época da ditadura militar e de onde se extrai a passagem que se tornou célebre na luta democrática instaurada na época do golpe de 64:
Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
O que essas manifestações têm em comum? Elas se identificam pela poética demonstração de que as supressões da liberdade se “desenvolvem” progressivamente na medida em que encontram espaços para tanto, sendo que estes espaços são criados pela tática do medo.
Tendo por base esse aprendizado histórico, fácil compreender que assistimos na USP, presentemente, uma escalada anti-democrática repressora da liberdade, que avança a partir da estratégia do medo e da desinformação.
Mesmo sem nenhuma pretensão poética, é possível dizer:
Primeiro levaram um sindicalista
E não dissemos nada, pois não somos sindicalizados
Depois levaram, na calada da noite, os aposentados
Não nos importamos, afinal, estamos na ativa
Aí, oficializaram a política da repressão militarizada
E levaram estudantes
Sem entender bem o se passava, não protestamos
Na seqüência, já com armas em punho, levaram mais estudantes
Não reagimos porque não somos mais jovens sonhadores
Então, se conferiram o poder de chamar o golpe de 64 de
Revolução!
Após isso, se sentiram à vontade para assumirem, abertamente, o projeto de privatização do ensino, ameaçando fechar cursos que não se integram às exigências do mercado.
Adotaram, de modo cada vez mais explícito e abrangente, a terceirização, que, como bem sabem, precariza o trabalho e dificulta as resistências por parte dos trabalhadores.
Não se importaram com as reincidentes agressões desferidas por Policiais contra estudantes no seio da Universidade e assumiram postura de que não lhes diz respeito o atentado contra a sede do sindicato dos servidores – o Sintusp (a que ponto chegamos?)
Passaram a levar a ferro e fogo a intolerância contra os contestadores. Fiscalizam, invadem a privacidade, institucionalizam a espionagem.
Instauraram processos administrativos contra os demais diretores do sindicato.
Têm tratado os conflitos, frutos das revoltas de estudantes e servidores contra esse estado de coisas, como meros casos de polícia, pois não se vêem, minimante, constrangidos ao diálogo.
E, claro, não podia faltar, buscaram utilizar os meios de comunicação em massa para destruir moralmente todos que, não podendo ser presos ou descartados, ousam a se posicionar, abertamente, contra a situação posta.
Como se vê, é preciso, urgentemente, revelar que está em curso na Universidade de São Paulo um procedimento típico de regimes ditatoriais, que, inclusive busca justificativas para seus atos na lei, que é vista apenas parcialmente, sem se atentar para o contexto geral do ordenamento jurídico, o qual, vale lembrar, está construído, exatamente, de modo a evitar que em nome da lei se obstruam as liberdades individuais e a eficácia dos direitos sociais, tratados, ambos, na Constituição Federal, como direitos fundamentais.
É necessário ter a exata compreensão do que representa a racionalidade jurídica, fixada na Constituição, posta a partir dos postulados dos Direitos Humanos, integrados ao contexto do pacto de solidariedade, com a exata dimensão de sua representação histórica para o futuro da humanidade, pois sem essa base teórica bastante consolidada e sem as práticas que decorram de sua defesa, corre-se o risco do argumento da legalidade ser retoricamente utilizado a ponto de justificar todo o tipo de barbaridade praticada contra a condição humana, como, aliás, já se verificou em nosso país.
Urge recordar:
“O presidente da República Federativa do Brasil, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e:
Considerando que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao país um regime que, atendendo as exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, “os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa Pátria” (Preâmbulo do Ato Institucional no 1 de 9 de abril de 1964);
Considerando que o governo da República, responsável pela execução daqueles objetivos e pela ordem e segurança internas, só não pode permitir que pessoas ou grupos anti-revolucionários contra ela trabalhem, tramem ou ajam, sob pena de estar faltando a compromissos que assumiu com o povo brasileiro, bem como porque o Poder Revolucionário, ao editar o Ato Institucional n. 2, afirmou categoricamente, que “não se disse que a Revolução foi, mas que é e continuará” e, portanto, o processo revolucionário em desenvolvimento não pode ser detido;
Considerando que esse mesmo Poder Revolucionário, exercido pelo presidente da República, ao convocar o Congresso Nacional para discutir, votar e promulgar a nova Constituição, estabeleceu que esta, além de representar “a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução“, deveria “assegurar a continuidade da obra revolucionária” (Ato Institucional no 4, de 7 de dezembro de 1966);
Considerando que, assim, se torna imperiosa a adoção de medidas que impeçam sejam frustrados os ideais superiores da Revoluçãopreservando a ordem, a segurança, a tranqüilidade, o desenvolvimento econômico e cultural e a harmonia política e social do País comprometidos por processos subversivos e de guerra revolucionária;
Considerando que todos esses fatos perturbadores da ordem são contrários aos ideais e à consolidação do Movimento de março de 1964, obrigando os que por ele se responsabilizaram e juraram defendê-lo a adotarem as providências necessárias, que evitem sua destruição.
Resolve editar o seguinte:
Ato Institucional
(….)
Art. 2º O presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo presidente da República.
(….)
Art. 3º O presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos estados e municípios, sem as limitações previstas na Constituição.
Parágrafo único. Os interventores nos estados e municípios serão nomeados pelo presidente da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam, respectivamente, aos governadores ou prefeitos, e gozarão das prerrogativas, vencimentos e vantagens fixadas em lei.
Art. 4º No interesse de preservar a Revolução, o presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.
Parágrafo único. Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais, que tiverem os seus mandatos cassados não serão dados substitutos, determinando-se o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos.
Art. 5º A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa simultaneamente, em:
I. cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
II. suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
III. proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de segurança:
a) liberdade vigiada;
b) proibição de freqüentar determinados lugares;
c) domicílio determinado.
§ 1º O ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados.
(….)
Art. 6º Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo.
§ 1º O presidente da República poderá, mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou por em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregados de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço.
(….)
Art. 10º Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
Art. 11º Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.
Art. 12º O presente Ato Institucional entra em vigor nesta data, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 13 de dezembro de 1968.
O documento supra, que se trata do Ato Institucional n. 05, foi assinado por várias pessoas, dentre elas, Luís Antônio da Gama e Silva, um dos mentores do texto do Ato, o qual antes de ser nomeado Ministro da Justiça, em 1967, ocupava o cargo de Reitor da Universidade de São Paulo, advindo da Faculdade de Direito, onde atuava como Professor Catedrático de Direito Internacional Privado, em vaga hoje pertencente ao Sr. João Grandino Rodas.
Por ocasião do afastamento temporário de Gama e Silva, a Reitoria, depois de curto tempo nas mãos de Mário Guimarães Ferri, afastado por questões médicas, acabou sendo assumida pelo professor Hélio Lourenço de Oliveira, o qual, por não apoiar o regime militar, foi aposentado compulsoriamente. O Reitor nomeado, em sua substituição, foi o professor da Faculdade de Direito, Alfredo Buzaid, que, posteriormente, por nomeação de General Emílio Garrastazu Médici, galgou o posto de Ministro da Justiça, tendo sido nomeado, para Reitor, o professor Miguel Reale, também oriundo da Faculdade de Direito.
Não se pode esquecer que no período em questão, com fundamento no Ato Institucional n. 05, vários professores da Universidade de São Paulo de orientação social, denominados, por isso, de “subversivos”, foram aposentados compulsoriamente, dentre eles: Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, Elza Salvatori, Bento Prado Almeida Ferraz Jr., Emília Viotti da Costa, Luiz Hildebrando Pereira da Silva, Isaías Raw, José Arthur Giannotti, Mário Schenberg, Paulo Alpheu Monteiro Duarte e Paul Singer, destacando-se o caso de Caio Prado Jr., que foi incluído na lista de aposentadorias compulsórias mesmo sem ainda ser professor da Universidade, tendo apenas o título de livre-docente, adquirido junto à Faculdade de Direito.
Não se pode conceber como mero descuido, portanto, ter a atual Direção da USP nominado de “Revolução” o golpe de 64, ainda mais se considerarmos que o Reitor, em sua atuação na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, de 1995 a 2002, acompanhado de outros dois membros, dentre eles o General Oswaldo Pereira Gomes, “votou contra a culpabilidade do Estado pela morte e desaparecimento de vários presos políticos”, sendo que a declaração de culpa nestes casos (onze, no total) foi adotada pela maioria dos demais integrantes da Comissão (quatro), conforme denúncia feita por Carlos Lungarzo, membro da Anistia Internacional.
Concretamente, sem uma reação consciente e esclarecida ao que se apresenta na atualidade da Universidade de São Paulo, exigindo-se a reversão do quadro, com a imediata retirada dos processos administrativos contra servidores e alunos, a readmissão do sindicalista Brandão, o cancelamento do convênio feito entre a Administração da Universidade e a Polícia Militar (que instaurou a lógica da repressão militarizada no Campus), a realocação imediata dos desalojados do CRUSP e a convocação de uma estatuinte para a institucionalização de procedimentos verdadeiramente democráticos na Universidade, iniciando-se pela eleição democrática para Reitor e atingindo a construção de um projeto de uma Universidade verdadeiramente pública, com o fim do Vestibular, a eliminação das Fundações de direito privado e demais cursos pagos, o fim da segregação entre servidores e professores, a derrubada de todos os muros que separam a Universidade da sociedade etc., corre-se o risco de ao acordamos pela manhã nos depararmos com um novo Ato Institucional publicado no Diário Oficial.
Importante ressaltar que muitos dos processos administrativos instaurados contra servidores e alunos têm por base um Decreto de 1972, que prevê, dentre outros atos puníveis, a prática de atitudes que atentem contra a moral.
No mínimo, há de se conceber a urgência, na linha das propostas feitas pelo Prof. Fábio Konder Comparato, da formação de um Comissão da Verdade para apurar responsabilidades quanto aos atos praticados durante o regime militar que envolveram a supressão de direitos de servidores, professores e estudantes da Universidade de São Paulo, criando-se, concomitantemente, uma sub-comissão para avaliação do conteúdo persecutório dos recentes processos administrativos instaurados contra estudantes, professores e servidores.
Cumpre registrar, por oportuno, que foi a instauração do medo com relação às reformas de base anunciadas pelo Presidente João Goulart, reforçada pela retórica da “restauração da ordem”, que impulsionou o golpe de 1964, e que assistimos, presentemente, uma escalada de medo semelhante no que se refere à mobilização cada vez mais organizada dos movimentos sociais, que buscam a efetivação de direitos constitucionalmente consagrados.
É por isso, ademais, que a intolerância verificada presentemente na USP a todos diz respeito. Não cabe o argumento de que não se tem nada com isso, por que, afinal, não se está a ela integrado, pois, como traduzem os poemas supra, primeiro fazem aqui, depois, por aí. O caso do Pinheirinho, no qual se utilizou a mesma logística para a retirada dos estudantes que no final do ano passado ocupavam o prédio da Reitoria, reflete exatamente isso, sendo oportuno destacar que se avizinha situação semelhante na comunidade San Remo, situada ao lado da própria Universidade de São Paulo. Aliás, recentemente foi aprovada no Conselho Universitário uma leva de contratação de professores temporários, deixando-se clara a política de diminuição do poder da classe dos professores que vem por aí.
É por tudo isso que a presente reação, com o lançamento do Manifesto pela Democratização da USP, que tem o propósito de impedir que uma tal realidade, cujo processo já se iniciou no seio da Universidade, não volte a atingir a toda a sociedade, representa a mais singela homenagem que se pode prestar aos parentes e amigos dos cidadãos brasileiros que sofreram danos irreparáveis por todos aqueles (e não, genérica e impessoalmente, regime ditatorial) que legitimaram a ditadura e com ela pactuaram, além de constituir a fórmula mínima de respeito à luta que esses cidadãos implementaram por todos nós.
É certo que muitas pessoas não querem perceber a gravidade do momento, seja por se beneficiarem dele, seja por puro comodismo. A questão é: até quando poderão se calar? E mais ainda: se já não será tarde demais quando quiserem se manifestar?
Para esses últimos, que precisam sair do mundo dos sonhos, vale, ainda, o recado há muito deixado por Rosa Luxemburgo:
“Quem não se move não sente as correntes que o prende.”
De todo modo, diante da apresentação deste Manifesto, que traz insitamente uma demonstração de solidariedade para com os oprimidos do sistema, provando-lhes que lutar pela defesa da democracia, pela efetivação de direitos e pela conquista de melhores condições de vida não é crime, e que representa, igualmente, uma homenagem à produção do saber, que é a razão de ser de uma Universidade, e à necessária defesa da condição humana, que é a razão de ser de todos nós, pode-se acreditar que ao menos a comunidade uspiana não vai se calar e vai continuar se movendo…
Muito obrigado!
Jorge Luiz Souto Maior é professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP.
PS do Viomundo: O artigo acima é o texto-base da manifestação do professor Souto Maior durante o lançamento do Manifesto pela Democratização da USP, ocorrido na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP), em 1º de março de 2012.

Postado no Blog Viomundo em 09/03/2012
Texto grifado por mim.

USP-Ariel: as minutas de uma afronta ao direito internacional



Já em seu preâmbulo, a linguagem usada no acordo está em patente contradição com a lei internacional: o Ariel University Center of “Samaria” não fica em Israel. Ele está localizado na colônia de Ariel, na Cisjordânia, parte do território reconhecido pela legislação internacional como palestino e ilegalmente ocupado por Israel desde 1967. Esta colônia, especificamente, começou a ser construída em 1978, numa invasão militar que confiscou terras cultivadas e terrenos rochosos que os aldeões palestinos usavam para as pastagens de seus rebanhos. Como explica Indra Seixas Neiva em seu TCC: a área municipal da colônia de Ariel possui vários enclaves de propriedades privadas palestinas, cujos acesso é proibido aos proprietários impedidos pelo Muro que separa sete aldeias do norte de Salfit (Hares, Kifl lebres, Qira, Marda, Jamma’in, Zeita-Jamma’in e Deir Istiya) de acessar suas terras e rebanhos, com cerca de 25.000 palestinos prejudicados uma vez que dependem de uma variedade de serviços da cidade centro da região de Salfit (p.34).
Sempre que se fala nas colônias israelenses em território palestino, é boa ideia ter em mente a brutalidade do processo, para que não se perca de vista que ele inclui constantes expulsões, monopólio de água, estatuto jurídico diferenciado para colonos, presença do exército de ocupação como seus garantidores, violências permanentes contra a população palestina e os onipresentes checkpoints. O mapa que segue mostra o caminho que devem fazer os palestinos dos vilarejos ao norte de Ariel para chegar ao centro urbano regional, Salfit, bloqueados pelo Muro do Apartheid:
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Fonte: B’Tselem.

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O convênio da USP com a Ariel, estabelecido em 2010 e com vigência de cinco anos, prevê troca de informações e publicações, visitas mútuas de pesquisadores, intercâmbio anual de delegações e outras formas de colaboração. Sendo a Ariel uma instituição cuja mera existência já é uma afronta ao direito internacional, nos encontramos na triste situação de que a mais prestigiosa e reconhecida universidade brasileira está validando e legitimando uma ocupação ilegal amplamente condenada nas Nações Unidas. De novo, nas palavras de Indra Seixas Neiva: O convênio da USP com uma instituição localizada nos TPO [Territórios Palestinos Ocupados] é uma afronta gravíssima ao direito internacional e funciona como instrumento facilitador e normalizador da situação de ilegalidade das colônias judaicas, da construção do Muro de separação e dos crimes cometidos contra os palestinos (p.38).
Trata-se, efetivamente, de colaboração com a criminalidade internacional. A Fórum também apurou que há pouca notícia entre os professores acerca de existência e das implicações desse convênio. Não surpreende, dado o histórico recente de bloqueio a iniciativas de discussão da situação palestina na USP. Em 2006, quando o Professor Osvaldo Coggiola convocou um ato “contra o massacre no Líbano e na Palestina”, a autorização para o uso do Anfiteatro Camargo Guarnieri, que havia concedida pela reitoria, foi revogada na última hora, enquanto os serviços de informação da USP disseminavam a falsa notícia de que o ato havia sido cancelado. O mesmo aconteceria em 2010 com Maren Mantovani, diretora de Relações Internacionais da Campanha Palestina contra o Muro do Apartheid, convidada a participar de um evento na Faculdade de Economia e Administração (FEA): o local também foi desautorizado na última hora.
Fica aqui então, reiterado, o pedido de explicações sobre esta flagrante afronta à lei internacional por parte da USP. A página do ICMC-USP, São Carlos, lista a Profa. Márcia Ferguson como responsável pelo convênio.
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Este post é dedicado, em admiração e solidariedade, a Indra Neiva Seixas, que se encontra agora na Cisjordânia monitorando abusos dos direitos humanos por Israel, servindo no programa de acompanhamento do EAPPI. Sem ela, não teria sido possível compilar a maior parte das informações contidas aqui.
Postado no Blog Revista Fórum em 29/02/2012