As cinzas de um país




Fernando Brito

A consciência de um povo, como as matas de um país, estão sujeitas a incêndios, naturais ou provocados.

O tempo seco da crise iniciada em 2015, claro, criou-lhes as condições adequadas às chamas, mas elas não aconteceriam sem as ateassem gente instalada em lugares propícios e sem precaução contra a propagação além dos limites daquilo que queriam queimar.

Sim, porque pretendiam, a fogo, dar fim a esta praga da democracia, que tantos anos fazia que não conseguiam extirpar, mesmo com a mídia pulverizando ardentes acusações sobre ela.

O resultado é que perderam o controle do processo e as ditas instituições – que, pensaram, funcionariam como aceiros de uma queima controlada – não detiveram e até espalharam o incêndio, generalizando a destruição.

Tudo ardeu: a educação, a saúde, a moeda nacional, a economia mas, sobretudo, a compreensão de que não somos um paiseco, medíocre e estagnado, servil e sem remédio.

Como nos restos fumegantes do Pantanal, restou por toda a parte um chão calcinado, onde vagueiam políticos atrofiados, disformes, famintos e vorazes, que fazem ou se dispõem a fazer a predação dos cofres públicos, das riquezas da terra e os direitos da população.

Um terço dos viventes deste país viraram zumbis, adoradores fanáticos de um besta-fera que exala labaredas, que fedem a morte e a destruição.

De nada adianta dizer ou mostrar que estamos a caminho de virarmos um deserto, não só de matas e cerrados, mas de ideias e amores.

Aceita-se e aplaude-se, que “em nome de Deus” estejamos no que chamam de “caminho certo”, ainda que este seja aquele em que sobem os números do desemprego, da fome, do ódio grassando nas ruas, do fogo devorando o país.

Parece que a devastação chegou aos corações e mentes de parte significativa do povo brasileiro e que nossa dignidade carbonizou-se, que nossa capacidade de pensar consumiu-se, que nossos sentimentos de humanidade e solidariedade viraram cinzas frias.

Nosso calor, agora, não é o humano, mas o desumano.

A fumaça que encobre nossos horizontes há de passar, ainda que com muito sofrimento, para que possamos voltar a enxergar o sol. Mas como a flora e a fauna calcinadas, levaremos tempo, muito tempo, até nos recuperarmos da queimada que engoliu um Brasil que, não faz muito, vicejava e crescia.

Tal qual nos versos do Chico Buarque, chegará a hora em que rebrotaremos, “como se o céu vendo as penas/ Morresse de pena/E chovesse o perdão”.

Até lá, nossa bandeira não será vermelha, mas a terra, as matas e os horizontes seguirão rubros, como nossos rostos ficam, de vergonha com o que deixamos fazerem ao Brasil.




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