O que o suicídio de uma apresentadora britânica linchada nas redes diz sobre o Brasil de Bolsonaro





Mauro Donato

No sábado passado, o linchamento virtual da internet fez uma jornalista cometer suicídio.

Caroline Flack, apresentadora de programas de reality famosos como Love Island (Ilha do Amor), tinha 40 anos e não suportou o tribunal de carrascos das redes sociais. 

Em dezembro do ano passado, Caroline Flack foi acusada de ter agredido o namorado, o tenista Lewis Burton. Devido à repercussão, foi afastada do programa. 

Mesmo com o namorado recusando-se a prestar queixa e declarando apoio a Caroline, o estrago perante a opinião pública já estava feito. 

A Justiça britânica, pressionada pelo populacho, deu andamento e chegou a decretar que a apresentadora mantivesse distância de Lewis Burton. Eles passaram o Dia dos Namorados separados por decisão judicial.

Ontem, Burton fez uma postagem terrivelmente triste no Instagram: “Meu coração está partido, tivemos algo tão especial (…) Sinto tanta dor, sinto muito sua falta.”



No Reino Unido há um agravante clássico: os tabloides. Jornais sensacionalistas fazem grande sucesso na ilha e amplificaram a gritaria da internet. Passaram os últimos dois meses massacrando Caroline Flack. Ela sucumbiu. 

O episódio de Love Island de ontem não transmitido, mas segundo a ITV o programa continuaria normalmente nesta segunda-feira.

O caso reacendeu, com intensidade de pira olímpica, a pauta da regulamentação das mídias sociais.

“Eu me preocupo com permitirmos que as empresas de mídia social se regulem. Em nenhuma outra área da vida permitiríamos que empresas privadas se policiassem. Devemos garantir que o estado tenha um sistema de regulamentação”, declarou Lisa Nandy ao jornal The Guardian. 

“A imprensa também tem que assumir responsabilidades. Não apenas pelo ódio e abuso, mas pela difamação constante dos deputados trabalhistas e líderes trabalhistas. Temos que fazer algo para diversificar nossa imprensa, para ter uma mídia melhor. Não eram apenas as mídias sociais, eram as mídias amplificando o que as mídias sociais estavam fazendo”, afirmou Keir Starmer, candidato à liderança trabalhista.

Ele tem divulgado que irá “diversificar” a imprensa caso substitua Jeremy Corbyn, atual líder do Partido Trabalhista.

O caso merece destaque no Brasil pela similaridade aos ataques sofridos por jornalistas, entre eles Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo.

Desde que expôs o esquema de disparos turbinados em grupos de whatsapp (e financiados por empresas) que colaboraram para a eleição de Bolsonaro, a jornalista tem sofrido ataques odiosos.

Após a última sessão da CPI das fake News, mais de um vídeo sugerindo que Patrícia é prostituta passaram a circular entre grupos de direita.

A ampliação das bobagens de MBL e grupelhos afins que nasceram nas redes sociais circulando memes e mentiras tornou-se um monstro que agora está fora de controle.

Patrícia Campos Mello hoje pode estar achando graça de videozinhos esdrúxulos comparando-a a prostitutas. Mas com o tempo, e inevitável intensificação dos ataques e ofensas, isso pode ganhar uma dimensão insuportável.

A apresentadora inglesa Caroline Flack já tinha sido vítima de tabloides e parecia ter tirado de letra. Em 2009 ela namorava com o príncipe Harry. Quando o relacionamento vazou para a imprensa, o tratamento foi grotesco, como sempre é nesses jornais.

“Eu não era mais Caroline Flack, apresentadora de TV, mas Caroline Flack, a ‘ficante’ do príncipe Harry”, disse ela na época. Decidiram terminar o namoro de maneira descomplicada.

Mas o subconsciente pode ser um acumulador implacável. A soma de casos isolados, ainda que aparentemente inofensivos, pode resultar em tragédias.



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