Recomendo esta série na Netflix : Navillera

 


[Resenha] Navillera : o primeiro voo de um bailarino
iniciante de 70 anos



POR JULIANA D. 04/28/2021


Navillera é um kdrama na Netflix de 12 episódios sobre um homem de 70 anos que sonha em dançar balé desde criança e decide começar a aprender com um garoto rebelde de 23. Esse encontro transformará as vidas deles e das pessoas ao redor.

@thingskateknows

Desde o início, eu sabia que Navillera deixaria uma marca em mim, como podem ler nas minhas primeiras impressões. O primeiro capítulo dá o tom exato de como os próximos episódios se desenrolam. A trama é uma adaptação de uma webtoon (quadrinhos publicados na internet) de autoria de Hun, ilustrada por Jimin. O roteiro foi adaptado por Lee Eun Mi, que também escreveu a série Túnel.

A história principal

@cuddlybitch

Quando criança, Sim Deok Chul (interpretado pelo ator premiado Park In Hwan, em uma performance espetacular e envolvente) sonhava em ser bailarino, mas foi duramente repreendido por seu pai. Nos anos seguintes, tornou-se carteiro, trabalhando a vida toda para tentar sustentar sua família. Ao completar 70 anos, seus filhos vivem suas vidas e ele se dá conta que nunca fez nada unicamente por ele, nem realizou nenhum sonho, vivendo em função de seu papel social de pai e marido. Um belo dia ele vê um jovem bailarino realizando saltos que o fazem lembrar de seu sonho reprimido de infância, e decide que irá tentar, dentro do possível, realizar seu desejo antigo. O ator é simplesmente espetacular. Seu olhar é sincero, seu choro machuca, e ele consegue transmitir tudo que o personagem está vivendo sem abrir a boca.

@cuddlybitch

O bailarino em questão é Lee Chae Rok (interpretado pelo Song Kang, de Love Alarm – se você tem algum preconceito com o ator por causa da trama fraquinha de Love Alarm, pode esquecer porque aqui ele está ótimo), que tenta ingressar em uma companhia de balé, mas sua falta de motivação e disciplina o tornam um garoto problema. Com um pai presidiário e a mãe falecida, o rapaz sente falta de referências, já tendo desistido de um sonho antigo que era ser jogador de futebol. Agora, ele sobrevive no balé, mas já não possui mais o brilho nos olhos de quando começou e não se empenha como antigamente. É por causa disso que seu professor, o bailarino aposentado Ki Seung Joo (interpretado por Kim Tae Hoon, de Persona), designa o rapaz para ser professor do senhor que insistentemente pediu para ser ensinado.

A partir de então, temos uma jornada de quebra de preconceitos e estereótipos. Deok Chul não se importa mais com as críticas, pois foram elas que o afastaram de seu sonho e ele deseja ao menos uma vez poder voar como um bailarino. Já Chae Rok acaba sentindo no “senhorzinho” o preenchimento da falta paterna e aos poucos vai amaciando sua pesonalidade, amadurecendo e desenvolvendo sentimentos de afeto por seu aluno, bem como amadurecendo sua determinação e suas relações.

O que significa Navillera? Além de ser título de umas das músicas mais famosas do grupo de K-pop GFRIEND, é um neologismo que surgiu em um poema sul-coreano, replicado em um livro muito famoso que a grosso modo significa “flutuar como uma borboleta”, um significado bastante apropriado para a leveza da série e dos movimentos de um bailarino. O sonho do personagem principal é voar ao menos uma vez na vida, antes que seu corpo não possa mais.

Por que o balé e a borboleta?

A trama gira em torno dessa brincadeira com as palavras, do “voar como uma borboleta”. Mas por que a borboleta? Se pararmos para pensar, o inseto possui suas fases de desenvolvimento que mal parecem vir do mesmo bicho, consistindo de ovo, larva, pupa e imago. O ser humano também possui suas fases de crescimento, não apenas físico, mas mentalmente.

@mostlyfate

Quando colocamos o balé no jogo, temos aqui um tipo de esporte tradicionalmente discriminatório a respeito da idade, gênero, físico e até da classe social do dançarino. Desafiar as regras do jogo que limitam seu campo de atuação por volta dos 23 anos é também dizer que a fase áurea, o imago do ser humano, é também a velhice. Ao mesmo tempo, em relação à técnica, Shim Deok Chul é ainda um ovo, incipiente. Enquanto seu professor, embora um bailarino em iminência de sucesso, é um jovem pupa emocionalmente, havendo então uma troca de papéis de mestre-aluno, de borboleta-larva, ambos alunos e professores cada um a seu momento. Os dois precisam treinar incessantemente, apesar de todos os incômodos, feridas, regras e pressões (do balé e da vida social) e aceitando suas limitações para conseguir, finalmente, voar.

Pensando agora no vôo como finalidade dos desejos de ambos, a princípio temos os saltos leves dos bailarinos, a apresentação em um palco. Se analisarmos um pouco mais de perto, com a figura da borboleta, vemos o vôo como sendo resultado da sua transformação interna, o desenvolvimento do seu eu interior em tal harmonia com seus desejos internos que é possível abrir asas como uma borboleta e voar. Se compararmos com as idades, é como se o envelhecimento fosse um processo para atingir o auge do seu brilho interno, ainda que o corpo mostre o contrário. Porém, mesmo diante do enfraquecer do corpo, o desejo e algumas memórias são tão fortes que são preservados com o sentimento de êxtase (às vezes, de forma negativa) da infância.

O desenvolvimento da trama e suas reflexões

Com essas considerações iniciais feitas, vamos falar sobre roteiro e enredo. Ao começar a assistir Navillera, a história parece ser previsível no que parece ser uma jornada simplória cujo final parece ser a morte. Os episódios ameaçam ficar um tanto repetitivos e parados, mas isso nunca ocorre de fato. Em cada um deles você precisa prestar atenção para captar “a lição do episódio”, mas são pílulas para contar uma história maior, não só da trajetória do personagem, mas de nós mesmos. Há sempre algo que podemos refletir sobre nossas próprias vidas e chorar um bocado pela pureza de sentimentos e pensamentos que com certeza já cruzaram a sua mente. Então , de repente, e não podemos dizer que foi sem aviso, Navillera vira uma chave emotiva que pega um espectador livre de spoilers e de sinopses desprevinido e ela é muito potente, subindo o nível do dorama nas alturas e abraçando a audiência com um casaquinho de lã enquanto certamente você acabará derramando algumas lágrimas pensando em alguém querido ou na iminência de um acontecimento.

@netflixdramas

Os filhos do bailarino, sua neta (fiquei com receio que eles fossem forçar um casal e desfocar da história principal, mas isso não aconteceu, e eu adorei a atriz Hong Seung Hee, que para mim é a cara da IU), esposa (Na Moon Hee é a cara da minha mãe e eu sempre vejo muito dela em seus trabalhos) e amigos do professor acabam se desenvolvendo no processo. Descobrimos o motivo pelo qual aquelas pessoas se encontram naquele ponto de suas jornadas e quais situações as fizeram tomar determinadas escolhas ou tornarem-se amargas e retraídas. O elenco vivo e móvel, sem vilões, faz com que os acontecimentos pareçam reais e passíveis de acontecer com qualquer pessoa. Afinal, em um momento, podemos pensar que “os filhos são uns monstros!”, mas depois, não o fazemos de alguma maneira? Seguimos a vida enquanto alguém de nossas famílias pode estar passando por situações que desconhecemos e escondemos nossos próprios fantasmas que aprendemos a sustentar durante o processo. Sabemos ou já tivemos curiosidade de perguntar sobre os sonhos negligenciados das pessoas ao nosso redor? E os nossos próprios sonhos ceifados com o mesmo discurso de “estou velho(a) aos 60, 30, 20, 15”?

@deokmis

A série traz também a reflexão de que estamos imersos em uma sociedade que impõe uma cobrança por resultados e uma fabricação de supergênios e superdotados que possuem sucesso e conquistas antes dos 30, listas do que fazer antes dos 20, cursos e idiomas para aprender antes dos 15, escolhas determinantes para tomar aos 18, raramente premiando a tentativa e o esforço, e, quem sabe ainda, simplesmente a busca pelo real motivo de prazer, não aquele que parecerá mais correto aos olhos do Instagram ou da família.

Aqueles que saem nas revistas ostentando suas conquistas aparentemente mágicas, vindas do ‘zero’, são a exceção, mas todo restante da maioria começa a sentir-se inadequada, insuficiente, desistente. E assim morrem os sonhos antes de nascer, uma robotização do comportamento, encaixotado no que deseja a sociedade frustrada que exige o que não pode cumprir, assim sendo necessário um sopro desesperado de vontade de voar uma única vez, contra todas as perspectivas para termos coragem de sermos “nós mesmos” ao menos uma vez na vida, para percebermos que o “tarde demais”, mesmo, é a morte.

Ao mesmo tempo, Navillera não é ingênua ou produto da própria mazela que tenta combater das tentativas ansiosas de controlar a vida. A série é cuidadosa ao mostrar que para cada escolha que não fazemos nós colhemos os resultados de outra e, a seu tempo, você pode não ter se tornado o maior bailarino que seu país já viu, mas em contrapartida pode ter conquistado um amigo especial ou tido uma aula com um significado especial só para você, sem comparar com ninguém. Pode não ter viajado o mundo, mas formou uma família da qual se orgulha. Pode não ter vivido antes, mas aquele único momento que escolher viver será o momento mais valioso da sua vida, e sua realidade do hoje. Suas conquistas que parecem mínimas são valiosas e cada pequeno passo pode significar muito, mesmo que ninguém mais acredite, desde que você saiba qual é o valor que aquele gesto tem para você.

@dingyuxi

Sem spoilers, acredito que um dos temas principais da série é muito forte e também traz um aprendizado importante, pois por mais regrados, responsáveis, profissionais ou “bem sucedidos” que acreditemos ser, a vida jamais pode ser controlada e os imprevistos podem dominar tudo. Mesmo assim, é cultivando o desejo de “flutuar como uma borboleta” diariamente ou naquele ímpeto raro que parece tardio é que podemos levitar pela vida e conhecer muitas estações no caminho que farão valer a jornada e pessoas que poderão se lembrar de nós, a fim de dar um sentido em nossa passagem.

Acho belíssimo também como a gentileza é transformadora na série e como uma pessoa consegue influenciar, sem saber, nas pequenas mudanças de comportamento daqueles que a cercam e como essas mudanças vão melhorando o entorno e causando reflexões. É emocionante como às vezes apenas uma companhia, uma mão que sustenta a outra e que se mostra presente ressignifica todo um momento que poderia ser apavorante para outra pessoa.

É lindo, de uma determinação triste e emocionante, com mensagens para todas as idades em diferentes níveis de abstração dependendo do estágio da borboleta que você se encontra. O final é agridoce, mas ainda que seja em um cenário frio, mostra que reencontrar sua essência (mesmo que isso signifique “voltar ao ovo”) é o verdadeiro navillera.

@gominshi

Quem deve ver?

Se você gosta de séries para se emocionar e refletir, certamente encontrará em Navillera uma daquelas histórias agridoce que mexerão com todo o seu psicológico, mas farão você dar um sorriso molhado no final. É um dorama excelente para pessoas sensíveis, que gostam de refletir e de chorar com as mensagens de filmes.







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