O mundo está ficando mais chato (só que não)


chato
Esses dias tive uma conversa boa no Facebook sobre a chatice do mundo atual. É um tema recorrente: o politicamente correto estaria deixando o mundo mais insosso, sem graça, sem espaço para o humor. Em suma, mais chato. E muita gente atribui toda essa chatice aos dos ativistas, que só têm atitudes enfadonhas e radicais. Acabei escrevendo um pouco a respeito no debate com um amigo. A coisa rolou mais ou menos assim:
1- O mundo está ficando chato comparado com quando? E para quem? Não vivi nos anos 1950, mas me parece que ser mulher hoje é bem mais legal do que era então. Não fui negra há 150 anos, mas me parece que houve certos avanços. Não fui gay nos anos 1980, mas me parece que o diálogo melhorou nesse sentido.
2- Talvez o mundo só esteja mais chato para as pessoas que sempre tiveram privilégios. Né.
3- Aliás, não sei de onde se tira esse “mundo chato”. Meu mundo é muito divertido, thank you very much. Apesar de abraçar várias causas, sou feliz, rio, faço piada, me divirto. Não preciso de piada de estupro, de gay ou de negro pra dar risada, obrigada. Não preciso do Rafinha Bastos; tenho o Laerte.
4- Ainda que as minorias tivessem o poder de tornar o mundo chato (não têm), eu não colocaria isso na frente da conquista de direitos, e na possibilidade de ter voz. Igualdade nunca pode ser menor que não-chatice.
5- Os movimentos sociais agem de diversas maneiras. O feminismo, por exemplo, tem a Marcha das Vadias, que é tudo menos chata. O cicloativismo tem a Bicicletada, que é tudo menos chata. O tumblr do Classe Média Sofre é tudo menos chato. Tem coisas muito divertidas rolando, apesar da seriedade dos assuntos.
6- Porém, mesmo essas iniciativas bem-humoradas encontram backlash, porque mexer no status quo sempre vai incomodar. Sempre vai ser chato. Para as coisas mudarem, é preciso que as pessoas saiam da zona de conforto, e isso sempre vai ser considerado chato. Não tem outro jeito.
7- As coisas chatas que eu vejo no mundo hoje não vêm das “minorias”. Vêm da burocracia, do mundo corporativo, do sistema financeiro excludente. Vêm das ruas lotadas de carros, das piadas datadas e sem graça das propagandas de cerveja, de governos higienistas como o de São Paulo. A chatice está em querer tirar as pessoas das ruas, tirar os músicos, os vendedores, tentar acabar com as feiras livres. A chatice não está em lutar contra essas coisas.
8- Sempre me espanto com a capacidade das pessoas que não têm causa nenhuma de querer ditar como as pessoas que lutam por alguma coisa devem fazer isso. Acha que as respostas que os ativistas dão são chatas? É só fazer uma resposta mais bacana. Ninguém tem prerrogativa nisso, qualquer um pode dar a resposta que quiser, quando quiser. Ou então assumir que o assunto não indigna a ponto de criar algo “inteligente”, e deixar o povo fazer da forma que sabe.
9- O item 8 serve pra mim também, pois sou uma das maiores defensoras de formas mais espertas e bem-humoradas de militar. Mas nem sempre consigo elaborar as respostas que eu julgo mais adequadas. Então eu apóio as coisas que estão sendo feitas, mesmo que não concorde 100% com elas, porque pelo menos as pessoas estão se movimentando na direção certa.
10- Esse deve ter sido o post mais chato que já escrevi, mas já que o rótulo já pregou mesmo, resolvi aproveitar… :P
E vocês, o que acham?

Jeanne Callegari

Jornalista, ciclista, poeta saindo do armário.



Postado no blog Blogueiras Feministas em 06/09/2012
Imagem inserida por mim




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