O delírio da hiperavaliação : quando tudo deve ter uma nota



Você já reparou que vivemos em uma sociedade obcecada em dar nota para quase tudo? Avaliamos restaurantes, hotéis e até pessoas. Estamos sendo excessivos ou isso é uma prática necessária?

Você é daqueles que, quando toma um cappuccino ou uma infusão em uma cafeteria, não hesita em escrever uma crítica no Google? É verdade que até os garçons nos pedem isso cada vez com mais frequência, mas há quem não hesite em avaliar cada uma das suas experiências. Por mais insignificantes que sejam: comprar um livro, fazer uma viagem de trem, ir ao cabeleireiro… Tudo agora é objeto de avaliação.

Essas notas e esses pequenos textos que descrevem nossas sensações fornecem informações para outras pessoas. Podemos também dar visibilidade a um negócio ou, pelo contrário, condená-lo ao ostracismo. No entanto, é uma realidade evidente que vivemos numa sociedade obcecada por rótulos.
O que seria de nós sem esses textinhos e esass notas que atribuímos (e que nos são atribuídos)? Aprendemos a nos movimentar guiados pelas avaliações, pelos comentários nas redes sociais, pelas curtidas e pelo número de estrelas que definem um produto ou uma pessoa. Tudo isso nos dá uma sensação maior de segurança, mas não estamos levando isso ao extremo?
Vivemos hoje em uma realidade em que estamos ficando obcecados por que tudo seja perfeito, delicioso e nos dê uma ótima experiência. Só assim concederemos 5 estrelas.

 

Tudo em nossa sociedade é passível de avaliação

O que é o delírio da hiperavaliação?

Ao longo de nossa vida acadêmica, muitos de nós nos acostumamos a ser associados a uma nota. Podemos ter sido um aluno de nota 10, 8 ou 5, números que provavelmente marcaram os nossos estudos e podem até mesmo ter condicionado os nossos primeiros passos no mundo do trabalho. Porém, agora as notas não são exclusivas ao ambiente escolar, pois atualmente qualquer mudança ou experiência é passível de ser avaliada.

Chamamos delírio de hiperavaliação a essa tendência pela qual qualquer produto, experiência, situação ou pessoa pode ser objeto de uma classificação numérica. É uma prática que nem sempre surge por do próprio indivíduo, mas os ecossistemas sociais atuais exigem de nós. Além disso, não é incomum que toda vez que fazemos uma compra, recebamos uma mensagem no e-mail solicitando que avaliemos a experiência.

No cotidiano, algo tão simples como tomar um café ou comprar (e ler) um livro agora exige que façamos um esforço de análise para traduzir essa experiência em uma pequeno texto ou uma, duas ou cinco estrelas. Automatizamos tanto essa tarefa que vale a pena parar e pensar.

Agora, pessoas, empresas e produtos obtêm seu valor com base
 nas curtidas e avaliações obtidas.

Avaliações, o caminho de ouro para status ou desastre

“Likes=status social”. A tirania do like e o delírio da hiperavaliação agora definem o que valemos. No momento, todos nós negociamos nessas trocas virtuais onde outros têm poder inegável sobre nós. E isso tem um preço inegável.

Como nos lembram alguns estudos, como os realizados na Universidade de Munique, o feedback recebido no Instagram, por exemplo, define o status social e condiciona nossa autoestima. Algo semelhante acontece com aquelas empresas e profissionais constantemente submetidos à avaliação dos clientes.

É claro que isso pode beneficiá-los e que, como clientes, também nos deixamos guiar pelas avaliações dos outros. Contudo, isso não impede de submetê-los também a algumas angústias. Uma avaliação ruim às vezes pode significar um desastre. Quase tudo no nosso quotidiano (como a leitura deste artigo) está sujeito a avaliação e nada escapa a esse escrutínio público, a partir dos critérios da grande massa.

A necessidade de que tudo seja recompensador e perfeito

Se há uma necessidade que as redes sociais e o delírio da hiperavaliação nos inocularam, é que tudo deve ser perfeito. Buscamos a experiência ideal. A pessoa ideal. O serviço dos sonhos.

Queremos que aquele café nos leve até a Piazza di Spagna em Roma, queremos que o travesseiro do hotel onde dormimos seja macio como cetim e que o táxi que pegamos tenha as rodas mais brilhantes. Só então daremos a esse serviço cinco estrelas e uma boa crítica.

A ideia de que tudo será avaliado quando a experiência terminar nos obriga a vivê-la através do filtro da análise e do julgamento. Quase nos esquecemos de viver sem ter que rotular o que sentimos, o que vemos e vivenciamos.

Além disso, essa tendência nos torna cada vez mais criaturas obcecadas em querer encontrar a perfeição em quase todas as situações. Algo que nos leva, mais cedo ou mais tarde, à frustração e insatisfação. Às vezes o café pode ser frio e amargo, mas o mundo não acaba por causa disso. A imperfeição faz parte da vida e isso também tem seu encanto.

A indústria do marketing nos fez acreditar que a felicidade está nas experiências “premium”, ou seja, naquilo que mais nos gratifica
 e beira a perfeição.

Devemos aprender que nem tudo precisa ser avaliado com notas. Limitar-se a ser e estar, sem avaliar, também está bem.

Devemos avaliar nosso mundo de mais maneiras (não apenas com 5 estrelas)

Não podemos negar que a prática das resenhas e avaliações faz parte de qualquer negócio. Além disso, elas servem como guias na hora de escolher um produto ou serviço. São úteis, sim. Porém, vale lembrar que não podemos ver o mundo exclusivamente do ponto de vista das avaliações, pois elas se transferem para múltiplos cenários e é perigoso.

Os adolescentes falam essa linguagem e constroem sua autoestima a partir dos likes e comentários que recebem nas redes sociais. O mercado das avaliações e o delírio de hiperavaliação acabam com a saúde mental dos mais jovens. Eles vivem naquele plano onde sua aparência e habilidades são objeto de constante escrutínio por seus pares.

Não levemos ao extremo a moda das notas ou criaremos uma sociedade falsa e mesquinha, voltada exclusivamente para o frio comércio de likes e avaliações. Devemos estabelecer limites, reaprendendo a apreciar nossas experiências de forma descontraída, sem a necessidade de julgamentos, sem o celular ao lado.









Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater





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