Obrigação de assistir à Globo


MANIPULAÇÃO


Kais Ismail*


Levei meus dois filhos pequenos para um passeio cultural: atravessar o Guaíba, de catamarã, uma vez que o caçula comentou que nunca havia andado de barco. Minha alegria foi por água abaixo quando embarcamos e nos deparamos com quatro telas imensas exibindo a programação da Globo, em volume alto. Era o Vídeo Show, e estavam a comentar sobre as brigas e baixarias de uma novela que é desapropriada para menores de 12 anos. O meu caçula tem quatro anos e não conseguiu tirar os olhos da tela, sem apreciar a beleza do rio e do passeio.

Devido ao incidente, pretendo lançar uma campanha (abaixo-assinado) e até procurar o Ministério Público para mudar essa prática nefasta, que acho ser possível e que venha a ter o apoio tanto do governo quanto da população.

Por que somos obrigados a assistir à TV Globo em repartições públicas?

Quem já não se indignou por ter sido obrigado a assistir à TV Globo enquanto aguardava o atendimento em alguma repartição pública?

Ter que aturar Ana Maria Braga dentro do prédio da Receita Federal, ou VALE “A PENA” VER DE NOVO em fila da Caixa Econômica Federal, ou Vídeo Show dentro de uma prefeitura, pode não ser ilegal, mas é imoral, pois pagamos A PENA por assistir a toda aquela chatice alienante.

De acordo com o art. 5, inc LXXIII da Constituição Federal, “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.

É IMORAL o benefício que o governo federal (ou estadual, ou municipal, que também se utilizam dessa prática) concede à Rede Globo pela exclusividade de exibição de seus programas em repartições públicas. A audiência que os governos garantem à Rede Globo é indecorosa e antidemocrática, pois deveriam, então, exibir todos os canais de televisão. São milhões de espectadores. Sem dúvida alguma, dezenas de milhões.

A desculpa esfarrapada para que 99% dos aparelhos das repartições públicas estejam automaticamente sintonizadas na TV Globo é “por causa do sinal”. Ora, isso não nos convence há mais de 10 anos; pois, com o avanço tecnológico do setor das comunicações, em geral, e, especificamente, com a internet, aquilo que ainda existe de melhor (ou menos pior) pode e deveria ser oferecido.

Nosso tempo é valioso, e, enquanto somos obrigados a ficar parados, esperando atendimento, deveríamos ser contemplados com coisas que nos compensem a perda de tempo de espera; ou seja, pagar A PENA pelo que “se deve”, assistindo a programas educativos e verdadeiramente informativos, adequados ao ambiente, e não sendo obrigado a acompanhar reprises de cenas de baixaria de uma novela, na qual duas mulheres se esbofeteiam e se ameaçam de morte.

Provavelmente você, leitor, já assistiu à TV Globo dentro de uma repartição pública, mas já imaginou que, em cada canto desse enorme Brasil, há uma repartição pública com aparelho(s) ligado(s), exibindo a programação da Globo? Eu suponho que a soma de todos os aparelhos de tevê que existem dentro de repartições públicas chega a milhões. É fácil supor essa quantidade, se imaginarmos todas as repartições públicas do Brasil. Em cada canto deste país há uma repartição pública com um televisor ligado exibindo programas da TV Globo. Seja numa delegacia de polícia ou num hospital.

Em relação ao atual índice de audiência da Globo, quanto, dessa fatia nacional, os aparelhos de repartições públicas, oferecidos pelos governos, representam no contexto? Pra quanto iria o índice de audiência da Globo se o governo fosse justo e cortasse esse privilégio concedido por não sei quem?

Eu quero levar ao conhecimento do Ministério Público e solicitar que tomem as devidas providências. Mas, provavelmente, também no Ministério Público deve haver uma sala de espera com uma tv ligada na Globo.

*Kais Ismail. Publicitário. Texto publicado originalmente no site Agência Assaz Atroz.

Postado no blog Contraponto em 22/07/2012

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Professores em greve: “tremenda falta de Educação”




Tremenda falta de Educação

Por Décio Luís Semensatto Jr.Denilson Soares CordeiroMárcia Aparecida JacominiMarian Ávila de Lima e Dias e Virgínia Junqueira — docentes da Universidade Federal de São Paulo

“Nenhum teste de sociedade justa é tão claro e decisivo como a sua propensão em tributar para desenvolver e sustentar um forte sistema educacional para todos os seus cidadãos.” [John K. Galbraith, A sociedade justa: uma perspectiva humana, p.83]

Todos os que trabalham e se interessam pela construção da universidade pública universal, gratuita e de qualidade sabem que vivemos hoje sob uma política de desqualificação sistemática da atividade docente proveniente, por um lado, da opção política de manter um superávit primário com vistas ao pagamento dos juros da dívida pública e, por outro, da incompetência administrativa do governo para com os assuntos da educação.
Desde 2011, foram feitas insistentes propostas ao Ministério da Educação de revisão do plano de carreira dos docentes das Universidades Públicas Federais, de exigências de cumprimentos dos acordos e prazos para realização de obras de infraestrutura e de constituição de equipes de estudos e discussão para consolidar com qualidade  a expansão do ensino superior federal.

Todas as propostas foram invariavelmente desprezadas pelo governo, o que nos levou a instaurar, democraticamente, o processo de deflagração da greve nacional como meio de sensibilização e envolvimento de todos diante de tão emergencial situação. E, como vemos, a adesão é quase total: 56 das 59 universidades federais estão em greve. Docentes, estudantes e técnico administrativos já formam comitês unificados de reivindicação em quase todos os estados do Brasil. Para nós, a greve além de legítimo instrumento de mobilização e reivindicação, é importante ocasião de educação política, de organização das categorias envolvidas no trabalho universitário e de constituição de reflexão crítica coletiva sobre as relações entre educação, sociedade e políticas de Estado.

A greve representa hoje um regime de exceção dentro de outro. É, por isso, uma oportunidade para compreender a conformação que resulta na atual política educacional. A excepcionalidade que a greve instaura permite modificar o ponto de vista a partir do qual nos vemos em permanente atrelamento durante a vigência da chamada “normalidade”. Essa espécie de abalo permite que se ofereçam as condições para pensar de outro modo o curso dos acontecimentos, inclusive as forças que os determinam e as que resultam em consequências. E disso sobressai, inclusive, os sentidos políticos que erigem como “natural” o que na verdade é “escolha”, portanto, construção interessada e orientada por preferências e decisões, dentre outras, de natureza política.

Nosso problema (de todos) tem sido que essa construção do real se pauta por e se caracteriza como um estado de exceção permanente, e se constitui como o paradigma dominante para os governos na política contemporânea. Que outro motivo seria tão determinante do desrespeito sistemático dos direitos humanos em tão variadas e amplas esferas? Que outra razão explicaria que os seres humanos (quando não considerados como meros consumidores) têm se tornado um estorvo em muitos projetos, sejam mercantis, científicos ou políticos?

É disso que se está falando quando se torna “natural” passar a responsabilidade total pela carreira dos docentes, por exemplo, ao departamento financeiro da União. É disso que se trata quando vamos nos acostumando com a precariedade como dado “normal” na Educação brasileira. É contra isso que nos manifestamos quando mudamos o rumo dos acontecimentos instaurando um processo democrático, social e político de reflexão sobre uma ordem que gera incessantemente descalabros e aprofunda cada vez mais o que de pior se produziu em matéria de política e de educação na história.

A circunstância que deixa pessoalmente muitos docentes indignados, seja pela carência ou inexistência de suas bibliotecas, de seus laboratórios, de suas salas de aula, das instalações, enfim, de seus campi constitui-se como um momento no sistema conjunto de uma cultura que desqualifica toda a Educação e, em particular, todo o trabalho docente, cultura na qual, segundo Adorno, “o professor se converte lenta, mas inexoravelmente, em vendedor de conhecimentos, despertando até compaixão por não conseguir aproveitar melhor seus conhecimentos em benefício de sua situação material.”

No entanto, isso deve servir para que cada um, individualmente, compreenda que para além das mazelas imediatas que nos cercam há questões de fundo a determinarem todas essas precariedades, e a ocasião da greve representa o momento oportuno de enxergamos um pouco mais adiante no sentido dessa radicalidade que poderá, se nos mantivermos unidos, constituir uma experiência engrandecedora de luta coletiva e um verdadeiro e inédito avanço das forças educacionais na ainda triste história deste país.

Nosso apelo, por isso, é no sentido de união, tanto dos docentes quanto de estudantes e técnicos administrativos, de ampliação e aprofundamento do debate, de estudo das propostas e das alternativas, de esclarecimento dos eixos de reivindicação e da consolidação dos canais que têm permitido a formação de uma atmosfera intelectual crítica de atenção para com os meandros decisórios que resultam nas políticas de Estado para a educação e para a universidade no Brasil.

Postado no blog Escrevinhador em 23/07/2012


Dias de chuva




Gosto dos dias de chuva...
Do cheiro da terra
Quando deságuam as primeiras nuvens...
Da dança das goteiras
Quando ultrapassam os beirais da casa.
Gosto das lembranças dos dias de chuva...
De correr de pés descalços na enxurrada,
Fechava os olhos sorrindo quando ouvia os trovões.
Depois, arremessava pedrinhas nas poças d’água
E inventava uma cachoeira...
Gosto dos dias de chuva...
Caindo mansa sobre o telhado
Como quem baila uma canção de amor.

(Sirlei L. Passolongo)


Postado no blog Cantinho da Margarida

Sorrir faz bem !








Isto é o Brasil !







Governo e mídia atacam grevistas




Por Altamiro Borges

O governo Dilma até parece que segue as orientações da mídia privada para endurecer no trato com os servidores em greve – nas universidades federais há mais de dois meses; em outras repartições públicas, há um mês. Nesta semana, o Palácio do Planalto adiou novamente a apresentação de uma proposta de reajuste salarial para o funcionalismo. Esta postura arrogante irritou ainda mais os cerca de 10 mil de grevistas que realizaram um tenso protesto na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, na quarta-feira (18).

A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, responsável pelas negociações, é uma das mais inflexíveis no trato. “O governo continua protelando, sem proposta, engessa a discussão e provoca tensionamento”, critica Pedro Armengol, coordenador do setor público da CUT. Sérgio Ronaldo, dirigente da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), também condena a falta de sensibilidade. “Estamos cansados de participar de reunião para ouvir a mesma coisa, sem proposta. Isso leva a um conflito”.

Novo protesto das centrais

Na prática, o governo enrola nas negociações e aposta no esvaziamento da greve. O Palácio do Planalto avalia que a decisão de cortar o ponto dos grevistas e a ameaça de acionar a Justiça contra a legalidade do movimento resultarão no retorno ao trabalho. Até agora, porém, a paralisação tem crescido em vários ministérios e órgãos federais e mantém a força nas universidades. Como decorrência, aumenta o desgaste político da presidenta Dilma. Até os tucanos tem se aproveitado oportunisticamente da greve.

Um novo protesto unitário já foi marcado pela CUT, CTB e Conlutas para 2 de agosto. As centrais não aceitam a desculpa da falta de verba para atender as reivindicações do funcionalismo. “O governo não negocia e alega que não há recursos, mas direciona a maior parte do PIB [Produto Interno Bruto] para os banqueiros, com o pagamento dos juros das dívidas, e para as indústrias, por meio da isenção de impostos, entre outros benefícios", critica José Maria de Almeida, dirigente da CSP-Conlutas.

O discurso anti-sindical da mídia

Enquanto se isola entre os servidores, a presidenta Dilma recebe os aplausos da mídia privada. Em editorial, o Estadão aconselhou o governo a não “perder o controle da situação”. “Ao exigir do governo aumentos financeiramente insuportáveis em quaisquer situações, mas especialmente agora, em razão da notória desaceleração da economia provocada pela crise mundial, os servidores em greve tentam impor custos adicionais aos contribuintes empregando a força da paralisação de serviços públicos”.

No mesmo rumo, o jornal O Globo, também em editorial nesta semana, elogiou a postura firme da presidenta, que “enfrenta as corporações sindicais atuantes no funcionalismo... Acostumadas às benesses obtidas na gestão Lula, categorias de servidores querem continuar a avançar sobre o Orçamento. Não é apenas inapropriada a conjuntura econômica para fazer um emparedamento sindical do Planalto. Também os números frios das folhas de salários não o justificam”.

A maldição do superávit primário

Para a famiglia Marinho, as greves no funcionalismo apresentam reivindicações “irreais” e põem em risco o “equilíbrio fiscal”, já fragilizado “devido ao choque em várias despesas (Previdências, linhas assistencialistas) causado pelo grande aumento do salário mínimo... Se o governo fraquejar diante da pressão sindical, o quadro ficará mais grave”. Ou seja: mídia e governo atacam as greves contra o arrocho com o único objetivo de preservar a maldição do superávit primário, a reserva de caixa dos banqueiros.

Postado no Blog do Miro em 22/07/2012
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Um relógio assustador


por Richard Jakubaszko




Um relógio que marca absolutamente tudo, mundo afora. Projeta a população planetária total, minuto a minuto, mortes, nascimentos, espécies animais extintas, carros fabricados, número de suicídios, e muito mais. Vale a pena conferir.
Veja aqui o tal relógio...








TIM, OI, Claro e o crime das teles




Por Altamiro Borges

Finalmente, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) decidiu tomar vergonha na cara e punir as poderosas empresas do setor. Acuada pelo vendaval de queixas dos clientes, ela resolveu suspender as vendas de linhas telefônicas da TIM, Oi e Claro em todo o país. A medida vale a partir da próxima segunda-feira e as empresas terão um prazo de 30 dias para apresentar planos de melhoria na qualidade dos serviços. A decisão foi considerada “exagerada” pelas teles, mas agradou milhões de usuários.

A empresa que não cumprir a decisão será multada em R$ 200 mil ao dia. Para voltar a vender seus chips, as três teles, que juntas controlam 70% do mercado, terão que apresentar um plano de ajuste para sanar problemas de atendimento ao consumidor e de qualidade. É a primeira vez que a Anatel adota uma medida mais dura contra estas corporações. A mais atingida é a italiana TIM, proibida de vender seu chip em 18 estados. A decisão fez as ações das três empresas despencarem na Bolsa de Valores.


A gritaria do “deus mercado”

O caos na telefonia chegou a níveis insustentáveis. O próprio ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, sempre tão conciliador com as teles, perdeu a paciência. “Estavam nos procurando até na rua para reclamar dos serviços”, afirmou. “Tem hora que não dá. Não podemos ficar numa posição completamente indefensável”, alegou. Já o presidente da Anatel, João Rezende, justificou que “a medida é extrema”, mas era inevitável. Ele criticou a redução dos investimentos das empresas, a maioria de multinacionais.

Diante da inédita decisão, a gritaria do “deus-mercado” já começou. Até a embaixada da Itália teria procurado o Itamaraty para reclamar dos prejuízos da TIM. Já as teles estão em pé de guerra. Elas anunciaram que tomaram medidas jurídicas para reverter a decisão, que consideram “exagerada” e “desproporcional”. Neste esforço, as teles contam com a ajudinha de alguns “calunistas” da mídia, que insinuam que a medida é “demagógica”, “eleitoreira”.

Mídia pregou a privatização do setor

Eliane Cantanhêde, a da “massa cheirosa” do PSDB, escreveu: “Depois de combater os juros altos, usar o Dia do Trabalho para atacar a ‘lógica perversa’ dos bancos, suspender (via ANS) 268 planos de saúde e 37 operadoras, agora é a vez de Dilma guerrear com as companhias de telefones celulares... Como a ‘faxina’ já deu o que tinha de dar, a economia não é nenhuma vitrine e PIB até virou bobagem, o marqueteiro João Santana deve ter tido uma boa sacada. Dilma agora é ‘a vingadora dos consumidores'”.

Mesmo criticando as teles, até para não se indispor com milhões de usuários, a mídia privada vende a ideia de que o governo é o único culpado pelo caos na telefonia. Ela fez campanha aberta pela privatização do setor. Alguns impérios midiáticos, em especial a Rede Globo, até nutriram o sonho de abocanhar pedaços da telefonia – mas foram atropelados pela “jamanta” das teles. Agora, diante da degradação dos serviços e da revolta dos usuários, eles culpam o governo e tentam limpar a barra dos seus ricos anunciantes.

Anatel tenta apagar o incêndio

De fato, o governo errou muito no setor. Mas foi ao não ter tomado medidas mais duras no passado. Como aponta Flávia Lefèvre, da associação de defesa do consumidor ProTeste, a degradação dos serviços é notória e decorre de dois fatores. “Um deles é a inércia de anos do Ministério das Comunicações em promover a revisão do marco regulatório das telecomunicações... O outro fator é a resistência do governo em cumprir o que determina a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), no sentido de que os serviços essenciais devem ser prestados obrigatoriamente no regime público, mesmo que concomitante com o regime privado”.

Para ela, as poderosas teles se aproveitaram do vazio normativo e da omissão da Anatel para degradar os serviços, implantando as suas infraestruturas “exclusivamente com a lógica do lucro”. Esta visão privatista aumentou a concentração no setor. “Esses grupos econômicos, que desfrutam de vantagens como a cobrança abusiva da assinatura básica e de valores astronômicos pelo uso das redes móveis e que gozam da fiscalização insuficiente pela agência, são também os que desrespeitam historicamente o consumidor. Depois de tanto desmando, resta agora à Anatel apagar o incêndio, que poderia ter sido evitado”.

Antes tarde do que nunca! Espera-se que o governo não recue mais uma vez diante do poderio das teles e da gritaria da mídia!

Postado no Blog do Miro em 20/07/2012

Em defesa das cotas “raciais” e contra os lacerdinhas



Por Juremir Machado da Silva
Não se pode fugir do passado. Assim como não é correto tapar o sol com a peneira em relação aos crimes da ditadura de 1964, não haveria como negar para sempre a dívida com os negros produzida pelos séculos de escravidão. Toda fortuna de mais de quatro gerações deve aos escravos. Num país capitalista democrático a educação é o caminho para acertar contas com o que ficou para trás. Ou se tem educação gratuita para todo mundo (França e outros países europeus) ou se tem educação gratuita para os mais carentes. O sistema universitário público brasileiro fez o contrário durante muito tempo: garantiu educação superior gratuita para os mais ricos. Especialmente nos cursos mais procurados como medicina.
É simples assim: costuma chegar primeiro quem sai primeiro.
O modelo do mérito, os melhores entram e não pagam, é um sistema de hierarquia social, um modo de reprodução da desigualdade, uma maneira de manter privilégios. Quando não há igualdade de preparação no ponto de partida, não há condições equivalentes de competição no ponto de ingresso, o vestibular. Sou totalmente favorável às cotas. Sempre há exceções: o menino pobre que supera todas as barreiras e conquista uma vaga improvável. O que é interessa é a média. A universidade pública gratuita para os mais ricos, por serem os “melhores”, é uma perversão, um efeito perverso da meritocracia.
Só tem uma maneira legítima de não precisar de cotas: bancar vagas gratuitas para todos os que atingirem determinada média. O resto é enrolação. Só que útil para alguns.
Até a controvérsia entre cotas sociais e cotas raciais é conversa fiada, coisa de quem quer tergiversar. Os negros, entre os pobres, são mais prejudicados que os brancos.
A elite branca, acostumada a ficar com as mais cobiçadas vagas das universidades públicas, com base nesse sistema de reprodução da desigualdades pelas diferenças sociais, econômicas e históricas de preparação, continua esperneando. Não é absurdo se propor um aumento das vagas destinadas às cotas. Enquanto o passivo persistir, será preciso enfrentá-lo com medidas fortes. Sem cotas, o acesso de certos grupos às universidades públicas brasileiras permaneceria o mesmo pelos próximos 500 anos.
É claro que os lacerdinhas, ideólogos da meritocracia com método pretensamente neutro e universal, vão continuar berrando. A meritocracia é um dispositivo de dominação baseado numa mentira: a igualdade de oportunidades. Vou repetir: não é porque todos respondem questão iguais, na mesma sala e na mesma hora, que há paridade no jogo. Essa é a ilusão da banca, o engano calculado para vender uma neutralidade falsa.
As cotas são um contraveneno contra o veneno da meritocracia estimulada como esporte de combate. A meritocracia transforma os derrotados em incompetentes ou preguiçosos. Grande parte simplesmente não pode treinar. Ainda existem aqueles que defendem a formação de elites, um ensino de elite, e lamentam a massificação do ensino superior. São ganidos de lacerdinhas inconformados com os novos tempos, uivos em defesa de uma época em decomposição, réquiens por um sistema de hierarquia social a caminho de tornar-se defunto. Os donos do poder, contudo, não morrem de boca fechada. Abrem o berreiro. Soltam o verbo, clamam por objetividade. Ai, ai, ai…
Raças não existem, o que existe é preconceito de cor.
Esse preconceito ganhou, ao longo do tempo, uma legitimação “racial”.
Aos se falar em cotas “raciais” se está, na verdade, defendendo uma compensação aos que, pela cor, foram prejudicados em nome de um preconceito dito racial.
A questão não é só de escola pública ou de pobreza, é de cor mesmo.
Há um lastro de pobreza intensa e falta de oportunidades derivado da cor.
Basta espiar os dados do IBGE para se ter certeza disso.
Tem muita gente querendo confundir as coisas.
É pura estratégia, jogada, malandragem.
Mérito é ganhar um jogo em que os competidores têm equivalência de preparação.
Meritocracia é ganhar um jogo em que só um dos competidores, favorecido no ponto de partida, pôde realmente se preparar. É, como se diz, jogo jogado.
Salvo quando dá zebra.
O mundo não é simples.
Tem sido simplificado.
Complexificar demais pode ser uma maneira de complicar e esconder as simplificações.
As cotas acarretam distorções.
O sistema, sem elas, é pura distorção.
A universidade pública branca gaúcha ainda não é suficientemente colorida.
O argumento em favor das cotas sociais, não raciais, é falacioso: por que os pobres poderiam receber uma compensação pelos prejuízos sofridos na competição e os negros ou índios, por terem sido prejudicados como negros ou índios, não?
A compensação pode se dar em relação a qualquer elemento historicamente comprovado como fato de discriminação, preconceito e prejuízo nas condições de disputa.
A cor, no Brasil, tem sido fator histórico de agravamento da pobreza e de prejuízo na competição pela ascensão social e por acesso a espaço de disputa.
Há um efeito inercial nos obstáculos impostos à cor.
A escravidão gerou um passivo que se disseminou, sob novas formas, ao longo do tempo, assumindo a característica de pobreza, embora sendo uma pobreza plus.
É puro sofisma dizer que negros pobres querem privilégios.
As cotas enfrentam privilégios dissimulados, ardilosos, permanentes.
A defesa das cotas unicamente sociais é uma artimanha predominantemente branca para não assumir o racismo ainda existente e não admitir a dívida histórica com negros e índios.
É uma negação parcial de culpa.
A universidade pública gaúcha pode mais.
Vai dar.
Para desespero dos lacerdinhas.

Postado no blog Juremir Machado da Silva em 21/07/2012 
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