A morte de Nelson Mandela, que foi e continuará sendo um exemplo histórico da tolerância e do perdão, ao mesmo tempo em que preocupa o seu povo, nos remete aqui no Brasil a uma profunda reflexão acerca da distensão nas discussões políticas recrudescidas com as recentes conquistas eleitorais das forças progressistas brasileiras, pois que esse grande líder foi um dissipador fundamental das tensões que resultaram no fim da política oficial de segregação dos negros na África do Sul, papel exercido aqui, guardadas as devidas proporções, pelo presidente Lula na luta pela inclusão dos mais pobres.
E foi com aumento dessas vitórias das esquerdas democráticas, desde a primeira eleição do próprio presidente Lula, que começaram a brotar também um ódio estranho e irascível e que tem sido disseminado largamente por meio dos setores mais conservadores e radicais da mídia brasileira. Setores que teimam em não se conformar com os avanços dos pobres sobre nichos de mercado que antes, pensavam, seriam cativos dos mais abastados e daqueles sempre favorecidos pelo Estado privatizado. Para esses ainda é insuportável sentar-se ao lado do garçom em férias na ponte aérea Rio-São Paulo.
É muito triste ver amigos quase irmãos - antes pessoas articuladas e ponderadas, comprometidas com o bem estar social - destilando um ódio que não parecia lhes pertencer. Transfiguraram-se. Não discordam mais racionalmente, apenas rosnam grosserias, compartilham impropérios nas redes sociais e em comentários anônimos por meio de sítios de notícia e blogs dos mais variados. Não são muitos, mas os que vagam incólumes como zumbis virtuais são tão presentes e agressivos que é até saudável ignorá-los, muitas vezes.
Quando médicos e profissionais da saúde voltam a comemorar mortes e a deturpar laudos; advogados e operadores do direito retomam as rotinas dos subterfúgios condenatórios e do açoitamento dos direitos e garantias individuais, devemos redobrar as nossas atenções, pois alguma coisa não vai bem.
Quando grupos radicalizados deixam de tentar construir e não apresentam mais propostas ou alternativas, apenas almejam desconstituir, destruir inimigos engendrados em seus imaginários pela grande mídia monopolizada, oligopolista e oligarquizada (Globo, Folha, Estadão, Veja, etc.), algo precisa mudar.
O incrível é que esses grupos não defendem um lado, apenas entrincheiram-se e atacam cegamente o outro, como se quisessem criar alguma coisa do vazio gerado pela simples destruição. Esquecem que não existe transformação gerada no vácuo do total aniquilamento. Mal percebem que desse nada aparecerão àqueles que estavam presentes apenas nas mensagens subliminares implantadas a fórceps, por essa mesma velha mídia, no córtex pré-frontal de cada um desses incautos.
Parecem esquecer também que transformações sociais, políticas e econômicas devem se dar em ambiente de debate livre, democrático e plural, no devir da dialética e do inexorável caminhar do processo histórico transformador.
Ora, se almejam mudanças, apontem os defeitos e as mazelas daqueles dos quais discordam, mas não sem antes mostrar o caminho que pretendem seguir, apontando quais seriam as suas melhores soluções e opções, com coragem, mostrando suas identidades, suas cores politicas e partidárias, defendendo suas posições ideológicas com clareza, sem escamoteá-las.
Devemos discutir soluções apenas no amplo e profícuo espaço erigido pela constituição de 1988 e, nesse passo, a nossa participação é fundamental, principalmente nas discussões eleitorais, e o único ambiente que vislumbro podemos encontrar alguma pluralidade no arranjo das forças de disseminação de informação com um mínimo de isenção é na internet, na blogosfera, pois que, repiso, a grande e velha mídia há muito se partidarizou e escolheu o seu lado, escamoteada e sorrateiramente, sem se constranger nem um pouco por isso.
Lembrando que ser isento não significa não ter um lado, pois isso é quase impossível, isenção significa apenas e tão somente a ausência de interesses não republicanos. E por falar em isenção, pergunta-se: nesses 12 anos de governo progressista no Brasil, quantos grandes impérios econômicos ou de comunicação foram erigidos contando com nomes dos atuais lideres das esquerdas democráticas, sob os auspícios e por meio dos enormes poderes conquistados por Lula e Dilma? Eu repondo, nenhum. Muitos deles são lideres eleitos pelo povo, com seus defeitos (pelos quais alguns estão pagando muito mais caro do que deviam) e qualidades, mas escolhidos pela velha grande mídia como inimigos do grande capital, daí o quase linchamento.
E só os tolos (Trolls, Orcs e Ogros) não enxergam isso. E são esses mesmos tolos que desconhecem ou fingem desconhecer que os grandes impérios de comunicações (Globo, Folha, Estadão, Veja, etc.) floresceram exatamente à sombra do Estado ditatorial à que eles mesmos ajudaram a criar, por puro interesse privado, "enquanto dormia a pátria mãe tão distraída".
Mas, infelizmente, também é nesse ambiente virtual que ora exalto - que deveria ser o difusor maior das boas práticas, a caixa de ressonância dos bons debates, a nova praça de encontro das ideias e dos ideais -, que assistimos cães raivosos babando, grunhindo e balbuciando impropérios com o destemor dos bárbaros, a volúpia dos fariseus diante do julgamento de Cristo, anônimos em sua grande maioria.
O anonimato na internet tem lá sua importância, desde que não seja apenas para destilar um veneno sem sentido, pois o anonimato pode, por exemplo, incentivar àquele que detêm certo tipo de informação – que pode ser útil para uma determinada investigação – a disseminá-la, ao sentir-se mais confortável e em segurança para isso, por não achar que não será identificado pelo infrator que lhe parecer ameaçador. Mas esse anonimato, por óbvio, não pode ser utilizado em infringência à lei.
Aos anônimos. Não gostavam do Lula? Então, criticá-lo é importante para o debate, mas digam também quais seriam as suas alternativas? Não gostam da Dilma? Então, tentar destituí-la por meio dos instrumentos constitucionais é legitimo, mas digam também em favor de quem vocês a preteririam? Declarem suas opções sem esconderem-se por detrás apenas das críticas.
A filiação partidária para alterar os rumos das práticas políticas é um caminho, importante caminho, o engajamento social e político não partidário é outro. Mas não me parece ser uma boa alternativa democrática a crítica pela crítica, o ato de criticar e lavar as mãos, como Pilatos. É desonesto, no mínimo, antirrepublicano.
E no espaço democrático em que vivemos hoje no Brasil, nem cabe mais desperdiçarmos nosso tempo com quem acha, por exemplo, que os militares devem voltar. E também não escrevo para quem vota nulo ou acha que nenhum político é digno de seu respeito ou do seu escrutínio, pois, esses que assim pensam e agem, merecem bem os governos que criticam e, muito provavelmente, não suportaram nem mesmo o primeiro parágrafo.
É lamentável que ainda tenhamos esses ignóbeis nesse nosso modernoso tempo, principalmente os anônimos, que se reúnem nessas novas alamedas virtuais, alguns encapuzados, como se reuniam os antigos carrascos em torno dos pelourinhos, uivando palavras de ordem em momentos da execução de condenações dadas por Capitães-do-Mato: Chicoteiem! Enforquem! Esquartejem! Crucifiquem! Depois disso, saciados da carnificina, recolocam suas peles de cordeiro, voltam a compartilhar mensagens cheias de amor e carinho, repletas de coraçõezinhos, e vão passear no Shopping, como se nada tivesse acontecido.
Não existem soluções mágicas, não existem salvadores da pátria, o que devemos fazer é escolher o melhor, republicanamente, para àquele determinado momento, sabendo que o melhor, muito provavelmente, não é e nem será o perfeito.
O perdão é o habeas corpus impetrado em favor de nossas almas, a tolerância é o banho refrescante nas águas purificadas pela humildade, mas que ainda são virtudes de poucos como Mandela.
Mas fica aqui a minha torcida para que nos alcancem, e até mais do que isso, tenham acompanhado Dilma e os quatro ex-presidentes (Collor, Sarney, FHC e Lula) no voo rumo à terra de Madiba, e que retornem de lá com renovadas forças, como sementes abençoadas pelo grande líder negro a semear nosso fértil chão, de maneira a confirmar nossa vocação de grande nação livre, plural e democrática.