E eis que José Trajano, da ESPN Brasil, viralizou.
Um vídeo em que ele cita quatro colunistas que instigam ódio circula freneticamente pela internet nestes dias.
Ele enxergou, com razão, uma relação espiritual entre os que xingaram Dilma no estádio e os colunistas que mencionou.
Trajano falou de Demetrio Magnolli, Augusto Nunes, Mainardi e Reinaldo Azevedo, mas poderia falar de muitos outros.
Outro dia li uma expressão do Nobel de Economia Paul Krugman e pensei exatamente no tipo de jornalista da pequena lista de Trajano.
São os “sicários da plutocracia”. São pagos, às vezes muito bem pagos, apenas para defender os interesses de seus patrões.
Os Marinhos, ou os Frias, ou os Civitas, ou os Mesquitas, não podem, eles mesmos, assinar artigos em defesa de suas próprias causas. Então contratam pessoas como as de que Trajano trata.
Muitos leitores, em sua ingenuidade desumana, vêem alguma coragem nos “sicários da plutocracia”.
É o oposto. Ao se alinhar aos poderosos – aqueles que fizeram o Brasil ser um dos campeões mundiais da desigualdade – eles têm toda a proteção que o dinheiro é capaz de oferecer.
Não correm risco de ficar sem emprego, por exemplo. Podem cometer erros grosseiros de avaliação, de prognóstico, de estilo, do que for.
Mesmo assim, estarão seguros porque cumprem o papel de voz dos que podem muito.
Vi em Trajano um desabafo, uma explosão, e entendo por duas razões.
Primeiro, Trajano sempre foi explosivo, temperamental. É um traço seu desde sempre, bem como a paixão pelo Ameriquinha.
Depois, Trajano ecoou um sentimento que representa o espírito do tempo.
Há um cansaço generalizado, uma irritação crescente com os “sicários da plutocracia”. Não apenas pela soberba vazia, pela arrogância de quem sabe que terá microfone em qualquer circunstância, não apenas pela vilania constante.
Mas pela compreensão de que eles representam um obstáculo brutal ao avanço social brasileiro.
Eles estão na linha de frente da resistência a um Brasil menos desigual.
Eles surgem em circunstâncias especiais. Seu papel é minar, perante a opinião pública, administrações populares.
O maior da espécie, Carlos Lacerda, se notabilizou ao levar GV ao suicídio e Jango à deposição.
Eles sumiram nas décadas que se seguiram ao Golpe de 64, por serem desnecessários. O Estado – com os incríveis privilégios e mamatas à base de dinheiro público — estava ocupado pela plutocracia. Já não tinham serventia.
Voltaram quando Lula ganhou, a despeito de todas as concessões petistas fixadas na Carta aos Brasileiros.
Voltaram com o PT, assim como voltariam com qualquer outros partido que representasse ameaça às vantagens de séculos, como livre acesso aos cofres do BNDES e outras coisas do gênero.
Neste sentido, é bom entender que não é algo contra o PT e sim contra o risco, real ou imaginário, do fim das regalias.
Você pode identificar claramente o processo de retorno dos sicários.
O primeiro deles foi Diogo Mainardi, na Veja. Logo depois, também na Veja, mas na internet, apareceu Reinaldo Azevedo.
Não eram conhecidos na elite dos jornalistas, mas ganharam um espaço privilegiado porque se dispuseram a fazer a propaganda, disfarçada de jornalismo, das causas de quem quer que o Brasil continue do jeito que sempre foi.
Aos poucos foram chegando outros, e hoje são muitos.
É um processo curioso: quanto menos votos têm os representantes da plutocracia, mais colunistas da direita vão aparecendo. É como se houvesse a esperança de, uma hora, aparecer um novo Lacerda e resolver o problema.
Mas a sociedade brasileira está cansada de tanta desigualdade, e é difícil acreditar que as lorotas dos sicários vão ter algum resultado parecido com o que houve em 54 ou 64.
O Brasil merece ser uma sociedade nórdica, escandinava, em que ninguém seja melhor ou pior que ninguém por causa do dinheiro, e na qual não haja os abismos de opulência e de miséria.
Os sicários aos quais Trajano se referiu simbolizam o oposto de tudo que escrevi acima.
Desta vez, ao contrário de 54 e 64, não triunfarão – até porque a internet deu voz a quem não tinha e retirou a exclusividade monopolística e predadora dos que favelizaram o Brasil enquando acumulavam fortunas extraordinárias.
*Paulo Nogueira é jornalista.