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Tecnologia de passividade e submissão





Sergio da Motta e Albuquerque*

O New York Times (27/11) publicou um artigo de opinião que já traz uma pequena, mas importante, reflexão sobre o ano de 2013, as novas tecnologias digitais e o uso muitas vezes irrefletido que fazemos delas. O que elas oferecem aos usuários e a que custo é a questão que incomoda o autor – o cientista da computação, compositor e autor Jaron Lanier.

O estudioso acredita que 2013 será lembrado como um ano muito ruim para o universo digital, “apesar dos avanços maravilhosos que aconteceram”:

“Foi o ano no qual tablets tornaram-se ubíquos e gadgets avançados – como impressoras 3D e interfaces ‘vestíveis’ (como os óculos de realidade aumentada) – emergiram como fenômenos pop; todos muito divertidos. Nossos gadgets alargaram o acesso ao nosso mundo. Nós agora podemos regularmente nos comunicar com gente que não estaria disponível antes da era da navegação em rede. Podemos encontrar informação sobre quase tudo a qualquer tempo.”

Isso seria suficiente para compor um grande ano, se não fosse o fato de os gadgets que irrefletidamente usamos estarem sendo empregados para nos espionar. O alerta dado por Edward J. Snowden, o ex-espião “terceirizado” da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, deixa bem claro que estamos sendo “dissecados” de modo sistemático, em vez de “dissecar” o mundo que nos rodeia. Estamos rodeados e apaixonados por geringonças digitais que nos vigiam e atentam contra nossos direitos e liberdades.

Lanier gostaria de separar os dois fenômenos que ele considera os mais importantes no mundo digital em 2013: o alarme de Snowden sobre a espionagem digital e o lançamento de novos aparelhos digitais idolatrados por legiões de consumidores. Mas isso não é possível dada à íntima e vergonhosa associação entre os dois: assumimos nosso amor por pequenas maravilhas digitais que bisbilhotam nossas vidas para muitas vezes informar remotas organizações que não conhecemos. Colocamos a segurança de nossos dados a serviço dos interesses das grandes corporações digitais sem maiores considerações ou cuidados.

Objetos mágicos

Em 2013, os usuários das tecnologias digitais acabaram numa posição incômoda. Estamos encurralados, de acordo com Lanier, graças ao uso que fazemos da pequena mídia: smartphones e tablets são espiões móveis. Ostablets reforçam as estruturas de poder na sociedade porque, ao contrário dos velhos PCs, “rodam apenas programas e aplicativos aprovados por uma autoridade comercial central”, explicou o cientista. Que disse mais: “Você controla os dados no seu PC, enquanto dados armazenados em tablets são frequentemente controlados por outra pessoa”.

O autor também comentou o conceito apressado e equivocado de Steve Jobs sobre o PC, que ele via ultimamente como uma ferramenta a mais do trabalhador comum, mais do que uma novidade alvo do consumo das classes móveis e sofisticadas. Jobs estava certo apenas em parte. Como o bom comerciante que foi, Jobs vendia o iPhone e o iPad como novidades relevantes e inovadoras. Interessava à Apple a expansão das pequenas mídias móveis entre o mercado de maior poder aquisitivo. E muito. A expansão da mídia móvel salvou a Apple da incerteza gerada pela perda do mercado dos computadores pessoais para os clones genéricos de arquitetura aberta e deu a ela um caminho para expandir-se pelo mundo.

A segurança (mesmo que limitada) dos computadores foi abandonada em favor das pequenas mídias espiãs. O resultado, na realidade prática, foi bem diferente do que Jobs esperava: consumidores ricos acabaram por trocar “influência e autodeterminação por lazer e status”. Abandonaram PCs e laptops por tablets e maravilhas digitais portáteis que são levadas a todos os lugares e informam tudo o que armazenam a centrais de controle comerciais ou governamentais. Mas têm um excelente design e acabaram no caldeirão contemporâneo do consumo irracional. São objetos mágicos que mostram ao mundo tudo o que a gente abastada e exibida acumulou em suas vidas.

Restrição da liberdade

Esta é uma grande verdade presente nas redes sociais: a exibição e exaltação do consumo de bens produzidos para as elites são lugar comum no Facebook. Fotos de mansões, viagens caras, carros e outros símbolos de opulência são rotineiramente postados, em uma celebração desavergonhada do hiperconsumo das elites nos países emergentes carregados de discrepâncias sociais como o Brasil. Uma imagem bem distante da generosa concepção dos pioneiros da web, que viram nela a possibilidade de produzir “ferramentas para alavancar a inteligência humana para maiores realizações e conquistas”. Doce sonho desfeito pela ganância dos homens.

É difícil explicar por que cedemos tão facilmente dados importantes de nossas vidas. Ou porque temos a necessidade de expor tanto de nós mesmos em rede. Também é tarefa árdua descobrir quem é responsável pelo que o autor chamou de “passividade digital”. A coisa ainda fica mais difícil com a ascensão da “economia da vigilância”. Lanier diz que “os consumidores não só priorizaram o estrelismo e a preguiça; nós também concordamos em sermos espionados o tempo todo”.

As duas principais tendências de 2013 apontadas por ele – os novos gadgets e o grito de Snowden contra a espionagem subcontratada do governo americano – reduzem-se a uma só, segundo o autor: a restrição da liberdade. Não é muito difícil fazer um usuário padrão abrir mão de seu direito à privacidade de seus dados. “O único jeito para convencer pessoas a aceitar voluntariamente a perda da liberdade é fazer com que tudo pareça com um grande negócio”, ensinou o cientista.

Dados como moeda de troca

E as redes oferecem toda uma gama de serviços ao internauta que, no fim das contas, acaba convencido que tudo não passou de uma grande barganha onde ele, o usuário, saiu ganhador. Muita gente tem dificuldade de perceber o perigo da exposição de dados pessoais na web. “Qual o problema?”, interrogam-se alguns. Ou então: “Não tenho nada a esconder. Não faz diferença”, dizem outros, incautos. Esta é uma ilusão perigosa. Tudo o que as grandes empresas digitais oferecem não é gratuito: em troca do que proporcionam, elas querem nada mais nada menos que a nossa liberdade:

“Ser livre é possuir uma zona privada na qual você pode estar a sós com seus pensamentos e experimentos. Que é onde você se diferencia e aumenta seu valor pessoal. Quando você carrega um smartphone com GPS e câmera e constantemente transmite dados a um computador controlado por uma corporação paga por anunciantes para manipulá-lo, você é menos livre. Você não apenas está beneficiando a corporação e os anunciantes, você está também aceitando um assalto à sua livre determinação, bit por bit.”

Isso pode soar radical demais, mas não é. Para uma megaplataforma digital da web, como Google, Facebook e outras, nós, que nos consideramos usuários, na realidade somos o produto que elas vendem. Nossas representações e perfis digitais estão à venda. Os usuários de fato são os anunciantes e as marcas que trazem lucros para elas. Nossos dados são vendidos ou usados como moeda de troca. A reportagem da redação do site Canaltech (17/12) mostrou graficamente como a coisa toda funciona.

Livre expressão e autodeterminação

Cabe a nós reverter a situação. Nós somos os bilhões que proporcionam os fantásticos lucros das corporações digitais, mas vivemos na inconsciência e na preguiça. Mudar para que, se no Facebook tudo já está feito e ajustado para nós? Se o Google tanto lhe oferece sem cobrar nada?

O exibicionismo dos egos nas redes sociais torna os usuários frágeis e inconscientes do que pode acontecer com seus dados no futuro. Muitos entregam suas vidas, seus momentos preciosos em família e tudo o que lhes é mais caro em nome da autopromoção e da ostentação de suas posses. Enquanto isso, executivos do Google, Facebook, Apple e outros mamutes digitais engordam mais e mais seus lucros, garantidos pelos dados que fornecemos a eles em troca da chance de exibirmos nossas realizações e provar nossa superioridade diante daqueles que não podem ter o que temos.

No Brasil, a legislação para proteção de dados na web encontra-se ainda em fase embrionária. O Marco Civil da Internet (ainda em tramitação no Congresso Nacional) é nossa principal esperança para evitar abusos aos nossos dados pessoais, comentou a EBC (28/08), mas precisamos de legislação e profissionais que tratem da proteção de dados de forma ainda mais direta. Como os temidos tecnologistas alemães, que já encurralaram e muitas vezes mudaram os rumos do Facebook, quando a rede abusava de seu poder de mercado e invadia a privacidade germânica.

Por isso foi elaborado no Brasil o anteprojeto de proteção de dados pessoais, fruto de consulta pública como sua matriz de referência, o Marco Civil da Internet. As denúncias de Snowden e a persistência dos americanos em seguir em frente com a espionagem de aliados e inimigos tornaram mais evidente a necessidade da aprovação do Marco Civil, uma peça avançada de legislação importante na proteção de dados de pessoas e governos contra abusos de corporações digitais e governos abelhudos e mal-intencionados.

Juntos, se aprovados, o Marco Civil e a legislação de proteção de dados pessoais, mesmo que não sejam capazes de acabar com a espionagem na rede, atuarão como uma barreira de dissuasão de considerável poder contra os abusos aos nossos direitos de livre expressão e autodeterminação dentro da web.

*Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor.


Postado no blog Cidadão do Mundo em 05/12/2013


Se o Facebook já envelheceu, o que dizer de mim?



Marco Antonio Araujo


O tempo não para. O Facebook que o diga. A rede social criada por Mark Zuckerberg em 2004, quem diria, já está velha — e, em breve, vai receber aposentadoria compulsória, por invalidez. 

Aos nove anos de existência, de forma precoce, o Face está sendo abandonado por igualmente precoces pré-adolescentes que estão preferindo migrar para outras plataformas de comunicação on line.

O mundo virtual é cruel: sem a juventude que será o adulto de amanhã, já era. Que o diga o falecido Orkut, outrora (menos de dez anos) o favorito entre os brasileiros. Foi fulminado. Por quem? Exatamente pelos implacáveis jovens novidadeiros que vivem no mundo das nuvens da internet.

A decrepitude do Facebook já é nítida nos EUA e vem com força por aqui. 

Os jovens brasileiros também estão preferindo se comunicar através de aplicativos de mensagens como WhatsApp e Snapchat e outras redes, como o Instagram — não por acaso comprado pela bagatela de US$ 1 bilhão em 2012 pelo Zucke, o visionário tardio. Até o Twitter, apesar da limitação de caracteres, está mais bem cotado entre a galere.

No Brasil, o caso tende a se tornar mais grave rapidamente, já que a nossa gurizada representa a segunda maior população de adolescentes no Facebook, com 12,2 milhões de usuários com idade de 13 a 17 anos, pouco mais de 14% dos 86 milhões de membros da rede social. É morte anunciada.

Os adolescentes, em geral, buscam ferramentas de comunicação rápida. Ou melhor, cada vez mais vertiginosa.

Para quem carregava fichas telefônicas no bolso e usava os paleozoicos orelhões para marcar um cinema com os amigos, a velocidade do Facebook é mais do que suficiente — para não dizer inimaginável, quinze anos atrás.

Por mim, podia congelar o mundo agora, que a tecnologia existente já estaria de bom tamanho. OK, poderia abrir uma exceção para a medicina, que pode avançar desvairadamente o quanto quiser, de preferência enquanto ainda estou vivo.

Honestamente, não tenho inveja dos jovens que conviverão com uma revolução digital a cada cinco anos. 

É muito estressante ter de se reciclar constantemente, sem pausa para desfrutar as novidades. É, eu estou ficando velho. Como o Facebook.


Postado no blog O Provocador em 27/11/2013

Realidade aumentada






Você escuta o nome National Geographic e sabe que vem coisa boa por aí. 

Este é um vídeo em que, a partir da realidade aumentada, as pessoas puderam interagir com coisas fantásticas.

O que é realidade aumentada

Realidade Aumentada é uma “técnica” utilizada para unir o real com o virtual através da utilização de um marcador e uma webcam ou de uma câmera de celular, ou seja, é a inserção de objetos virtuais no ambiente físico, mostrada ao usuário em tempo real com o apoio de algum dispositivo tecnológico, usando a interface do ambiente real, adaptada para visualizar e manipular os objetos reais e virtuais.

Como funciona a Realidade Aumentada?

A realidade aumentada funciona de diversas formas, uma delas (a mais usada) funciona através do reconhecimento de um símbolo que chamamos de marcador.

O software processa a imagem captada por uma câmera (webcam) e identifica o posicionamento do símbolo, em seguida, o software disponibiliza um objeto virtual (realidade aumentada) com base neste posicionamento, veja na figura abaixo:



Postado no site Livros e Afins


Pai cria app para conseguir se comunicar com filha com paralisia cerebral





A comunicação entre pais e filhos é algo primordial, e acontece das mais diversas formas. Mas imaginem quando seu filho é impossibilitado de falar por conta de uma paralisia cerebral em consequência de um erro médico? 

Foi por essa necessidade que Carlos Pereira, pai de uma linda menina chamada Clara, de 5 anos, criou o aplicativo Livox, e transformou o mundo de sua filha.

Carlos é analista de sistemas, e inicialmente fez um aplicativo bem simples, que testou em seu próprio celular, e que possibilitava a filha responder apenas “Sim” ou “Não às suas perguntas. 

Aos poucos, com ajuda de fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e pedagogos a ferramenta foi sendo aprimorada, e assim nasceu o Livox, atualmente o mais competente aplicativo do mercado mundial da área, e o primeiro em português adaptado para tablets (outros apps em inglês não tinham interesse por parte dos desenvolvedores em ter suas versões em português).

Hoje em dia, Carlos procura recursos e parcerias com o governo brasileiro para levar o Livox às famílias carentes, pois sabe que tablets e smartphones ainda realidade muito distante para grande parte da população no Brasil. 

Para mostrar o potencial e a incrível relevância do aplicativo para os que possuem dificuldades em fala, tem um vídeo que mostra Paloma, uma adolescente que atualmente consegue se comunicar com o mundo com a ajuda do Livox:





Abaixo, uma reportagem onde Carlos conta um pouco mais de como criou o aplicativo:






Como mostrou nosso leitor Wilson Mandri, a Paloma (do primeiro vídeo mostrado) ganhou seu tablet, mas podem continuar ajudando acessando o site do Livox, vejam o vídeo da chegada do seu aparelho:




Postado no site Hypeness 

A duplicação digital do mundo e os seus riscos




Em entrevista à Carta Maior, Eric Sadin fala sobre a capacidade crescente dos dispositivos digitais inteligentes de controlar as nossas vidas.

Paris - Já não estamos sós. Um duplo ou muitos duplos nossos permanecem nos incontáveis Data Center do mundo, nas redes sociais, nas memórias gigantescas do Google ou da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos, a NSA. É o que o ensaísta francês Eric Sadin, um dos autores mais proféticos e brilhantes na análise das novas tecnologias, chama de “humanidade paralela”. Em cada um de seus livros anteriores, “Surveillance Globale”, “La Société de l’anticipation”, Eric Sadin explorou como poucos as mutações humanas inerentes ao surgimento da hiper-tecnologia em nossas vidas. Longe de se contentar com um anedotário trivial dos instrumentos tecnológicos que surgiram nas últimas três décadas, Sadin os pensa de uma forma inédita. Seu último livro, “L’Humanité Augmentée, L’administration numérique du monde” (A Humanidade aumentada, a administração digital do mundo), explora a capacidade cada vez maior que os dispositivos inteligentes tem para administrar o rumo do mundo. 

O livro ganhou na França o Hub Awards 2013, um prêmio que recompensa o melhor ensaio do ano. Para Eric Sadin, Hall 9000, o computador super-potente da nave Discovery no filme “2001, uma Odisseia no Espaço”, deixou há muito de ser uma ficção: Hal 9000 foi inclusive superado pela tendência atual na direção de uma “administração robotizada da existência”. GPS, Iphone, Smartphone, sistemas de gestão centralizados que decidem por si mesmo, rastreabilidade permanente, tudo conflui para a criação do que o autor chama de um “órgão sintético que repele toda dimensão soberana e autônoma”. Em entrevista à Carta Maior, Eric Sadin analisa esse duplo tecnológico que nos facilita muitas coisas e ao mesmo tempo nos espreita a ponto de transformar nossa humanidade. 


Eric Schmidt, o presidente do Google, diz em seu último livro, “The New Digital Age”, que “acabamos de deixar os starting-blocks” da revolução digital. Você, ao contrário, estima que a revolução digital está acabando. Fim ou nova fase?


- A década atual assinala o fim do que se chamou de “revolução digital” que começou no princípio dos anos 80 mediante a digitalização cada vez maior do real: a escrita, o som, a imagem fixa e animada. Esse amplo movimento histórico se deu paralelamente ao desenvolvimento das redes de telecomunicação e tornou possível o advento da internet, ou seja, a circulação exponencial dos dados na rede: as condições de acesso à informação, o comércio e a relação com os outros através dos correios eletrônicos e das redes sociais.

Hoje, esta arquitetura que não parou de se desenvolver e se consolidar está solidamente instalada em escala global e permite o que chamo de “a era inteligente da técnica”. Nosso tempo instaura uma relação com a técnica que já não está prioritariamente fundada sobre uma ordem protética, ou seja, como uma potência mecânica superior e mais resistente que a de nosso corpo, mas sim como uma potência cognitiva em parte superior á nossa. Há robôs imateriais “inteligentes” que coletam massas abissais de dados, os interpretam à velocidade da luz ao mesmo tempo em que são capazes de sugerir soluções supostamente mais pertinentes e inclusive de agir em nosso lugar como ocorre com o “trading algorítmico”, por exemplo. 

Em seu último ensaio, “A humanidade aumentada, a administração digital do mundo”, você expõe um mundo cartografado de maneira constante pelos sistemas digitais. Você mostra a emergência de uma espécie de humanidade paralela – as máquinas – destinadas a administrar o século XXI. Uma pergunta se impõe: o que fica então de nossa humanidade? 

- Desde o Renascimento, nosso potencial humano se fundou sobre a primazia humana constituída pela faculdade de julgar, a faculdade de decisão e, por conseguinte, da responsabilidade individual que funda o princípio da Lei. A assistência das existências por sistemas “inteligentes”, além de representar uma evolução cognitiva, redefine de fato a figura do humano como senhor de seu destino em benefício de uma delegação progressiva de nossos atos para outros sistemas. Uma criação humana, as tecnologias digitais, contribui paradoxalmente para debilitar o que é próprio ao ser humano, ou seja, a capacidade de decidir conscientemente sobre todas as coisas. Esta dimensão em curso se amplificará nos próximos anos. 

Você se refere ao surgimento de um componente “orgânico-sintético que repele toda dimensão soberana e autônoma”. Em resumo, o mundo, nossas vidas, está sob o comando do que você chama de “a governabilidade algorítmica”. O ser humano deixou de administrar. 

- Não se trata de que já não administra, mas sim de que o fará cada vez menos em benefício de amplos sistemas supostamente mais eficazes em termos de optimização e de segurança das situações individuais e coletivas. Isso corresponde a uma equação que está no coração da estratégia da IBM. Esta empresa implementa arquiteturas eletrônicas capazes de administrar por si mesmas a regulação dos fluxos de circulação do tráfego nas estradas, ou a distribuição de energia em certas cidades do mundo. Isso é possível graças à coleta e ao tratamento ininterrupto de dados: os estoques de energia disponíveis, as estatísticas de consumo, a análise dos usuários em tempo real. 

Estas informações estão conectadas com algoritmos capazes de lançar alertas, de sugerir iniciativas ou assumir o controle decidindo por si mesmo certas ações: aumento da produção, compras automatizadas de energia nos países vizinhos, o corte do fornecimento em certas zonas. 

Isso equivale a uma espécie de perda maior de soberania. 

- A meta consiste em buscar a optimização e a segurança em cada movimento da vida. Por exemplo, fazer que uma pessoa que passa perto de uma loja de calçados possa se beneficiar com a oferta mais adequada ao seu perfil, ou que alguém que passeia em uma zona supostamente perigosa receba um alerta sobre o perigo. 

Vemos aqui o poder que se delega à técnica, ou seja, o de orientar cada vez com mais liberdade a curva de nossas existências. Esse é o aspecto mais inquietante e mais problemático da relação que mantemos com as tecnologias contemporâneas. 

O escândalo de espionagem que explodiu com o caso Prism, o dispositivo mediante o qual a NSA espiona todo o planeta, expôs algo terrível: não só nossas vidas, nossa intimidade, são acessíveis, mas elas estão digitalizadas, convertidas em Big Data, duplicadas. 

- Prism revelou dois pontos cruciais: em primeiro lugar, a amplitude abismal, quase inimaginável, da coleta de informações pessoais: em segundo, a colusão entre as empresas privadas e as instâncias de segurança do Estado. Este tipo de coleta demonstra a existência de certa facilidade para apoderar-se dos dados, guardá-los e depois analisá-los para instaurar funcionalidades de segurança. A estreita relação que liga os gigantes da rede com a NSA deveria estar proibida pela lei, salvo em ocasiões específicas. De fato, não é tanto a liberdade o que diminui, mas sim partes inteiras de nossa vida íntima. 

O meio ambiente digital favoreceu o aprofundamento inédito na história do conhecimento das pessoas. Este fenômeno está impulsionado pelas empresas privadas que coletam e exploram essas informações, frequentemente recuperadas pelas agências de segurança e também por cada um de nós mediante as ondas que disseminados permanentemente, às vezes sem consciência disso, às vezes de maneira deliberada. Por exemplo, através da exposição da vida privada nas redes sociais. 

O caso NSA-Prism representa um marco na história. De alguma maneira, mesmo que as pessoas tenham reagido de forma passiva, perdemos a inocência digital. Você acredita que ainda persiste a capacidade de revelar-se nesta governabilidade digital? 

- Haverá um antes e um depois do caso Prism. Ele mostrou até que ponto a duplicação digital de nossas existências participa da memorização e de sua exploração. Isso ocorreu em apenas 30 anos sob a pressão econômica e das políticas de segurança sem que tenha sido possível instaurar um debate sobre o que estava em jogo. Esse é o momento para tomar consciência, para empreender ações positivas, para que os cidadãos e as democracias se apropriem do que está em jogo, cujo alcance concerne à nossa civilização. 

A ausência da Europa no caso deste roubo planetário tem sido tão escandalosa quanto covarde. Você, no entanto, está convencido de que o Velho Mundo pode desempenhar um papel central. 

- Parece-me que a Europa, em nome de seus valores humanistas históricos, em nome de sua extensa tradição democrática, deve influir na relação de forças geopolíticas da internet e favorecer a edificação de uma legislação e de uma regulamentação claras. O termo “Big Data”, para além das perspectivas comerciais que possui, indica esse momento histórico no qual todos estamos copiados sob a forma de dados que podem ser explorados em uma infinidade de funcionalidades. 

Trata-se de uma nova inteligibilidade do mundo que emerge através de gigantescas massas de dados. Trata-se de uma ruptura cognitiva e epistemológica que, me parece, deve ser acompanhada por uma “carta ética global” e marcos legislativos transnacionais. 

Em seu livro você se refere a uma figura mítica do cinema, Hal, o sistema informático da nave Discovery, que aparece no filme 2001, uma Odisseia no Espaço. Hal é, para você, a figura que encarna nosso futuro tecnológico através da inteligência artificial. 

- Hal é um sistema eletrônico hiper-sofisticado que representa a personagem principal do filme de Stanley Kubrick. Hal é um puro produto da inteligência artificial, capaz de coletar e analisar todas as informações disponíveis, de interpretar as situações e agir por conta própria em função das circunstâncias. 

Exatamente como certos sistemas existentes no “trading algorítmico” ou no protocolo do Google. Hal não corresponde mais a uma figura imaginária e isolada, mas sim a uma realidade difusa chamada infinitamente a infiltrar setores cada vez mais amplos de nossa vida cotidiana. 

Nessa mesma linha, para você, se situa o Iphone ou os Smartphones. Não se trata de joguinhos, mas sim de um quase complemento existencial. 

- Creio que a aparição dos Smartphones em 2007 corresponde a um acontecimento tecnológico tão decisivo como o da aparição da internet. Os Smartphones permitem a conexão sem ruptura espaço-temporal. Com isso, os Smartphones expõem um corpo contemporâneo conectado permanentemente, ainda mais na medida em que pode ser localizado via GPS. Através dele também se confirma o advento de um “assistente robotizado” das existências por meio dos inúmeros aplicativos capazes de interpretar uma grande quantidade de situações e de sugerir a cada indivíduo as soluções supostamente mais adaptadas. 

Esses objetos, que são táteis, nos fazem manter uma relação estreita com o tato. Mas, ao mesmo tempo em que tocamos, as coisas se tornam invisíveis: toda a informação que acumulamos desaparece na memória dos aparatos: fotos, vídeos, livros, notas, cartas. Estão, mas são invisíveis. 

- De fato, esse duplo movimento deveria nos interpelar. Nossa relação com os objetos digitais se estabelece segundo ergonomias cada vez mais fluidas, o que alenta uma espécie de crescente proximidade íntima. A anunciada introdução de circuitos em nossos tecidos biológicos amplificará o fenômeno. Por outro lado, essa “familiaridade carnal” vem acompanhada por uma distância crescente, por uma forma de invisibilidade do processo em curso. 

Isso é muito emblemático no que diz respeito aos Data Centers que contribuem para modelar as formas de nosso mundo e escapam a toda visibilidade. É uma necessidade técnica. No entanto, essa torção assinala o que está em jogo em nosso meio ambiente digital contemporâneo: por um lado, uma impregnação contínua dos sistemas eletrônicos; por outro, uma forma de opacidade sobre os mecanismos que o compõem. 

Os poderes públicos, principalmente na Europa, são incapazes de administrar o universo tecnológico, de enquadrá-lo com leis ou fixar-lhe limites. A ignorância reina, mas a tecnologia termina por se impor, do mesmo modo que as finanças, a todo o espectro político. 

- Estamos vivendo no interior de um regime temporal que se torna exponencial, prioritariamente mantido pela indústria que impõe suas leis. 

O próprio dos regimes democráticos é sua faculdade deliberativa, sua capacidade coletiva para escolher conscientemente as regras que orientam o curso das coisas. Esse componente está hoje eminentemente fragilizado. 

Sem nostalgia, eu diria que vamos ter que lidar ativamente e sob diversas formas com a amplitude do que está em jogo eticamente, tanto agora como no futuro, sob a indução desta “tecnologização” de nossas existências. Tanto nas escolas como nas universidades. 

Creio que é urgente ensinar o código, a composição algorítmica, a inteligência artificial. Creio que são os professores de “humanidade digital” que deveriam ingressar nas escolas e contribuir para despertar as consciências e ajudar a encontrar as perspectivas positivas que estão se abrindo com este movimento. 

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Postado no site Carta Maior em 11/11/2013
Vídeos inseridos por mim




2001 Uma odisseia no espaço : o computador Hal 9000 assume o controle 

2001 Uma odisseia no espaço : o computador Hal 9000 precisa ser desativado para que o protagonista do filme reassuma o controle


Mobilidade urbana: os chineses pensam num novo veículo



O projeto tem o nome de Land Air Bus e utiliza de painéis solares e elétricos para se locomover, o que gera uma economia de até 860 toneladas de combustível ao ano e resulta em uma redução de 2640 toneladas de emissão de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. 

O ônibus alcança uma velocidade de 60 km/h, e conforme informações dos criadores do projeto, o veículo comporta 1200 pessoas em quatro vagões. 

A criação possui seis metros de largura e quatro metros de altura, ocupa duas pistas e o custo para implementá-lo chega a ser até 10% mais barato do que a construção de metrôs. 

Até o momento ainda não existe a confirmação de que será implantado na China, mas o projeto é apresentado como o futuro das cidades.





A inovação da solidão


doenças uso internet

“Eu compartilho. Portanto eu existo”. 
Esse é o enfoque da brilhante animação intitulada The Innovation of Loneliness (A Inovação da Solidão, em tradução livre).

Inspirado no livro da psicóloga Sherry Turkle: Alone Together, onde ela analisa como os nossos dispositivos e personalidades on-line estão redefinindo a conexão humana e a comunicação, e nos convida pensar profundamente sobre os novos tipos de conexão que queremos.





A devastadora “modernidade” do novo Iphone5



Vinicius Gomes

Toda vez que um novo iPhone está para ser lançado, produz-se um frisson mundial. 

No caso do novo Iphone 5S, não foi diferente. Pessoas acamparam por semanas em frente à loja da Apple em Nova York, esperando que suas portas se abrissem. Quando isso finalmente ocorreu, foram saudadas pelos funcionários como se tivessem acabado de conquistar uma medalha de ouro nas Olimpíadas.

Mas por trás de toda a fanfarra de marketing, existe uma realidade que quase nunca é acompanhada pela mídia com tanta empolgação como as filas em frente das lojas.

O jornalista britânico George Monbiot começou a revelá-la esta semana, em seu blog.

A Apple, demonstrou ele, participa de um dos crimes ambientais que melhor expõem a desigualdade das relações Norte-Sul e a irracionalidade contemporânea. 

Ela provavelmente compra estanho produzido, na Indonésia, em relações sociais e de desprezo pela natureza que lembram as do século 19.

Pior: convidada por ativistas a corrigir esta prática, a empresa esquiva-se – destoando inclusive de suas concorrentes. E, ao fazê-lo, usa argumentos que sugerem: trata o público seus consumidores como se fossem incapazes de outra atitude mental além do ímpeto de consumo.

Monbiot refere-se ao uso, pelos fabricantes de celulares, do estanho extraído da ilha de Bangka, na Indonésia. 

O metal é indispensável para a soldagem interna dos smartphones. Cerca de 30% da produção global concentra-se na Indonésia – mais precisamente, em Bangka. O problema são as condições de extração.

O jornalista as descreve: “Uma orgia de mineração sem regras está reduzindo um sistema complexo de florestas tropicais e campos a uma paisagem pós-holocausto de areia e subsolo ácido.

Dragas de estanho, nas águas costeiras, também estão varrendo os corais, os manguezais, os mariscos gigantes, a pesca e as praias usadas como ninhos pelas tartarugas”.

A cobiça pelo estanho barato não poupa nem a natureza, nem o ser humano. Monbiot prossegue: Crianças são empregadas, em condições chocantes. 

Em média, um mineiro morre, em acidente de trabalho, a cada semana. A água limpa está desaparecendo. A malária espalha-se e os mosquitos proliferam nas minas abandonadas. Pequenos agricultores são removidos de suas terras.

Estas condições desesperadoras desencadearam reação de ativistas. 

A organização internacional Amigos da Terra articulou o movimento. Não se trata de algo conduzido por rebeldes sem causa. A campanha reconhece que eliminar a mineração seria uma proposta inviável, por desempregar milhares de pessoas.

Propõe, ao contrário, um pacto. Todo o estanho produzido em Bangka é adquirido pelas corporações que fabricam celulares. Se elas concordarem em respeitar condições sociais e ambientais decentes, a exploração de gente e da natureza não poderá prosseguir.

Sete fabricantes transnacionais abriram diálogo com a campanha: Samsung, Philips, Nokia, Sony, Blackberry, Motorola e LG.

A única das grandes fabricantes a se recusar foi a Apple – também conhecida por encomendar a fabricação de seus aparelhos às indústrias de ultra-exploração do trabalho humano da Foxconn.

O mais bizarro, conta Monbiot, são os estratagemas primitivos usados pela Apple para evitar um compromisso de respeito aos direitos e à natureza. 

O jornalista procurou por duas vezes, nos últimos dias, o diretor de Relações Públicas da empresa. Propôs, em nome da transparência, um diálogo gravado. Sugestão negada. Na conversa reservada, relata, não obteve informação alguma, exceto uma sugestão: dirija-se a nosso site.

Mas é lá, diverte-se Monbiot, que a Apple mais zomba da inteligência dos consumidores.

A corporação informa, placidamente, que “a Ilha de Bangka, na Indonésia, é uma das principais regiões produtoras de estanho no mundo. Preocupações recentes sobre a mineração ilegal de estanho na região levaram a Apple a uma visita de inspeção, para saber mais”. 

Mas a Apple não reconhece que compra o metal produzido em Bangka – provavelmente para não se comprometer com a campanha contra a exploração devastadora. 

O jornalista, então, pergunta: “Por que dar-se ao trabalho de uma visita de inspeção, se você não usa o estanho da ilha? E se você usa, por que não admiti-lo?”

Tudo isso sugeriria renunciar a um celular? Claro que não, diz Monbiot. Trata-se de exigir das empresas respeito a normas sociais e ambientais. 

Pressionadas, sete corporações transnacionais ao menos admitiram debater o tema. A Apple destoou. Quem tem respeito pelos direitos sociais e pela natureza deveria evitar os aparelhos da empresa, recomenda o jornalista.

Quem quer ir além pode, por exemplo, optar pelo Fairphone, celular produzido por empreendedores expressamente interessados em proteger direitos e ambiente.

Estará disponível a partir de dezembro. Porém, mais de 15 mil unidades já foram vendidas, nos últimos meses a consumidores conscientes.


Postado no site Outras Palavras em 26/09/2013

 

A solidão que as redes sociais e a tecnologia podem promover







Internet e as interações sociais



Livro Aberto 27/05/13 - com Alex Primo



É urgente recuperar o sentido de urgência




Eliane Brum

Nós, que podemos ser acessados por celular ou internet 24 horas, sete dias por semana, estamos vivendo no tempo de quem?

Dias atrás, Gabriel Prehn Britto, do blog Gabriel Quer Viajar, tuitou a seguinte frase: “Precisamos redefinir, com urgência, o significado de URGENTE”. (Caixa alta, na internet, é grito.) 

“Parece que as pessoas perderam a noção do sentido da palavra”, comentou, quando perguntei por que tinha postado esse protesto/desabafo no Twitter. “Urgente não é mais urgente. Não tem mais significado nenhum.” Ele se referia tanto ao urgente usado para anunciar notícias nada urgentes nos sites e nas redes sociais, quanto ao urgente que invade nosso cotidiano, na forma de demanda tanto da vida pessoal quanto da profissional. 

Depois disso, Gabriel passou a postar uns “tuítes” provocativos, do tipo: “Urgente! Acordei” ou “Urgente: hoje é sexta-feira”.

A provocação é muito precisa. Se há algo que se perdeu nessa época em que a tecnologia tornou possível a todos alcançarem todos, a qualquer tempo, é o conceito de urgência. 

Vivemos ao mesmo tempo o privilégio e a maldição de experimentarmos uma transformação radical e muito, muito rápida em nosso ser/estar no mundo, com grande impacto na nossa relação com todos os outros.

Como tudo o que é novo, é previsível que nos atrapalhemos. E nos lambuzemos um pouco, ou até bastante. Nessa nova configuração, parece necessário resgatarmos alguns conceitos, para que o nosso tempo não seja devorado por banalidades como se fosse matéria ordinária. E talvez o mais urgente desses conceitos seja mesmo o da urgência.

Estamos vivendo como se tudo fosse urgente. Urgente o suficiente para acessar alguém. E para exigir desse alguém uma resposta imediata.

Como se o tempo do “outro” fosse, por direito, também o “meu” tempo. E até como se o corpo do outro fosse o meu corpo, já que posso invadi-lo, simbolicamente, a qualquer momento. 

Como se os limites entre os corpos tivessem ficado tão fluidos e indefinidos quanto a comunicação ampliada e potencializada pela tecnologia.

Esse se apossar do tempo/corpo do outro pode ser compreendido como uma violência. Mas até certo ponto consensual, na medida em que este que é alcançado se abre/oferece para ser invadido. Torna-se, ao se colocar no modo “online”, um corpo/tempo à disposição. Mas exige o mesmo do outro – e retribui a possessão. Olho por olho, dente por dente. Tempo por tempo.

Como muitos, tenho tentado descobrir qual é a minha medida e quais são os meus limites nessa nova configuração. E passo a contar aqui um pouco desse percurso no cotidiano, assim como do trilhado por outras pessoas, para que o questionamento fique mais claro. 

Descobri logo que, para mim, o celular é insuportável. Não é possível ser alcançada por qualquer um, a qualquer hora, em qualquer lugar. Estou lendo um livro e, de repente, o mundo me invade, em geral com irrelevâncias, quando não com telemarketing. Estou escrevendo e alguém liga para me perguntar algo que poderia ter descoberto sozinho no Google, mas achou mais fácil me ligar, já que bastava apertar uma tecla do próprio celular.

Trabalhei como uma camela e, no meu momento de folga, alguém resolve me acessar para falar de trabalho, obedecendo às suas próprias necessidades, sem dar a mínima para as minhas. Não, mas não mesmo. Não há chance de eu estar acessível – e disponível – 24 horas por sete dias, semana após semana.

Me bani do mundo dos celulares, fechei essa janela no meu corpo. Mantenho meu aparelho, mas ele fica desligado, com uma gravação de “não uso celular, por favor, mande um e-mail”. Carrego-o comigo quando saio e quase sempre que viajo. Se precisar chamar um táxi em algum momento ou tiver uma urgência real, ligo o celular e faço uma chamada. Foi o jeito que encontrei de usar a tecnologia sem ser usada por ela.

Minha decisão não foi bem recebida pelas pessoas do mundo do trabalho, em geral, nem mesmo pela maior parte dos amigos e da família.

Descobri que, ao não me colocar 24 horas disponível, as pessoas se sentiam pessoalmente rejeitadas. Mas não apenas isso: elas sentiam-se lesadas no seu suposto direito a tomar o meu tempo na hora que bem entendessem, com ou sem necessidade, como se não devesse existir nenhum limite ao seu desejo. Algumas declararam-se ofendidas. 

Como assim eu não posso falar com você na hora que eu quiser? Como assim o seu tempo não é um pouco meu? E se eu precisar falar com você com urgência? Se for urgência real – e quase nunca é – há outras formas de me alcançar.

Percebi também que, em geral, as pessoas sentem não só uma obrigação de estar disponíveis, mas também um gozo. Talvez mais gozo do que obrigação. É o que explica a cena corriqueira de ver as pessoas atendendo o celular nos lugares mais absurdos (inclusive no banheiro…). Nem vou falar de cinema, que aí deveria ser caso de polícia. Mas em aulas de todos os tipos, em restaurantes e bares, em encontros íntimos ou mesmo profissionais. 

É o gozo de se considerar imprescindível. Como se o mundo e todos os outros não conseguissem viver sem sua onipresença. Se não atenderem o celular, se não forem encontradas de imediato, se não derem uma resposta imediata, catástrofes poderão acontecer.

O celular ligado funciona como uma autoafirmação de importância. Tipo: o mundo (a empresa/a família/ o namorado/ o filho/ a esposa/ a empregada/ o patrão/os funcionários etc) não sobrevive sem mim. 

A pessoa se estressa, reclama do assédio, mas não desliga o celular por nada. Desligar o celular e descobrir que o planeta continua girando pode ser um risco maior. Nesse sentido, e sem nenhuma ironia, é comovente.

Por outro lado, é um tanto egoísta, já que a pessoa não se coloca por inteiro onde está, numa aula ou no trabalho ou mesmo em casa – nem se dedica por inteiro àquele com quem escolheu estar, num encontro íntimo ou profissional. Está lá – mas apenas parcialmente. Não há como não ter efeito sobre o momento – e sobre o resultado. 

A pessoa está parcialmente com alguém ou naquela atividade específica, mas também está parcialmente consigo mesma. Ao manter o celular ligado, você pertence ao mundo, a todo mundo e a qualquer um – mas talvez não a si mesmo.

Me parece descortês alguém estar comigo num restaurante, por exemplo, e interromper a conversa e a comida para atender o celular. Assim como me parece abusivo ser obrigada a aturar os celulares das pessoas ao redor tocando em todas as modalidades e volumes, invadindo o espaço de todos os outros sem nenhuma consideração. Ou ainda estar em um lugar público e ter de ouvir a narração de uma vida privada, uma que não conheço nem quero conhecer.

Será que isso é realmente necessário? Será que uma pessoa não pode se ausentar, ficar incomunicável, por algumas horas? Será que temos o direito de invadir o corpo/tempo dos outros direta ou indiretamente? Será que há tantas urgências assim? Como é que trabalhávamos e amávamos antes, então?

Bem, eu não sou imprescindível a todo mundo e tenho certeza de que os dias nascem e morrem sem mim. As emergências reais são poucas, ainda bem, e para estas há forma de me encontrar. Logo, posso ficar sem celular. 

Mas tive de me esforçar para que as pessoas entendessem que não é uma rejeição ou uma modalidade de misantropia, apenas uma escolha. 

Para mim, é uma maneira de definir as fronteiras simbólicas do meu corpo, de territorializar o que sou eu e o que é o outro, e de estabelecer limites – o que me parece fundamental em qualquer vida.

Tentei manter um telefone fixo, com o número restrito às pessoas fundamentais no campo dos afetos e também no profissional. Mas o telemarketing não permitiu.

É impressionante como as empresas de todo o tipo – e agora até os candidatos numa eleição – acham que têm o direito de nos invadir a qualquer hora. 

Considero uma violência receber uma ligação ou gravação dessas dentro de casa, à minha revelia. E parece que sempre encontram um jeito de burlar nossas tentativas de barrar esse tipo de assédio.

Assim, também botei uma gravação no telefone fixo – e ele virou um telefone só para recados, porque foi o único jeito que encontrei de impedir o abuso do mercado.

Minha principal forma de comunicação é hoje o e-mail, porque sou eu que escolho a hora de acessá-lo. 

E, ao procurar alguém, seja por motivo profissional ou pessoal, tenho certeza de não estar invadindo seu cotidiano em hora imprópria. É assim que combino encontros e entrevistas ao vivo, que são os que eu prefiro.

Ou marco horário para conversas por Skype com quem está em outra cidade ou país. E quando viajo ou preciso desaparecer do mundo, para ficar só comigo mesma, ou me dedicar a um outro por completo, ou à escrita de um livro, basta deixar uma mensagem automática. 

Tento me disciplinar para acessar o Twitter, que para mim é hoje uma ferramenta fundamental para dar, receber e principalmente compartilhar informações, em horários específicos. E desligo o computador antes de dormir, como gesto simbólico que diz: fechei a porta.

Uma amiga foi assaltada por uma insônia persistente. Ao despertar, na madrugada, tinha a sensação de que o mundo se movia em ritmo veloz enquanto ela dormia. Parecia que estava perdendo algo importante, que ficaria para trás. E parecia até que estava morta para o mundo, “offline”.

Às vezes não resistia e saía da cama para caminhar até o escritório, onde ficava o computador, e entrar no Facebook e no Twitter, dar uma circulada nos sites de notícias, manter-se desperta, presente e alinhada ao mundo que não parava, correndo atrás dele. Depois, passou a deixar o notebook ao lado da cama e já acessava a internet dali mesmo, apesar dos protestos do marido.

Quando a insônia já estava comprometendo seriamente os seus dias, ela procurou um psiquiatra em busca de remédio. O médico perguntou bastante sobre seus hábitos, e ela descobriu que o pesadelo que a deixava insone era aquele computador ligado, com o mundo acontecendo dentro dele num ritmo que ela não podia acompanhar nem mesmo se mantendo acordada por 24 horas. 

Bastou desligar o computador a cada noite para que passasse a despertar menos vezes e menos sobressaltada nas madrugadas. Aos poucos, voltou a dormir bem. O mundo estava onde devia estar – e ela também, na cama. Estava offline, mas viva.

Conheço pessoas que botam fita adesiva sobre a câmera do computador. Foi o meio encontrado para se protegerem da sensação de que estavam sendo espiadas/monitoradas 24 horas por dia por algum tipo de Big Brother – no sentido do 1984, do George Orwell (não no do reality show da TV Globo). 

A câmera tinha se tornado uma espécie de olho do mundo, que podia abrir as pálpebras mesmo à revelia, como nas histórias fantásticas e nos filmes de terror.

Conto minhas (des)venturas, assim como as de outros, apenas porque acho que não somos os únicos a ter esse tipo de inquietação. 

É um momento histórico bem estratégico de redefinição de limites, de territórios e também de conceitos.

Que tipo de efeito terá sobre as novas gerações a ideia de que não há limites para alcançar, ocupar e consumir o tempo/corpo dos pais e amigos e mesmo de desconhecidos? 

Assim como não há limites para ter o próprio tempo/corpo alcançado, ocupado e consumido?

Ainda acho que o gozo de ser imprescindível a quase todos os outros – no sentido de não poder se ausentar ou se calar – e também de ser onipotente – no sentido de alcançar, a qualquer hora, o corpo de todos os outros – é maior do que o incômodo. 

Mas talvez só aparentemente, na medida em que é possível que não estejamos conseguindo avaliar o estrago que esses corpos/tempos violáveis e violados possam estar causando na nossa subjetividade – e mesmo na nossa capacidade criativa e criadora.

A grande perda é que, ao se considerar tudo urgente, nada mais é urgente.

Perde-se o sentido do que é prioritário em todas as dimensões do cotidiano. 

E viver é, de certo modo, um constante interrogar-se sobre o que é importante para cada um. Ou, dito de outro modo, uma constante interrogação sobre para quem e para o quê damos nosso tempo, já que tempo não é dinheiro, mas algo tremendamente mais valioso. 

Como disse o professor Antonio Cândido, “tempo é o tecido das nossas vidas”.

Essa oferta 24 X 7 do nosso corpo simbólico para todos os outros – e às vezes para qualquer um – pode ter um efeito bem devastador sobre a nossa existência. 

Um que sequer é escutado, dado o tanto de barulho que há. Falamos e ouvimos muito, mas de fato não sabemos se dizemos algo e se escutamos algo. Ou se é apenas ruído para preencher um vazio que não pode ser preenchido dessa maneira.

Será que não é este o nosso mal-estar? Viver no tempo do outro – de todos e de qualquer um – é uma tragédia contemporânea.


Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista. Autora de um romance – Uma Duas (LeYa) – e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O avesso da lenda (Artes e Ofícios), A vida que ninguém vê (Arquipélago, Prêmio Jabuti 2007) e O olho da rua – uma repórter em busca da literatura da vida real (Globo).

Postado no blog Maria Frô em 10/05/2013