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Idiotas no meio do caminho e Troféu Bolsonaro




Juremir Machado da Silva

O ano de 2013 termina como começou: com dois idiotas no meio do caminho. No meio do caminho tinha dois idiotas. Nunca nos esqueceremos desse acontecimento na vida das nossas retinas tão saturadas de imagens estúpidas da sociedade “midiocre”. Tinha dois idiotas no meio da caminho, em cima da calçada, à beira do mar, dois idiotas graníticos.

No caso, os dois que picharam a estátua de Drummond no Rio de Janeiro.

Mas foram muitos os idiotas que, ao longo do ano, atrapalharam o trânsito, congestionaram a vida, mamaram nas tetas públicas, enrolaram a população, confundiram mérito com meritocracia, objetividade com ideologia, análise com senso comum e justiça com acerto de contas.

Por sorte, no meio do caminho do planeta tinha também Edward Snowden, Pepe Mujica, Papa Francisco e tantos outros andando na contramão.

Como faço todo ano, embora outros já o façam agora, apresentarei a lista dos ganhadores do troféu Jair Bolsonaro de jornalismo lacerdinha 2013.

10 – Arnaldo Jabor (anda desaparecido o velho reaça. Mas ainda está na ativa. Aparece nesta lista somente por efeito residual)

9 – Lobão (publicou livro, arranjou novas colunas para fazer, mas se limita a repetir um discurso de coronel apaixonado pelo golpe de 1964. Notabilizou-se pela coerência ao criticar Pepe Mujica pela legalização da maconha).

8 – Reinaldo Azevedo (outro que, apesar de novas fontes de renda e de mais espaço para vociferar, continuou a servir seu velho discurso macartista dos anos 1950 temperado com inspirações lacerdistas e fórmulas requentadas)

7 – Merval Pereira (o imortal global atolou-se na sua verborreia lacerdinha, mas não conseguiu uma só página digna de nota. O pior da sua performance é na televisão: não articula três frases que possam ser chamadas de analíticas. Quanto menos explica, mais se consagra)

6 – Miriam Leitão (finge não ser lacerdinha em política, mas exala o seu lacerdismo em economia. Suas previsões jamais se confirmam, o que a torna imbatível. Sempre prevê o caos. Tenta ser melhor anunciando o pior)

5 – Marco Antonio Villa (dublê de historiador lacerdinha e de comentarista lacerdão ganhou destaque por ter mais leituras do que seus concorrentes, o que lhe permite ser reacionário com algum verniz bibliográfico)

4 – Demétrio Magnoli (parecia ter potencial para mais, mas, apesar de ter arranjado novo emprego, não encontrou novas fórmulas reacionárias. Mesmo assim é uma estrela ascendente do jornalismo lacerdinha).

3 – Nelson Motta (correndo por fora, “Nelsinho” produziu algumas das pérolas lacerdinhas mais hilárias do ano: um reacionarismo quase ingênuo, tosco, primário, ruminante, deliciosamente estúpido, avassalador)

2 – Ruy Castro (por trás de uma retórica aparentemente discreta o colunista exala um ranço que se eleva como o cheiro de um incenso vagabundo)

1 – Eliane Cantanhêde (a colunista tucana da Folha de S. Paulo tem-se destacado pela singularidade do seu raciocínio enviesado, mesclado de futilidade com pretensões à profundidade. Chama atenção a sua perseverança, convicção e falta de renovação da abordagem)

Há outros certamente, mas não me impressionaram. Em se tratando de veículos, Veja mantém a liderança, mas a Folha de S. Paulo tomou o segundo lugar ao Globo e ao Estadão pela política agressiva de contratação de novos colunistas lacerdinhas, entre os quais Reinaldo Azevedo. É possível que aconteça uma fusão ideológica entre Veja e Folha.

Vale à pena também eleger seriamente o colunista do ano: Jânio de Freitas.

Não teve para ninguém.

Nenhum jornalista analisou o julgamento do mensalão como ele.

Um show de lucidez, coerência, equilíbrio e argumentação lógica.


Postado no blog Juremir Machado da Silva em 28/12/2013

Nota

Carlos Lacerda foi um jornalista de direita, ultra conservador e retrógrado a serviço da "elite",  na década de 50, que perseguiu, implacavelmente, o Presidente Getúlio Vargas pelas ações sociais como criação do Salário Mínimo, CLT, Petrobras e outras. 


Reza a lenda que o atentado a tiros, sofrido pelo jornalista, foi maquinado por ele mesmo, para colocar a culpa no Governo.


O final desta história todos sabemos, o suicídio do Presidente. 


O jornalista, professor universitário, historiador e escritor Juremir Machado da Silva, rotula de "Lacerdinha" aquele(a) que segue o jeito de ser, pensar e agir de Carlos Lacerda. 

                                                        
(Rosa Maria - editora do blog)


Juremir define assim um "lacerdinha":

Dez maneiras de identificar um lacerdinha:

1 – Um sujeito que, em nome da direita, diz que não há mais direita e esquerda, fazendo, em seguida, um discurso furioso, radical e fanático contra a esquerda que não existe.

2 – Um cara que, em defesa da sua ideologia, afirma que não existem mais ideologias e, na sequência, faz um discurso ideológico fanático contra o ideologismo de esquerda.

3 – Um sujeito que treme de fúria ideológica, chamando seus oponentes de burros, atrasados, imbecis, perigosos e radicais, em nome da neutralidade analítica.

4 – Um cara que, ao ouvir uma crítica a um ditador de direita, acha que haverá necessariamente a defesa de um ditador de esquerda.

5 – Uma figura que jamais criticou a Lei do Boi – cotas para filhos de fazendeiros em universidades públicas –, mas é contra cotas raciais e até sociais.

6 – Um tipo que defende a democracia, mas está disposto a apoiar ditaduras de direita se elas lhe trouxeram benefícios econômicos e silenciarem seus oponentes.

7 – Um “ponderado” analista, defensor do Estado mínimo, que exigirá um Estado máximo quando sua empresa estiver falindo ou precisando de um empréstimo a juros baixos.

8 – Um crítico ferrenho de políticas de compensação por falta de oportunidades equivalentes salvo quando, como produtor, exige compensações por se sentir sem condições equivalentes para competir, por exemplo, no mercado internacional.

9 – Um indivíduo que passa a vida classificando as pessoas em nós e eles, fanáticos e razoáveis, estúpidos e racionais, xiitas e ponderados, e, quando classificado de lacerdinha, faz longos discursos contra esse tipo de simplificação classificatória.

10 – O representante de grupos que sempre encontraram maneiras de obter benefícios a partir de casuísmos, leis de exceção, contingências mais ou menos justificadas, contextos sociais e históricos, mas que, quando seus oponentes se organizam para tirar-lhes privilégios ou reparar prejuízos históricos, transformam-se em defensores de princípios pretensamente racionais, abstratos e universais de concorrência.

Há outras maneiras de identificar um lacerdinha, mais práticas:

– Contra cotas, aquecimento global, áreas de proteção permanente, pagamento de multas por destruição do meio ambiente, código florestal ambientalista, impostos sobre grandes fortunas, bolsa-família, Prouni e outras políticas ditas assistencialista.

– A favor de incentivos fiscais para empresas multinacionais.

– Contra comissão da verdade e qualquer investigação que possa deixar mal os torturadores do regime militar brasileiro implantado em 1964.

– Contra a corrupção, especialmente se envolver políticos de esquerda, sem a mesma verve quando se trata de algum corrupto de direita.

– Sempre pronto a chamar de petista quem lhe pisar nos calcanhares.

– Estrategicamente convencido de que a corrupção no Brasil foi inventada pela esquerda.

– A favor da universidade pública para os melhores, desde que o sistema não se alterne e os melhores continuem sendo majoritariamente os filhos dos mais ricos e com melhores condições de preparação e de ganhar uma corrida pretensamente objetiva e neutra.

– Defensor da ideia de que, na vida, é cada um por si, salvo se houver quebra de safra, redução nos lucros, crise econômica internacional ou qualquer prejuízo maior. Nesses casos, o Estado deixa de ser tentacular, abstrato e opressor para ser uma associação de pessoas em favor dos interesses da sociedade na sua totalidade.

Faça o teste: quem preencher 60% dessas características é um lacerdinha.

Teste definitivo: lacerdinha é todo cara que se ofende ao ser chamado de lacerdinha.


Mujica e os homens do ano


Pepe Mujica

Juremir Machado da Silva


Tarefa muito difícil a de escolher o homem do ano.

Ao menos quatro candidatos, em situações muito diferentes, despontam: o grande Nelson Mandela, que se foi deste mundo, o heroico João Goulart, cujos restos mortais foram exumados, o desconcertante Pepe Mujica, que recolocou o Uruguai na vanguarda da América Latina e até do mundo, e o devastador Edward Snowden. Mas não tenho a menor dúvida: o homem do ano 2013 é Edward Snowden.

Assim como, antes dele, Julian Assange merecia esse destaque.

Mandela foi o homem do século XX. Representou a luta contra o racismo e a vitória sobre o ressentimento. Um super-homem. Jango, tendo sido assassinado ou não, será o homem de 2014. As rememorações de golpe midiático-civil-militar de 1964 mostrarão o quanto ele tinha razão. 

Mujica fez do Uruguai o país do ano para a revista inglesa “The Economist”, que diz: “As realizações que mais merecem louvor, pensamos, são reformas pioneiras que não se limitam a melhorar uma única nação, mas que, se emuladas, podem beneficiar o mundo. O casamento gay é uma política que ultrapassa fronteiras, aumentando a soma global de felicidade humana sem nenhum custo financeiro”. A publicação rasgou-se em elogios a Mujica.

Sobre a legalização do cultivo de maconha, “The Economist”, revista de referência dos liberais, para desespero dos proibicionistas, não pipocou: “Esta é uma mudança tão obviamente sensata, dificultando a vida dos bandidos e permitindo que as autoridades se concentrem em crimes mais graves, que nenhum outro país fez isso. Se os outros seguirem o exemplo, e outros narcóticos forem incluídos, o dano que tais drogas causam no mundo seria drasticamente reduzido”.

O Uruguai deu um salto civilizacional. O velho tuparamo, convertido em reformista tranquilo, está mostrando, mais uma vez, os limites do direitismo. Só os cegos ideológicos ainda não compreenderam que a política da repressão total micou.

Edward Snowden é outro caso. Na chamada era da informação e da comunicação, ele encarna a transparência contra as razões de Estado. O Brasil deveria fazer todo o possível para dar-lhe asilo e ainda condecorá-lo com nossa principal medalha. Snowden tornou-se inimigo público número um dos Estados Unidos por ter feito muita verdade podre aparecer. É daqueles que precisam pedir desculpas por ter razão. Trata-se de prática muito comum. Os donos do poder, mesmo de qualquer poderzinho mixuruca, não suportam ser contrariados. Claro que muito capacho acha normal que os Estados Unidos espionem todo mundo.

O poder tem horror à transparência. Sente coceira. Pune severamente quem a pratica. Snowden garante “que alguns governos estão montando um sistema de vigilância mundial para rastrear secretamente como vivemos, com quem conservamos e o que dizemos”. Isso se chamava, não faz muito, de prática de regimes totalitários. 

Terão os Estados Unidos da América tomado o lugar da extinta União Soviética no controle diário da vida privada das pessoas? 

Snowden representa uma pedrada no Big Brother. Isso é ótimo. Todo Big Brother é um lixo.

E vem mais por aí.

Postado no blog Juremir Machado da Silva em 26/12/2013


Professor ontem e hoje



Juremir Machado da Silva

Dia do professor. Eu sou um deles. Professor universitário. Adoro o que faço. Fico impressionado com a renovação de nossas energias. A cada semestre, tudo recomeça. Patinamos um pouco. E lá vamos nós. Depois de algum tempo de férias, bate a saudade dos alunos, das aulas, da rotina escolar.

Há muitos mitos em torno da vida de professor.

É certo que ser professor de universidade e ser professor de ensino fundamental ou médio, principalmente em certos lugares, é muito diferente.

O primeiro mito é que os alunos de antes eram melhores.

Em quê?

Em alguns matérias, com certeza. Em latim? Em cultura geral? O aluno de hoje tem acesso a uma carga de informações jamais vista. Em 1980, uns dez por cento dos alunos chegavam a curso de jornalismo falando inglês. Essa proporção hoje é muito maior. Durante muito tempo, a universidade esteve restrita às elites. Havia um saber padrão trazido de casa.

Hoje o ensino está mais democrático. Isso abre espaço para alunos com formação de base mais deficiente. Em contrapartida, as tecnologias da informação despejam todo tipo de conteúdo em cima de todos e suprem lacunas como nunca antes.

Mudaram os métodos e certos conteúdos. O que se precisa saber?

O ensino de antigamente era baseado na decoreba.

Inteligente era quem tinha uma excelente memória.

Quem falava três línguas era considerado gênio.

Quem sabia a lista dos imperadores romanos era um “cabeção”.

Não funciona mais assim. A memória artificial acabou com a importância da memória natural. Importante é ter boa cultura e saber procurar.

Outro mito se refere à suposta falta de respeito dos alunos.

No popular, aluno bate em professor.

Antigamente professor batia em aluno.

A sala de aula era o reduto de um mestre autoritário, despótico, ditador, um tirano que punia com palmatória e, depois dela, com castigos e humilhações: colocava atrás da porta, de joelhos, em cima do grão de milho, expulsava da sala de aula, usava palavras duras, insultava, berrava, pisoteava.

Eu vi isso em sala de aula. Eu fui para trás da porta. Eu vi meus colegas de joelhos no canto da sala. Eu vi um colega no grão de milho. Eu vi um aluno com chapéu de burro. Na semana da pátria, aluno desfilava como soldado. Não podia errar o passo. Marchava como um soldadinho da ditadura.

O aluno era adestrado por professores tirânicos.

Exagero? Foi na pré-história? Não. Há menos de 50 anos quase tudo isso ainda existia. O professor não podia ser questionado. É possível que, em certas situações atuais, o aluno não possa ser questionado e humilhe o professor.

Estamos em busca do equilíbrio.

Na minha experiência de professor só tenho encontrado alegria: alunos carinhosos, afetivos, gentis, inteligentes, questionadores e amigos.

Sempre pode ter algum diferente. São jovens, na flor da idade, cheios de energias, de dúvidas, de tantas coisas para ver e fazer. Eu os entendo.

O mundo mudou.

O professor de antigamente não era um tirano por querer. Refletia o seu tempo. A família também era assim. O pai era o chefe autoritário da família. Articulava carinho com despotismo. Impunha-se como um rei furioso.

Eu vi um pai obrigar o namorado a casar com a sua filha, com um revólver na cabeça do rapaz, por ter descoberto que eles andavam tendo relações sexuais.

Muitos sentem saudades desse tempo idílico do autoritarismo e de violência. É mais difícil ser pai e professor nestes tempos atuais de negociação e de limites à autoridade. O respeito agora deve ser recíproco. O diálogo se impõe.

Um professor hoje só se faz respeitar pela competência, pela capacidade de dialogar, pela arte de transmitir saber e por ser capaz de ouvir e discutir.

Pela disciplina autoritária ninguém mais se faz admirar ou respeitar.

Só vale a hierarquia do convencimento, do envolvimento, da competência.

Aprender não é sofrer. É sentir prazer. Nem tudo pode ser divertido. Mas nada precisa ser feito na base dos castigo e das reprimendas raivosas.

Impor limites é, antes de tudo, limitar o poder da disciplina arbitrária.

Ser professor é maravilhoso. Um desafio que se renova com o tempo.

Nossas escolas foram durante a maior do tempo excludentes. Só agora os não brancos começam a entrar realmente em certos cursos antes reservados, sob a suposta cobertura do mérito, para os filhos dos donos do poder. Era a reprodução da desigualdade por meio da meritocracia dissimulada. Não havia igualdade de preparação. Em consequência, não havia igualdade de disputa.

E, grosso modo, ainda não há.

Mas uma fresta se abriu com as cotas.

O mundo universitário está ficando mais colorido.

O universo escolar está mais complexo.

Só os simplistas juram que o passado era melhor.

Melhor para quem?

O melhor presente para os heroicos professores é salário melhor.

Quem diz que o salário não é o principal, manipula, mente, falseia. O professor é tudo. É a base de todas as outras profissões baseadas em educação formal. Os salários no ensino fundamental e médio continuam ínfimos.

Não dá para pagar mais?

Dá. Mas para isso a sociedade precisa redefinir as suas prioridades.

Postado no blog Juremir Machado da Silva em 14/10/2013


Sou contra cercar o Parque da Redenção











Juremir Machado da Silva

Li que há novo projeto para cercar o Parque da Redenção.

Sou contra.

Algo em mim se opõe instintivamente a essa iniciativa que me soa melodramaticamente como uma tentativa de colocar pássaros tristes numa gaiola. Já há grades demais na cidade.

O grande pensador Zygmunt Bauman diz que o mais recorrente conflito da humanidade é entre segurança e liberdade. Mais segurança, menos liberdade. Mais liberdade, menos segurança. Em Paris, eu frequentava o belo e cercado Jardim de Luxemburgo. Por que me oponho a que a Redenção seja cercada? Porque no Luxemburgo eu sempre me sinto como uma andorinha numa gaiola dourada.

Vivemos com grades nas portas dos nossos apartamentos. Saímos de casa para caminhar nos parques desejando sorver ar fresco, sentir cheiro de plantas, contemplar o voo dos passarinhos, ver crianças correndo e experimentar uma estranha e passageira sensação de segurança e de liberdade ao mesmo tempo. Um parque gradeado fere a minha mais primitiva noção de autonomia. Parece uma confissão de que a humanidade já nada mais espera de si mesma.

Outras perguntas me assaltam: por que a Redenção? Por que não o Parcão? Subitamente a verdade se ilumina diante dos meus olhos como um flash de antigas máquinas de fotografia: primeiro a Redenção, depois o Parcão, por fim todos os parques e praças. Mais tarde, talvez, roletas nos portões e seleção na entrada. Quem sabe, por que não?, espaços para gente VIP e para vipões.

Há, por trás dessas propostas, consciente ou inconscientemente, um desejo pérfido, ainda que bem-intencionado, de distinção, de separação, de higiene social, de criminalização do cotidiano e de criação de paraísos artificiais urbanos. Um parque cercado é um shopping center segregacionista ao ar livre. A Redenção já foi o espaço dos escravos e libertos em busca de um lugar para esquecer dos seus suplícios.

A sabedoria popular não lhe concede o nome oficial de Parque Farroupilha, homenagem em Porto Alegre – cidade que jamais aderiu aos separatistas – aos que traíram os negros em Porongos. Cercar a Redenção parece uma maneira simbólica ou imaginária de reinventar alguns grilhões.

Por toda parte cresce esse medo do outro. Esse outro que para muitos ainda é o mesmo: o pobre, o miserável, o não branco, o excluído, o periférico. Claro que pode ser apenas o bandido de qualquer cor ou origem social.

Será que, na mente dos adeptos das grades, é assim? Fico amargo. Sinto que avançamos, sem retorno, para a vida em cidades de segurança máxima e de liberdade mínima. Torno-me exagerado.

Prevejo, num futuro próximo, medidas contra a entrada nos parques de passarinhos sem registro e sem controle por GPS. Imagino parques nos quais só se terá acesso com carteira de sócio e recomendação especial.

E, por que não?, parques privatizados, administrados por empresas especializadas, acessíveis apenas aos bons cidadãos e com taxa de ingresso. Os parques, nas planícies de concreto, são as últimas reservas de natureza e liberdade. Perderemos a luta. Eles serão gradeados.

O monstro dos olhos turvos, o bom senso comum, sempre nos impõe a sua preferência pela segurança total.

E tem defensores midiáticos hediondos e histriônicos.


Postado no Blog Juremir Machado da Silva em 05/10/2013




Em defesa dos desafinados e dos sem mérito



Juremir Machado da Silva*

Admiro o mérito.

Mas posso ser contra.

Pode não haver mérito no mérito. É um dom.

O sujeito nasce com um talento. Nem sempre o aproveita. Pode desperdiçá-lo. Mas não pode inventá-lo. Ou tem ou não tem. Não há treinamento capaz de me fazer virar Neymar. O problema é que, como diz a canção, “no peito dos desafinados também bate um coração”. 

O mérito é questão de sorte, de destino, de roleta natural. Uma sociedade justa premia o mérito. Uma sociedade ideal premia o mérito e protege os sem mérito. Todos nós.

Cheguei a uma conclusão absolutamente original: este mundo é uma esculhambação. Como pode estar certo um mundo em que as pessoas quando ficam velhas e mais próximas das doenças se aposentam e passar a ganhar menos? Deviam ter economizado para viver bem?

Quantos conseguem realmente fazer isso na vida?

O aposentado deveria receber um prêmio. Ganhar mais para terminar bem os seus dias. Nenhum país tem como sustentar tal sistema? Depende. 

Ao contrário do que dizem os simplórios, não sou comunista nem jamais foi marxista. Estou mais próximo da social-democracia, da doutrina social cristã e do trabalhismo como doutrina social. 

O mérito faz bem à sociedade. Aqueles que têm mérito, contudo, precisam converter esse mérito em benefício da sociedade, não apenas em privilégio próprio.

O que fazer com todos os que nascem sem talento especial? O sistema da competição total, o da lei do mais forte, apresenta uma solução simples: esquecê-los. Que se virem. Azar deles. 

Na alta, o especulador, o “yuppie”, como era chamado em 1980, despreza toda legislação trabalhista. Na baixa, vive de seguro-desemprego e de proteção social.

Por que estou falando tudo isso? Sei lá. Porque estou ficando velho. Por que ainda não esqueci a peça no São Pedro com o filho limpando o velho que sujava o fraldão. Porque me horroriza esta sociedade organizada para o bem passageiro dos jovens, ricos e sem problemas de saúde. 

Como pode um mundo no qual todos estão de passagem ser organizado como se todos fossem eternos? O discurso do mérito, que tem seu valor e legitimidade, é uma forma mais sofisticada e renovada da lei do mais forte.

Estou querendo favorecer o preguiçoso? Longe de mim. Preguiça se combate e até, vez ou outra, se vence. Meu problema é com a falta natural de talento. 

Os sem talento devem chupar o osso? Somos todos coproprietários deste condomínio chamado universo.

O sujeito que enriquece com talento para explorar petróleo explora um manancial coletivo. Ah, meu negócio é o Eike Batista?

Nem tinha pensado nesse energúmeno. Por que essa violência, essa deselegância, essa raiva, essa grosseria? Sei lá. Foi só para impressionar. Acho. 

Como pode uma maioria sem talento nem mérito se curvar diante de uma minoria que estabelece os critérios da sua meritocracia? 

Agimos todos como se não fôssemos envelhecer. Gostamos de pensar que seremos a exceção. Afinal, temos os nossos mérito. 

Eu só acredito em sociedades capazes de garantir a felicidade dos sem mérito. O contrário é muito fácil.


* Escritor, jornalista, historiador e professor universitário


Postado no Blog Juremir Machado da Silva em 30/09/2013




Internet e as interações sociais



Livro Aberto 27/05/13 - com Alex Primo



As dez maiores bobagens do homem “midiocre”




Juremir Machado da Silva

O homem “midiocre” não vive sem suas telas e sem a mediação do hiperespetáculo. Considera o universal abstrato como uma garantia de critérios concretos de racionalidade. Como se recusa a ter noção de contexto histórico, produz uma “pérola” atrás da outra para o imaginário do absurdo. A seguir algumas das suas crenças ou dogmas mais hilariantes e repetidas.

1 – Ainda precisaremos criar o dia do Orgulho Hétero.

2 – Se é preconceito racial chamar negro de crioulo, de negão ou de negrão, também é racismo chamar alemão de branquelo ou simplesmente de alemão ou de alemão batata.

3 – Eu domino a minha televisão com o controle remoto.

4 – Nunca houve tanta corrupção no Brasil como hoje.

5 – O bolsa-família estimula a preguiça.

6 – Os imigrantes europeus sofreram tanto quanto os escravos africanos quando vieram para o Brasil.

7 – Não há discriminação racial no Brasil nem homofobia. Chamar negrão de macaco não significa necessariamente racismo. Não gostar de gay não quer dizer homofobia. É preciso saber diferenciar as coisas.

8 – O politicamente correto cerceia a liberdade de expressão, impede a criatividade, o humor e a crítica e é preconceito contra o preconceito.

9 – Alunos cotistas não conseguem seguir o ritmo dos colegas universitários, ficam para trás e têm sempre maior evasão.

10 – Não existem mais ideologias nem direita e esquerda.


Postado no Blog Juremir Machado da Silva em 11/04/2013
Imagens inseridas por mim

Nota

Homem midiocre é uma expressão criada pelo professor, jornalista e historiador em seu livro, que se relaciona com  "grande mídia". 

É uma expressão com duplo sentido, pois vem de "mídia" e "medíocre".


A SOCIEDADE MIDÍOCRE, A

PASSAGEM AO HIPERESPETACULAR 


Formato: Livro


Idioma: PORTUGUES

Editora: SULINA

Assunto: COMUNICAÇÃO


Os indignados de Porto Alegre








Juremir Machado da Silva

Tinha um personagem de tevê com este bordão: “Perguntar não ofende!” Será? É a primeira pergunta.

E se tivéssemos mais de aplaudir do que criticar esses jovens que tomaram as ruas de Porto Alegre em protesto contra o aumento das passagens de ônibus? 

E se eles estiveram quebrando o clichê de que a juventude é despolitizada? E se eles tinham razão?

E se o argumento de que eram manipulados por partidos extremistas for equivalente aos usados pela direita quando outros jovens se manifestavam contra a repressão durante o período ditatorial?

E se esses jovem são, como os da Espanha, da Grécia e dos Estados Unidos, os indignados de Porto Alegre? E aí?

E se a violência explícita que praticaram, sempre condenável, sem entrar no mérito de quem começou, foi a consequência perversa de outra violência pouca condenada, mas talvez mais grave, a violência implícita de um aumento nas passagens que não convenceu ninguém, pareceu abusivo e contrariou indicação do Ministério Público de Contas de que a tarifa deveria baixar? 

E se tudo isso foi a demonstração cabal de que os jovens não aguentam mais decisões de gabinete que parecem atender mais os interesses de empresas do que as necessidades do povo?

E se o aumento da passagem de ônibus devesse voltar a ser decidido pela Câmara de Vereadores?

E se as empresas de ônibus mostrassem quanto lucram por ano, mas não em porcentagem? Um milhão? Dois milhões? Dez milhões? 

E se esses jovens, empurrados pela adrenalina da psicologia das massas, caíram na armadilha da violência justamente para se deslegitimarem? 

E se eles aprenderem rápido a evitar qualquer provocação qual poderá ser a reação de quem possa desejar que uma decisão tomada seja engolida, assimilada e esquecida? 

E se, por ter o Tribunal de Contas do Estado considerado inadequada a metodologia do cálculo que vinha sendo usada, as empresas fossem obrigadas a devolver o que ganharam inadequadamente? Ou a inadequação não é retroativa?

E se esses jovem representam a coragem e a politização que os adultos “sensatos” não têm mais? E se esses jovens são nossos últimos heróis?

E se esses jovens estiveram clamando por transparência com perguntas cruelmente juvenis contra um pragmatismo senil: por que as empresas precisavam mesmo desse aumento? O que o justificava? A justificativa era convincente? 

E se esses jovens estiveram defendendo de peito aberto o interesse também dos mais velhos, as isenções para os idosos que já deram sangue e suor no trabalho e vivem com magras aposentadorias? 

Não teria sido esse aumento uma astúcia para derrubar o que as empresas gananciosas mais detestam e enxovalham: pessoas, jovens ou velhas, podendo andar de ônibus sem pagar ou pagando menos? 

E se tudo isso tiver sido uma estratégia para transformar os isentos em vilões das pobres empresas de ônibus da capital gaúcha?

E se, no outono, estivermos vivendo a primavera de Porto Alegre? A liminar da Justiça que restabeleceu a tarifa de R$ 2.85 dá muitas respostas.

Os indignados podem comemorar.


Postado no blog Juremir Machado da Silva em 05/04/2013
Imagens inseridas por mim


Jango, o subversivo, e a traição militar


João Goulart Presidente do Brasil 1961-1964 deposto pelo golpe militar de 1º de Abril de 1964 (golpe apoiado pelos Estados Unidos, pelas Organizações Globo e pela elite brasileira)


Juremir Machado da Silva

Nesta segunda-feira, a partir das 13h30, tem seminário na Câmara de Vereadores sobre o golpe de 1964. Almino Afonso e Waldir Pires, colaboradores de primeiro escalão de Jango, participarão. 

Depois de passar três anos estudando a vida de João Goulart e de ter lido mais de dez mil páginas de documentos sobre a sua ascensão, queda e morte no exílio, cheguei a uma conclusão devastadora: Jango era um subversivo.

Sim, os militares que o derrubaram, a serviço de civis conservadores e dos interesses dos Estados Unidos, traindo a a pátria, tinham razão: Jango era um perigoso subversivo.

A primeira subversão aconteceu quando ainda ele era ministro do Trabalho de Getúlio Vargas e convenceu o presidente a dar um aumento de 100% no salário mínimo. Pressionado por um manifesto de coronéis dotados de idealismo cívico e materialismo patronal, Getúlio demitiu Jango. Mas deu o aumento.

Nada mais subversivo do que um aumento desses em favor da ralé. Instalado no poder, Jango desandou a praticar ou a propor atos subversivos.

Um deles, dos mais perigosos e lesivos aos cofres dos patrões gananciosos, continua a melhorar os nossos fins de ano: em julho de 1962, o fazendeiro subversivo – guindado ao Planalto graças à loucura bem rasteira de Jânio Quadros – fez aprovar o décimo-terceiro salário.

Num país em que parlamentares ganhavam até poucos dias 15 salários por ano e continuam a inventar subterfúgios para mamar, Jango criou um décimo-terceiro salário para todo mundo. 

Não é coisa de comunista? Não se deve ter ódio de um homem que defende cem por cento de aumento no salário mínimo e concebe um décimo-terceiro salário para os trabalhadores? Ô horror!

A veia subversiva de Jango acentuou-se com o passar do tempo.

Numa nação de altíssima concentração de terras e de uma massa de miseráveis parasitada por uma elite estúpida, voraz e impiedosa, decidiu fazer uma reforma agrária. Aí foi demais!

As forças “sensatas”, “produtivas” e “ordeiras” da nação trataram de armar-se contra tamanho despautério. De quebra, Jango resolveu que era também necessária uma reforma urbana, fazendo com que imóveis fechados pudessem ser habitados.

Não satisfeito, queria também defender a população da alta dos preços. Num dos seus arroubos subversivos, achou interessante estender a legislação trabalhista ao mundo rural que continuava a viver na Idade Média.

A tendência subversiva de Jango era tamanha que ele, feito um louco vermelho, influenciado por doidos subversivos como Darci Ribeiro, pretendeu que os pobres também deveriam chegar às universidades. Uma loucura.

Por fim, atolado na subversão, começou a achar natural que subalternos de certos setores das forças armadas pudessem casar-se.

O subversivo Jango chegou ao ponto de semear a indisciplina nos meios militares considerando normal que detentores de postos inferiores pudessem “contrair” matrimônio.

Melhor nem falar na questão de votar e ser votado.

Agora entendo melhor os golpistas de 1964 que atuaram patrioticamente em favor dos Estados Unidos da América. 

Era preciso agir, derrubar o homem, afastá-lo do Brasil, impedi-lo de voltar, fazer tudo o que os EUA pedissem. Com ele no poder, o Brasil corria um risco terrível de ficar melhor.

Olhando para trás, penso que se pode perdoar Jango por quase tudo, menos pelo décimo-terceiro salário. Que ideia altamente subversiva!

Obrigar os pobres patrões a darem mais uma lasquinha dos seus modestos ganhos aos trabalhadores. Essa, com certeza, foi uma das ações mais subversivas de Jango. Só ela já justificaria o golpe. 

Depois, viriam a reforma a agrária, a lei da remessa de lucros para o estrangeiro e outras reformas de base.

Nunca a traição à pátria foi tão justificada.


* Juremir Machado da Silva é historiador, escritor, professor universitário.


Postado no blog Juremir Machado da Silva em 31/03/2013
Imagem inserida por mim assim como sua legenda


Diálogo sobre a censura em blogs




Juremir Machado da Silva

– Tem censura no teu blog?

– Tem moderação.

– Moderação, não. Tem censura.

– Prova.

– Toda vez que eu tento te chamar, no teu blog, de corno, imbecil, obtuso, idiota, burro ou algo semelhante, coisas assim, não sou publicado.

– Por que tu não me chamas de tudo isso no teu blog?

– Aí não tem graça.

– Ninguém te impediria. Não haveria qualquer “censura”.

– Ah, mas eu quero te esculhambar no teu blog.

– Posso fazer o mesmo contigo no teu blog?

– Ninguém lê o meu blog.

– Tu publicarias todo dia uma mala que escrevesse sempre o mesmo insulto profundamente ideológico e no post seguinte se queixasse de censura?

– Está falando de mim?

– Serviu o chapéu?

– Não é só quem insulta que não sai. Tem outros também.

– Tem. Mala não entra.

– Quem é mala? É um conceito muito vago.

– Não acho. Sou capaz de localizar um mala a três quilômetros de distância. Mala com alça, sai de vez em quando. Mala com rodinhas, dependendo do que diz, pode ter algumas oportunidades. Mala sem alça e sem rodinhas não sai nunca. Mala é mala. Qualquer um sabe que uma mala é uma mala.

– Poderia conceituar?

– Mala repete post.

– Só isso?

– Mala tem pensamentos mesquinhos.

– Nada mais?

– Todo mala é um ideológico que se acha não ideológico. Tem mala que não insulta. Tenta fazer intrigas. Gosta de semear a maldade. Mala ruim.

– Algo mais?

– Mala nunca desiste.

– É uma ofensa ser mala?

– É pior do que homofobia e racismo. Ou é uma espécie disso. Todo mala deve ser cortado em benefício da saúde mental da humanidade.

– E se te chamarem de mala?

– Eu sou mala. De alguém. Cabe a esse alguém me cortar. Mala é sempre dos outros. Ninguém se acha mala. Ninguém é mala de si. A principal característica do mala é querer esculhambar os outros no seu terreno e chamar isso de liberdade de expressão. O mala não acredita nos seus meios.

– Não sente culpa de censurar?

– Censurar mala é obrigação de todo espírito livre.


Postado no blog Juremir Machado da Silva em 24/03/2013