Não espero ser entendido por todos, mas sei que serei, ao menos, por alguns que hoje têm a mesma idade.
Como disse um dos meus filhos, anos atrás, ao ver a camaradagem com amigos dos tempos de faculdade, surpreso: “é interessante ver que você já foi jovem, porque quando eu nasci, você já era velho”.
Hoje, engraçado, ele é tão “velho” quanto eu era quando ele nasceu.
O tempo tem estes caprichos universais: passa para todos.
E, como a democracia, em algo nos corrói, em algo nos afirma.
Temos mais cansaço, mais vícios, mais teimosias. Ficamos mais exigentes e também mais “reclamões”.
Mas também sabemos um pouco mais sobre os caminhos, sobre os personagens, sobre a história.
Não porque sejamos mais espertos, mais sabidos; apenas porque já os vimos.
Entendemos o que o Lupicínio Rodrigues quis dizer quando escreveu dos que “deixam o céu por ser escuro e vão ao inferno à procura de luz”.
Eu nunca fui petista, todos sabem, mas muitos dos meus amigos o são e muitos mais ainda eram e foram se afastando porque viram o tempo e a vida darem ao petismo os defeitos, que são um ímã que atrai e ao qual nem sempre se tem como resistir, exceto com esta força a que temos: as nossas ideias e os nossos valores.
Hoje, porém, a minha geração tem um desafio tão grande quanto tinha a daquele guri magrelo que corria à frente das passeatas.
É o de evitar que os jovens deste país tenham de, dentro em pouco, viver os medos que nós vivemos.
Dos dias em que a um “o que você acha”, respondia-se, numa lúgubre brincadeira: “eu não acho nada, porque o último que achou ainda não acharam”.
Em que se punia, prendia, batia e até matava pelo que as pessoas pensavam.
Não eram uns malucos que hoje agridem alguém por vestir uma camiseta vermelha, não.
Era o Estado, com a sua polícia, com os militares desviados de suas funções de defender o País para o indigno papel de beleguins de um regime e – sim, pessoal, porque já havia – suas excelências, juízes e promotores, todos muito empolados e respeitáveis, legitimando as cassações de direitos, as prisões, os encarceramentos e até as execuções, mal disfarçadas em “tentou fugir”, “resistiu à prisão” ou “enforcou-se na cela”, como Vladimir Herzog.
E os jornais diziam sim, que era assim, que eram os “terroristas”, que eram os “corruptos”, que eram os inimigos da família e da pátria.
Tempos que começaram, quem diria, com senhoras e senhores da classe média clamando por “moralidade” e dizendo que o Brasil “jamais seria vermelho”.
Tenho o direito de dar este pesadelo a meus filhos?
Não vou à rua, hoje, para defender o PT.
Nem Dilma, nem apenas defender o Lula, pelo quanto ele representou e representa para o povão deste país.
Muito menos me defender, que já vivi a vida e não tenho do que reclamar, porque ainda tenho o que dizer e gente que me escute, lendo, muito mais gente do que já poderia ter um dia sonhado.
Naqueles dias, fui às ruas por mim, não hoje.
Vou à rua defender meus filhos e os netos que um dia terei e já nem sei se os verei.
Vou à rua defender meu avô, que mal sabia escrever e formou a filha professora, porque houve um Getúlio e vou à rua defender minha mãe, que já se foi, porque ela temeu pelo filho que se metia em passeatas.
Vou à rua defender aquilo sem o que a vida não tem sentido: a liberdade de que cada um seja o que é e não como querem que seja.
Vou à rua porque meu filho estava enganado.
Porque um homem só envelhece quando lhe tremem não as mãos, mas a mente, e ele e deixa, sem vontade própria, que seus passos sejam guiados.
Vou à rua porque só se morre quando o coração não bate e o cérebro para.