A herança de Lula





Pedro Maciel


Assisti novamente essa semana ao documentário Capitalism: A Love Story, do diretor Michel Moore. A falta de regulação do Estado foi o que possibilitou que as operações do sistema financeiro se tornassem muito complexas e foi ela que deu carta branca para as grandes corporações, especialmente os bancos, lucrassem à custa do interesse público e da boa-fé o povo americano. Todos aqueles que defendem o "Estado mínimo" e "marcos regulatórios simples e flexíveis" deveriam assistir, pois estão na realidade defendendo interesses corporativos, os quais colidem com qualquer projeto de desenvolvimento econômico e humano com características de sustentabilidade.

Depois de assistir ao documentário, tive certeza do grande significado das vitórias de Lula, pois apesar da "carta aos brasileiros" e da incapacidade de seus governos romperem com práticas que deveriam ter denunciado no primeiro dia de governo em 2003, foi graças à esquerda que muita coisa boa, algumas excepcionais, aconteceram nesses anos. Hoje quero escrever sobre Lula, sobre a vitória do mito e seu trabalho na presidência.


A vitória do migrante nordestino, torneiro mecânico, líder sindical, militante de esquerda e fundador do PT Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi um marco na história recente do mundo, com consequências inéditas, mediatas e imediatas para o Brasil e para todos os países do hemisfério sul, sua eleição, decisão soberana do povo brasileiro inaugurou um novo ciclo político, econômico e social no país.

A partir de 2003 foram colocados no centro do poder forças democráticas e progressistas. E a primeira grande tarefa foi reverter a decadência nacional, obra do neoliberalismo representado no país pelos herdeiros da UDN e da ARENA, não sem antes firmar um pacto com o mercado, a "carta aos brasileiros".

Houve acirrada batalha política, mas a democracia venceu, não sem baixas e mártires, a soberania nacional foi restabelecida, o povo obteve conquistas e um novo projeto de desenvolvimento passou a ser implantado.

O governo teve de superar a grave crise econômica que herdou, venceu também e livrou o país do projeto neocolonizador da ALCA e pôs fim à tutela do FMI, o que não é pouco.

Com Lula foi possível tomar posições que permitiu ao país retomar o desenvolvimento através de investimentos diretos, ainda com limitações é verdade, mas sempre voltado para a manutenção da soberania, ampliação da democracia, distribuição de renda e integração da América do Sul.

Dos oito anos de um governo, que não foi apenas do PT, comprometido com o Brasil podemos destacar a redução da inflação, que caiu de 12,5% a.a. em 2002 para 5,7% a.a. já em 2005; aumento real do salário mínimo; quitação da divida externa; redução dos juros básicos; aumento das exportações; aumento e manutenção do superávit comercial (até 2006, por exemplo, ultrapassou os US$ 102 bilhões, sendo que nos oito anos do governo FHC tivemos um déficit comercial acumulado de US$ 8,7 bilhões); diminuição da concentração de renda; até 2006 o superávit em transações correntes acumulava US$ 29,5 bilhões, contra um déficit de US$ 186 bilhões nos oito anos dos tempos das falácias neoliberais; a produção industrial aumentou cerca de 11%; a taxa de desemprego caiu de 12,2% em novembro de 2003 para pouco mais de 5% em 2010; foi criado o ProUni, que está permitindo que centenas de milhares de jovens carentes possam frequentar uma Faculdade; o crescimento do PIB em 2010 foi de 7,5%, o maior em décadas; a relação dívida/PIB (que mostra se o país está numa situação financeira boa ou ruim) caiu de 57,5% para 35%; a redução da carga tributária incidente sobre às micro e pequenas empresas, as quais tiveram o limite para enquadramento Simples aumentado em 100%; nunca é demais lembrar que o IGP-M fechou 2005 com menor taxa da história (apenas 1,21%).

Nos oito anos de era Lula, o ensino superior foi uma das áreas que ganhou destaque no balanço de ações do governo entre 2003 e 2010. O agora ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva gosta de dizer que foi ele - um metalúrgico - quem mais construiu universidades e escolas técnicas no país. Mas qual é o legado que ele deixa para a presidente Dilma Rousseff e para a nação?

Para a professora Elizabeth Balbachevsky, da Universidade de São Paulo (USP), um dos principais avanços do governo Lula foi trazer para o debate a questão da inclusão e da ampliação do acesso ao ensino superior, envolvendo as instituições públicas e privadas. Dados divulgados pelo MEC mostram que as matrículas no ensino superior passaram de 3,94 milhões em 2003 para 5,95 milhões já em 2009 - um aumento de 66%, e isso não pode ser ignorado ou mitigado, especialmente porque "O setor público, em particular, sempre foi muito impermeável a esse debate", aponta a especialista.

Apesar da expansão que as universidades federais viveram durante o governo Lula, as vagas dobraram até o fim de 2010 em comparação a 2003, elas ainda não seriam capazes de absorver toda a demanda (e provavelmente nunca serão), por isso foi criado o Programa Universidade para Todos (ProUni). Ideia do então ministro Fernando Haddad, foi lançado sob fortes críticas, mas hoje se mostra uma política bem-sucedida de inclusão. A partir dele, o setor privado passou a ser um parceiro do governo federal na garantia do direito à educação.

Mas para mim a retomada da capacidade de investimento do Estado é a herança maior que o governo Lula deixou, além da criação de um mercado interno forte que nos salvou da grande crise financeira internacional de 2008. Aliás, depois de 30 anos, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro voltou a figurar entre os maiores do mundo. Numa lista de 16 países, o avanço de 7,5%, observado no ano passado, só foi inferior ao alcançado por chineses e indianos - 10,3% e 8,6%, respectivamente.

Com um PIB de R$ 3,675 trilhões em 2010, corresponde a US$ 2,089 trilhões, o Brasil ultrapassou a Itália no ranking do FMI, que registrou um PIB de US$ 2,037 trilhões, e tornou-se a sétima economia do mundo e na contramão da economia brasileira, países desenvolvidos como os Estados Unidos, registravam avanço de apenas 2,9% naquele 2010 e os países da União Europeia tiveram um desempenho ainda pior. E esse sucesso do governo Lula não pode ser creditado ao acaso ou apenas à sorte como insistem os neoliberais herdeiros da UDN.

Apesar disso tudo um promotorzinho egocêntrico (e que já levou pito de seus chefes) quer investigar se o maior estadista da História do Brasil é dono de um apartamento no litoral Paulista (E não vou nem falar do Juiz Moro e dos Bad Boys do MPF paranaense).

Investigar não é o problema, ninguém está acima da lei, o problema é que a investigação nasceu como espetáculo midiático, nasceu com o promotor procurando a revista Veja, panfleto que se opõe a Lula e que o persegue. E, cá entre nós, não se trata de investigação séria, trata-se de movimento tático que cria conteúdo negativo para uso e abuso da oposição udenista.

Acredito também que o grande desafio, na atualidade, seja conduzir o processo político a um patamar mais promissor, afastando a "Judicialização da Política" do nosso cotidiano, pois o Brasil precisa e tem condições de efetivar fazer debates dessa natureza na arena Política e com efetiva participação da sociedade para, a partir daí, superar a condição de nação subjugada, "periférica" ideia que a elite colonizada e incautos de todo gênero insistem e nos impingir, ideia que Lula jamais aceitou.


Postado no Brasil 247 em 19/02/2016



Nota


Poderia criticar os governos do PT no sentido " micro ", pois prejudicaram-me, enquanto Servidora Pública Federal, não dando todas as reposições salariais anuais e de acordo com a inflação, dando apenas reposições bem abaixo da inflação e uma vez ou outra.

Mas, também, não esqueço que nos governos Collor e FHC, os servidores públicos federais perderam muitos direitos e nossos salários ficaram congelados todo o tempo. Além de serem governos de Direita e governaram para os mais ricos. 

Procuro me abstrair da análise " micro " e fazer uma análise " macro ", no sentido de Brasil e povo brasileiro. 

Então Lula fez o melhor governo da história deste país ! Por tudo que o texto acima detalha.

Dilma fez um primeiro mandato muito bom até 2014. Agora, só não está melhor pelo boicote que sofre dia e noite da mídia corporativa e totalmente tendenciosa, do Congresso com a oposição mais corrupta que já houve, da Justiça Federal, da Polícia Federal e Ministério Público, todos do Paraná e São Paulo, totalmente aparelhados pelo PSDB, que criaram a operação Lava Jato para " fazer de conta " que combate a corrupção, mas que comete arbitrariedades absurdas e paralisa o Brasil e as grandes obras na construção civil, nos estaleiros, na Petrobras, na aeronáutica, na energia nuclear, gerando milhares de desempregados. Além de não combater a corrupção de todos os partidos, inclusive do PSDB, é claro.

Sabemos bem que todos estes boicotes são feitos com a única finalidade de impedir a volta de Lula em 2018. 

O povo, na Argentina, está indo às ruas contra o governo Macri e seu Neoliberalismo. Ele está fazendo um governo de direita, o mesmo que Aécio Neves faria aqui.

O povo está sofrendo com 700% de aumento na luz, apagões de luz escalonados, a cada dia para 400 mil residências, corte de benefícios criados pelo governo de esquerda da ex-presidente Cristina, entre muitas outras perdas. Sem falar na volta do domínio dos interesses dos Estados Unidos sobre decisões do governo.

O povo argentino está nas ruas, mas a nossa mídia não mostra, pois não interessa à Direita brasileira, que nosso povo veja o que é um governo de direita.

E além de boicotar o Governo de Dilma, a mídia inventa, mente, vaza sem provar nada, manipula para que pessoas suscetíveis repassem estas informações que não refletem a verdade dos fatos.

Estas pessoas são chamadas de “ midiotas “, termo criado pelo escritor Juremir Machado da Silva, sem querer ofender, apenas designar as pessoas manipuláveis pela mídia, assim como o termo “ Homer Simpson “ , que também designa estas pessoas, termo este, aliás, muito usado por William Boner, editor do Jornal Nacional, nas reuniões internas para determinar quais as notícias e pautas que irão ao ar, quais as que não irão, ou quais as notícias que devem ser " manipuladas ", conforme depoimentos de jornalistas que já participaram destas reuniões.

Quanto à corrupção, sempre houve, em escala muito maior em outros governos, inclusive todos os corruptos presos foram nomeados por FHC, nenhum por Lula ou por Dilma, a qual, inclusive, demitiu alguns já em 2012. Quanto ao mensalão do PT, todos os grandes juristas brasileiros, profissionais do Direito e pessoas bem informadas sabem que foi uma farsa criada em 2006, por alguns procuradores e juízes do STF e que militam pelo PSDB, para que Lula não se reelegesse. 

As denúncias de corrupção nos governos anteriores aos governos do PT eram engavetadas e a mídia, que apoiava estes governos, escondia tudo. Como, aliás, continua fazendo com políticos da oposição, principalmente, se forem do PSDB.

Nenhum governo criou tantos instrumentos, nem deu tantos recursos para o combate à corrupção como este governo da Presidente Dilma. 

Pena que estes recursos estão sendo usados para as arbitrariedades e estripulias da Operação Lava Jato, que foi criada, única e exclusivamente, para paralisar o Governo Dilma e difamar a imagem de Lula, e não está combatendo a corrupção, pelo contrário, está blindando os mesmos de sempre, para que voltem ao poder em 2018 para voltarem a roubar e governarem, novamente, só para os ricos e para os interesses dos Estados Unidos e do Capital Internacional.



Rosa Maria 


Amizade em poesia




Amigo Aprendiz


Quero ser o teu amigo.

Nem demais e nem de menos.

Nem tão longe e nem tão perto.

Na medida mais precisa que eu puder.

Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,
Da maneira mais discreta que eu souber.

Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.

Sem forçar tua vontade.

Sem falar, quando for hora de calar.

E sem calar, quando for hora de falar.

Nem ausente, nem presente por demais.

Simplesmente, calmamente, ser-te paz.

É bonito ser amigo, mas confesso: é tão difícil aprender !

E por isso eu te suplico paciência.

Vou encher este teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo de acertar nossas distâncias.


Fernando Pessoa



Não faça drama. Faça dar certo




André J. Gomes

Liga não. Essas caras de fúria, esses olhos arrogantes fuzilando quem está perto, essa gente que não responde quando você diz “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”, esses carros acelerando no farol vermelho contra as faixas de pedestre, nenhum deles vai mudar se você explodir. Respira, se apruma, segue em frente. Deixa-os lá atrás.

Não, o fato de tomar distância de quem lhe faz mal não torna você pessoa conformista. Faz de você alguém no exercício de sua inteligência e de sua liberdade. Ser livre é poder largar mão de quando em vez. E eu tenho a impressão de que não se pode mudar um canalha, um esnobe ou um criminoso jogando na cara dele o quanto ele está enganado. Quase sempre, só vai ajudá-lo a se tornar pior. Melhor se afastar.

Postar-se de pé no meio da rua para frear um ônibus que vem acelerando, e cujo motorista não vai parar no ponto por pura maldade, não vai fazer de você um herói. Vai transformá-lo em suicida. Reagir a um assalto explicando ao ladrão que o que ele deseja fazer é uma sacanagem só vai piorar as coisas. Os mais velhos davam a isso o nome de “murro em ponta de faca”. Não adianta. Melhor é sair da frente do touro, correr até um lugar seguro e pensar com seus botões: “mas por que raio esse touro está tão bravo?”.

Saia de perto e pronto. Tomar distância de quem o desagrada não é covardia, não. É um gesto de coragem. Também não é a solução para todos os males, é só uma estratégia: ao se afastar de quem lhe faz mal, você se aproxima daqueles a quem ainda pode fazer uma coisa boa. Pequenas e importantes atitudes de bondade alimentadas todos os dias, a qualquer hora. Gestos simples e boas ações a quem quer que seja. Caminhando, você vai saber quem são essas pessoas e o que fazer de bom a elas.

Aos poucos, com o trabalho árduo de cada um, a bondade, a gentileza, a educação, o respeito e as intenções amorosas serão mais fortes, maiores, irrebatíveis, incontornáveis. Então a sanha dos seres com motivações maldosas vai morrer à míngua, aos poucos, até se tornar tão insignificante que na prática deixará de existir.

Olha, fácil não há de ser. A vida não é videogame. Pena, mas a gente não escolhe entre os modos easy, médium, hard. A gente encara o que vem. Trabalha, cuida, se esforça, planeja, pratica, cai, levanta, espera, vai em frente. E por mais que a gente aprenda tem sempre um enrosco desconhecido ali na frente, nos obrigando a aprender de novo depois de um ou um milhão de erros.

Tentemos. Tentemos com teimosia e esforço. Não ajuda fazer drama. É preciso fazer dar certo. É o único jeito. Para fazer dar certo o amor, a amizade, a família e a vida é preciso trabalhar. Tem de acreditar e pôr em prática. Bom dia, boa tarde, boa noite, por favor, obrigado, com licença, pois não, você primeiro. Vamos que há tanto trabalho à espera e um mundo inteiro para fazer dar certo. Mãos à obra!


 André J. Gomes  André J. Gomes é jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.


Postado no Conti Outra



Chorar vale mais que uma boa dose de tranquilizantes





Quando anoitece e a razão escurece, ascende clara a ferida. São dias em que a alma sente dor, uma dor tamanha que é impossível ignorar. Então a gente chora. Chora sim. 

A gente se socorre no choro, enquanto tenta fazer escorrer em lágrimas o que precisa sair, descer ou desfazer. O choro é chuva que varre a dor, é uma atrevida tentativa de fazer a tristeza fugir do olhar. Enquanto escorre, a lágrima faz curva na angústia, faz o instante condoer-se em dilúvio. 

Chorar é fazer as palavras caírem dos nossos olhos. É dizer o que, em certos momentos, se encontra indizível.

A gente chora também porque se despede, porque se lamenta, porque se comove, porque o filme era lindo. 

Choramingamos baixinho, dentro de um quarto em solidão ou por detrás de um abraço de despedida no aeroporto. Soluçamos pela lembrança que dói ou que alimenta. Ao reviver em memória o último beijo, o irrevogável tempo de infância, a conversa que não terminamos, o abraço sobrante no braço, a família que está longe, aquele que se foi. 

Choramos como pedido de ajuda ou como estratégia para sermos olhados — quando o mundo parece ocupado demais para prestar-nos atenção. 

Choramos porque nos sentimos sozinhos, quando todos se divertem em viver, e nós naquele instante, não.

Choramos de medo dos monstros que dormem em nossos quintais a nos assombrar. Choramos de raiva porque tudo deu errado naquele dia. Choramos por solidariedade ao mais fraco, por empatia ao que sofre. Porque nos reconhecemos nos olhos dos pedintes, esmolando além do pão, um trocado de misericórdia. 

Choramos porque amamos intensamente e desejamos ser amados, e nem sempre somos. Alguns choram em segredo, quando a única opção é ser forte. A alma plange, soluça na intimidade recolhida do escuro. É, existe dor que é sigilo. 

No entanto, existe choro que regozija, onde a alegria que não cabe mais por dentro há de sair pelo transbordamento.

De todo modo, choro é alívio pra alma. É a gente colocando a mão por dentro da garganta a desatar o nó. 

Shakespeare diria que chorar é diminuir a profundidade da dor. Acho mesmo que é dar a palavra ao que se encontra sem nome dentro de nós. 

O choro é a vertigem da palavra, ela entontece e fica trancada — escassa — e o sentimento só consegue sair em rio, quando a comporta se abre. E desce, escorregando na face, deixando na cara lavada a nossa humanidade.

Há quem diga que homem não chora. Ora, os homens não têm olhos e tempestades por dentro? E ainda ouvimos: Pare de chorar a-go-ra! Engole o choro! 

Pra mim, pranto engolido transmuta em fome demasiada, em angústia, em ferida, vira gastrite, vira enfermidade pra alma. Choro contido vira gelo, empedra as entranhas, nos enrijece enquanto criatura humana. Seca a gente por dentro, enxuga as nascentes dos rios que nos habitam. O pranto é um resto de mar que cura. 

Os que se retraem a chorar rasgam palavras, se livram de comunicar aquilo que o indizível não deu conta de representar. E por qual calçada vai descer essa torrente, já que não descai pelos olhos? 

Os que não choram se colocam mais perto de adoecer, por isso, chorar pode valer mais do que uma boa dose de tranquilizantes.

Se eu tiver que chorar, choro hoje, choro agora. E à vida digo, eu devo dizer: sim, eu vou lhe dar o enorme prazer de me ver chorar. 

Amanhã, bem cedinho, me costuro. E rio. Eu sei me navegar.



Ruth Borges



Postado no Bula






O falso moralismo dos " sem moral " !









Postado no Conversa Afiada em 15/02/2016


O silêncio é uma prece e faz bem rezar um pouquinho




André J. Gomes

Pois em meio a esse barulho todo, esse debate infinito, esse falatório, esse tanto que dizer e essas coisas todas por ouvir, acontece da gente calar um instante.

É que tem hora em que falar e ouvir fazem mal. A gente sente que uma só palavra vai nos fazer explodir. Aí só o silêncio nos salva.

Ele vem voando como um anjo generoso e sutil nos acolher sob asas calmas. Então voltamos ao remanso que existia antes de nós. O silêncio da madrugada em que as crianças dormem, as plantas crescem, o pensamento repousa.

Tem dias em que toda gente só precisa ficar quieta em seu canto, dizer ao mundo: “não, hoje eu não quero sair. Vou ficar aqui dentro de mim mesmo”. Depois se deixar em franca quietude, esperando doer a dor, que doa, pode doer. E se alguém perguntar “por quê?”, a resposta será nenhuma.

É preciso fazer silêncio, respirar devagar, dormir e acordar tantas vezes quanto o corpo e a alma pedirem. Descansar os músculos na cama que nos abraça com nosso cheiro, como um carinho antigo em cada pedacinho de nós.

Que o silêncio venha nos varrer por dentro, tal qual a casa de móveis revirados em manhã de faxina, as vassouras arrastando de cantos escondidos a sujeira velha, cacos de vidro, pedaços de linha suja, botões perdidos de camisas desaparecidas, asas de inseto, unhas cortadas, emaranhados de cabelo vencidos por tanta chateação, lã de cobertor, pele morta e poeira velha arrancada de tanta sombra em nosso aqui dentro.

Ahh… silêncio, escancara essas janelas pesadas, inunda de sol nosso peito trancado de angústias gritadas em falatório inútil. Esfrega com escova grossa e sabão concentrado nossas paredes encardidas de tanta craca acumulada. Enxágua com esguicho a gordura das reclamações inúteis, o pó rasteiro das picuinhas. Limpa a imundície das falas inúteis, ofensas, injúrias, berros, misérias, invejas. Liberta as palavras de todo mau uso, mergulha suas sílabas em baldes de álcool, lava seus vãos e desvãos e reentrâncias. Deixa-as de novo frescas, livres do burburinho tacanho. Puras à espera de outros usos além do ataque, da intriga e da empáfia.

Como o corpo que jejua, toda alma precisa do silêncio que a liberte de vozes indigestas, desaforos gratuitos, elogios falsos, comentários mesquinhos.

Só o silêncio nos livra de tanto veneno. E quando estivermos restabelecidos, uma enfermeira de olhos risonhos nos encontrará silenciosa, o indicador sobre os lábios, e nos dirá palavra nenhuma, em seu aviso de que a saúde é franca, a paciência é um remédio e o silêncio a tudo refaz. 

Porque tem hora em que, depois de tanta falação, é preciso silêncio. Não há mais o que dizer. Tem hora em que só a mudez nos fala, nos cura e nos ensina de novo a estar em paz.



Postado no O Segredo



Lula : porque defender o homem e o mito




Margarida Salomão


“O mito é o nada que é tudo”. O primeiro verso de Fernando Pessoa no poema Ulisses epigrafa a reflexão que devemos fazer sobre o que está acontecendo ao presidente Lula neste momento da história brasileira.

Lula não era nada. Pobre, filho de analfabetos, imigrante nordestino e operário. Posteriormente sindicalista, deputado, fundador do PT e, audaciosamente, candidato à presidência da república. Como não era nada, apenas uma voz dissonante que acreditava na democracia e, principalmente, acreditava que era possível e necessário acabar com a desigualdade, a fome e a miséria neste país, perdeu a eleição três vezes. Mas não perdeu a esperança.

Por isso, tornou-se tudo. Dentro de um contexto de extrema adversidade – dívida externa, recessão, desemprego – virou um gigante. Falando para cada um, em cada canto desse país, que era possível fazer diferente, contagiando as pessoas com o seu sonho. O projeto antes remoto, abstrato, amorfo revelou-se um campo de possibilidades que pulsava, vibrava e movia o povo. Criou-se o mito, que eleito e reeleito presidente, realizou o melhor governo da história deste país. Começou-se a construir um futuro glorioso, não para as velhas elites oligárquicas, ou para os eternos donos de tudo; glorioso para quem foi como Lula no passado: nada.

Por ser um homem-mito, que alimenta os sonhos daqueles que não tinham perspectiva de futuro, passou a parecer perigoso. Na história recente, não há ninguém vivo na esquerda mundial que possua uma trajetória de vida como Lula. Sua biografia tem um teor subversivo capaz de desestabilizar o status por encarnar historicamente a esperança dos que não têm.

Característica de seu legado, democrata, republicano e negociador, é não ter optado pelo enfrentamento radical da conjuntura, alavancando mudanças mais estruturais, mais profundas. Talvez, por este ponto, tenha sido ingênuo ou presunçoso, imaginando que a elite, tendo sido também beneficiada nos seus governos, lhe seria grata pela eternidade.

Não se trata de questões morais, mas de práticas secularmente inculcadas na nossa cultura que naturalizam, por exemplo, que o anti mito Joaquim Barbosa adquira um apartamento luxuoso em Miami, ou que, o self made man Silvio Santos tenha salvado o seu banco Pan Americano em negociação com o “amigo do Aécio”, André Esteves, preso na Lava Jato.

Joaquim Barbosa e Silvio Santos, um negro e o outro camelô, têm aval para fazerem o que quiserem porque são exceções, fazem jus a seu "mérito": não ameaçam a regra, não abalam as estruturas. Entretanto, o nordestino operário que ousou ser presidente foi longe demais. Ele não só subiu na vida como também levou muita gente junto. Tirou mais de 20 milhões de pessoas da miséria, elevou 42 milhões à classe C e, atrevidamente, criou onze novas universidades federais, além de programas como o Prouni e as cotas raciais que mudaram definitivamente a cara das instituições universitárias e as perspectivas de futuro da juventude pobre, negra, da periferia e do interior.

É fato que muito do que foi conquistado está hoje ameaçado pela crise econômica mundial e, principalmente, pelo rancor dos que nunca aceitaram que um operário, com curso técnico, fosse “o cara”, e tirasse o Brasil da condição subalterna. Assim, é necessário desgastar a aura do mito, banalizá-lo, reduzi-lo a homem comum, expor suas fraquezas, escancarar e agravar suas feridas. Mais, é preciso criminalizar o mito. Acabar com toda sua força propulsora, eliminar sua potência.

E fazem isso com toda desfaçatez porque, no senso comum, sempre gotejou a ideia de que pobre quando chega ao poder faz algo errado. Então, conservadores, mídia reacionária e o poder judiciário que, recentemente, virou Deus na política brasileira, empenham-se, teratologicamente, em transformar o mito Lula na encarnação da corrupção.

Está em curso uma desqualificação generalizada da esquerda que abre caminho para uma hiperaceitação da direita. Isso é tático. O bolo está menor e não dá para todos. A esquerda defende o bem comum e a inclusão social, enquanto a direita busca defender seus próprios bens e a "liberdade" para acumular mais. Se não há bolo para todos como fatiá-lo?

A crítica moralista àqueles que teimaram, com todos os erros e acertos, a colocar na ordem do dia o combate às desigualdades e a toda forma de exclusão, tem somente uma finalidade: esconder que o problema é sistêmico. E para a sobrevivência desse sistema ganancioso e corrupto é fundamental matar o mito e manter-nos sob controle por meio do medo e do ódio. Não é para romper com práticas seculares que querem que nos sintamos traídos e enganados. É para perdermos a esperança, para achar que não tem jeito, para ficarmos apáticos e mais distantes dos espaços de decisão.

É preciso matar o mito para matar a nossa capacidade de sonhar e agir de forma inesperada. Quando sonhamos, conseguimos nos libertar das amarras e buscar outros caminhos e possibilidades. Em tempos de crise, é letal este abandono. Não podemos nos deixar contaminar pela desesperança, pela apatia, pelo medo. Temos que lutar. Não só por Lula: por nós mesmos. Porque uma sociedade sem a utopia de sua emancipação , como profetiza Pessoa, está liquidada. “Em baixo, a vida, metade/ De nada, morre”.


Postado no Brasil247 em 15/02/2016