Internet : demasiado humana?


05-06-13_review_film_disconnect


Wilson Roberto Vieira Ferreira,
no Cinema Secreto


Quando a televisão surgiu, era rotineiramente acusada por devorar a atenção das pessoas e destruir a comunicação. Produtora de solidão, emburrecedora e responsável por distúrbios oculares eram o mínimo de que se acusava a TV. 

Com a Internet alarmes semelhantes retornam, porém com um outro viés: os caminhos dessa terra de ninguém são potencialmente perigosos – alguns são predadores, outros são viajantes ingênuos que se aventuram por territórios dominados por tribos e cibercriminosos.

O risco de ser emboscado, espoliado e humilhado é considerável. Muitas vezes a aplicação da lei é incapaz de apanhar os trapaceiros, que se mantêm sempre à frente do jogo.

Esse é o tema do filme Disconnect do documentarista Henry Rubin (do documentário Murderball) em sua estreia em um filme com narrativa ficcional.

A partir de um roteiro escrito por Andrew Stern, Rubin apresenta um verdadeiro soco emocional para aqueles que convivem diariamente com Facebook, Twitter, Skype, webcams e smartphones: um retrato da crueldade desencadeada por ladrões que alegremente se escondem por trás de falsas identidades virtuais, desenterram informações pessoais e com algumas teclas pode ser capaz de destruir a vida de uma pessoa.

Baseado em casos reais, o filme Disconnect é elaborado em uma narrativa estilo crash-like, isto é, histórias paralelas que vão se conectando até se colidirem de forma dramática em um clímax final.

Nina (Andrea Risenborough) é uma ambiciosa jornalista televisiva local que faz uma reportagem investigativa sobre sites e chats pornôs que recrutam menores de idade, muitos deles fugitivos. 

Ela estabelece uma conexão com Kyle (Max Thieriot), eles se encontram e Nina o convence a participar de uma entrevista sob a promessa de manter sua identidade oculta. 

Quando as imagens são exibidas pela CNN (algo importante para a carreira da ambiciosa Nina), chama a atenção do FBI que passa a pressioná-la a revelar sua fonte. Tudo juridicamente se complica com o envolvimento afetivo da jornalista com a fonte.

O advogado da rede televisiva, Rich Boyd (Jason Bateman), é acionado. Mas ele tem problemas mais urgentes com o seu filho adolescente Ben (Jonah Bobo), um aspirante a músico, solitário e sem amigos na escola.

Ele é humilhado por outros alunos que decidem preparar-lhe uma armadilha virtual: inventam um perfil feminino na Internet que começa a mandar mensagens para Ben. No início se diz admiradora da sua música, até lhe enviar uma suposta foto sua nua. Pede para que Ben faça o mesmo. Logo a foto de Ben será espalhada pelas redes sociais, devastando-o emocionalmente a ponto de tentativa de suicídio.

Mike é pai de um desses meninos que planejam o cyberbullying. Ele foi um policial que trabalhava no Departamento de Crimes Informáticos e hoje é um detetive privado. Investigará fraudes com cartões de créditos de um casal (Derek e Cindy) devastados emocionalmente pela perda do filho cujas identidades e informações pessoais foram roubadas e suas contas bancárias limpas por meio de “trojan horses” baixados acidentalmente em salas virtuais de bate papo de grupos de apoio emocional. Embora identificado o autor do crime virtual, o detetive nada pode fazer judicialmente sem provas concretas. Então, o casal decidirá fazer justiça com as próprias mãos.

Incomunicabilidade e desconexão

O filme explora um paradoxo fundamental: como em uma sociedade onde os indivíduos criam múltiplas e simultâneas formas de conexão, pode reinar tanta incomunicabilidade e desconexão? 

A exploração de uma narrativa em crash-like não foi por acaso: Rubin queria mostrar que socialmente e tecnologicamente vivemos em uma sociedade onde cada vez mais as ações humanas estão interligadas e repercutem de forma exponencial.

Munidos de seus smartphones todos os personagens estão constantemente em “dupla tela” – fenômeno de convergência tecnológica onde acessamos simultaneamente mídias diferentes como, por exemplo, assistimos a um programa de TV enquanto twitamos ou postamos em redes sociais comentários em tempo real sobre o que assistimos. 

O problema é quando esse fenômeno invade as relações humanas: em várias cenas do filme vemos pais e filhos ou casais trocando palavras rápidas enquanto estão de cabeça baixa concentrados na tela de seus smartphones, tablets ou laptops. 

As relações tornam-se superficiais, desatentas e cada vez mais vazias de sentido.

A certa altura a irmã de Ben olha para ele inconsciente e entubado na cama do hospital após a tentativa de suicídio e desabafa: “não me deixe sozinha com meus pais!”.

É emblemática também a afirmação do detetive especializado em crimes informáticos: “como as pessoas podem ser tão ingênuas”, exclama enquanto observa as linhas do tempo do facebook do casal vítima do roubo cibernético.

Na medida em que as relações sociais presenciais tornam-se cada vez mais frouxas e vazias, mais e mais as pessoas expõem suas vidas pessoais, sonhos, intimidades e realizações nas redes digitais.

Por que essa transferência simbólica das relações presenciais para as virtuais?

Diferente da TV que era uma mídia eminentemente visual e passiva, as novas tecnologias digitais criam um novo ambiente onde não mais o regime visual é dominante. 

Na conceituação do pesquisador canadense Marshall McLuhan no seu livro Understanding Media, entraríamos em um regime midiático eminentemente “tátil e sensorial ressonante”: interatividade, sinestesia, integração, envolvimento e simultaneidade trazidas pela civilização baseada na mediação elétrica.

A TV já possuía essas características de forma latente, mas é nas mídias digitais que essa mediação elétrica chega à plenitude ao criar um “espaço ressonante”.

As redes sociais (chats, fecebook, twitter etc.) emulam muitas características das mídias orais ou presenciais, principalmente sua natureza performática, isto é, a sensação de “tempo real”, de “aqui e agora”.

Emoticons, memes, gírias e onomatopeias dão um aspecto presencial às comunicações, fazendo os usuários desenvolverem um sentimento de fazer parte de uma coletividade, mesmo isolados em seus quartos ou em algum lugar remoto do planeta.

Esse aspecto performático parece dotar às relações virtuais um aspecto de veracidade ou autenticidade que parece inexistente nas relações humanas “reais”. Talvez por aí explique o baixo senso crítico ou a “ingenuidade” a que se refere o detetive no filme “Disconnect”.

A aparência narcísica de um ego grandioso (fotos de felicidade, relatos de grandes realizações, imagens com seus bens de consumo etc.) encobre um esvaziamento da própria subjetividade que, sitiado, adapta-se e reproduz mimeticamente o entorno para sobreviver.

Essa “reprodução mimética do entorno” nada mais seria do que a ansiedade e angústia pela obtenção da aprovação ou a espera de que os amigos cliquem no “curtir” da postagem.

Como fica evidente na dramáticas condições emocionais do garoto Ben, ele é a vítima ideal do cyberbullying: com um ego fragilizado e vulnerável devido à superficialidade das suas relações no mundo real, não possui nenhum mecanismo psíquico de defesa (racionalização, negação, etc.) para enfrentar a “pegadinha” criada pela dupla de arruaceiros da escola.

Como, aliás, nenhuma das personagens vítimas do filme (o garoto do chat erótico explorado pela ambição da jornalista, o casal vítima do crime cibernético etc.) possui estrutura emocional ou consciência crítica, tornando-os vulneráveis a qualquer ataque dos predadores do mundo real.

Se no final da década dos anos 1990 caiu a primeira utopia da Internet (a terra prometida dos lucros fáceis das empresas “ponto com”), com filmes como “Disconnect” talvez esteja caindo a segunda utopia: a de que nos mundos virtuais da Internet estaria a utopia de um novo mundo democrático e civilizado onde todos partilhariam conhecimento e experiências inovadoras que enriqueceriam a cultura e a inteligência humana. 

A Internet com suas redes e nódulos seria a própria materialização das redes neuronais e sinapses da mente humana, a “inteligência coletiva”.

Mas a Internet nada mais é do que a ampliação e ressonância tecnológica das velhas mazelas humanas. Ela ainda é humana, demasiadamente humana.




Postado no site Outras Mídias em 01/10/2013


Quando descobrimos que viver vale a pena !









Em defesa dos desafinados e dos sem mérito



Juremir Machado da Silva*

Admiro o mérito.

Mas posso ser contra.

Pode não haver mérito no mérito. É um dom.

O sujeito nasce com um talento. Nem sempre o aproveita. Pode desperdiçá-lo. Mas não pode inventá-lo. Ou tem ou não tem. Não há treinamento capaz de me fazer virar Neymar. O problema é que, como diz a canção, “no peito dos desafinados também bate um coração”. 

O mérito é questão de sorte, de destino, de roleta natural. Uma sociedade justa premia o mérito. Uma sociedade ideal premia o mérito e protege os sem mérito. Todos nós.

Cheguei a uma conclusão absolutamente original: este mundo é uma esculhambação. Como pode estar certo um mundo em que as pessoas quando ficam velhas e mais próximas das doenças se aposentam e passar a ganhar menos? Deviam ter economizado para viver bem?

Quantos conseguem realmente fazer isso na vida?

O aposentado deveria receber um prêmio. Ganhar mais para terminar bem os seus dias. Nenhum país tem como sustentar tal sistema? Depende. 

Ao contrário do que dizem os simplórios, não sou comunista nem jamais foi marxista. Estou mais próximo da social-democracia, da doutrina social cristã e do trabalhismo como doutrina social. 

O mérito faz bem à sociedade. Aqueles que têm mérito, contudo, precisam converter esse mérito em benefício da sociedade, não apenas em privilégio próprio.

O que fazer com todos os que nascem sem talento especial? O sistema da competição total, o da lei do mais forte, apresenta uma solução simples: esquecê-los. Que se virem. Azar deles. 

Na alta, o especulador, o “yuppie”, como era chamado em 1980, despreza toda legislação trabalhista. Na baixa, vive de seguro-desemprego e de proteção social.

Por que estou falando tudo isso? Sei lá. Porque estou ficando velho. Por que ainda não esqueci a peça no São Pedro com o filho limpando o velho que sujava o fraldão. Porque me horroriza esta sociedade organizada para o bem passageiro dos jovens, ricos e sem problemas de saúde. 

Como pode um mundo no qual todos estão de passagem ser organizado como se todos fossem eternos? O discurso do mérito, que tem seu valor e legitimidade, é uma forma mais sofisticada e renovada da lei do mais forte.

Estou querendo favorecer o preguiçoso? Longe de mim. Preguiça se combate e até, vez ou outra, se vence. Meu problema é com a falta natural de talento. 

Os sem talento devem chupar o osso? Somos todos coproprietários deste condomínio chamado universo.

O sujeito que enriquece com talento para explorar petróleo explora um manancial coletivo. Ah, meu negócio é o Eike Batista?

Nem tinha pensado nesse energúmeno. Por que essa violência, essa deselegância, essa raiva, essa grosseria? Sei lá. Foi só para impressionar. Acho. 

Como pode uma maioria sem talento nem mérito se curvar diante de uma minoria que estabelece os critérios da sua meritocracia? 

Agimos todos como se não fôssemos envelhecer. Gostamos de pensar que seremos a exceção. Afinal, temos os nossos mérito. 

Eu só acredito em sociedades capazes de garantir a felicidade dos sem mérito. O contrário é muito fácil.


* Escritor, jornalista, historiador e professor universitário


Postado no Blog Juremir Machado da Silva em 30/09/2013




Estupro : a culpa é sua !





Moncho Torres no sítio Opera Mundi


"O estupro foi culpa da mulher, porque vestia uma roupa sexy e estava fora de casa em horários estranhos". Para refutar argumentos como estes, foi lançando na Índia um vídeo que com bastante ironia procura combater o conservadorismo em alguns setores no país.

"Sejamos sinceras, meninas, os estupros são culpa nossa. Estudos científicos sugerem que as mulheres que usam saia são a principal causa de estupro. Sabe por quê? Porque homens têm olhos", afirma a atriz Kalki Koechlin no início do anúncio.

O vídeo, "It's your fault", já teve quase dois milhões de visualizações no Youtube desde que foi publicado, há uma semana, e viralizou nas redes sociais, em geral acompanhado da frase: "É culpa minha".

Por trás da campanha está o coletivo de humoristas de Mumbai "All India Bakchod" (Os charlatões da Índia), formado por Gursimran Khamba, Tanmay Bhat, Rohan Joshi e Ashish Shakya.

O coletivo decidiu fazer um vídeo porque sabia que com ele poderiam chegar a mais gente e chamar assim a atenção sobre os "estúpidos e odiáveis comentários" que alguns fizeram após o bárbaro estupro coletivo de uma estudante dentro de um ônibus em Nova Déli, em dezembro do ano passado.

"Não sabíamos como o público ia reagir. Tínhamos medo de que as pessoas não captassem a ironia e pensassem que estávamos trivializando um tema tão sério, mas sabíamos que tínhamos que fazer algo", explicou a Agência Efe um dos comediantes, Gursimran Khamba.

A atriz Koechlin aceitou participar do projeto junto com a estrela da televisão indiana Juhi Pande porque, segundo ela, "o humor é uma maneira fantástica de enfrentar um tema sério", mas também disse ter ficado "preocupada com a possibilidade de não ser entendida".

A morte de uma estudante em decorrência do estupro por vários homens dentro de um ônibus em dezembro do ano passado causou uma onda de protestos na Índia, mas algumas pessoas culparam a jovem - e foi isso que motivou os comediantes.

"Bhaya"

O popular guru indiano Asaram Bapu, por exemplo, disse que a vítima também teve culpa, embora em menor medida que os agressores, já que em vez de resistir "devia ter rezado para Deus e pedido aos estupradores, chamando-os de 'Bhaya' (irmão), que a deixassem em paz".

O vídeo, que parodia a reunião, mostra uma das atrizes sendo atacada por vários homens e como consegue se livrar do estupro ao conseguir pronunciar a palavra 'Bhaya'.

"Sempre funciona", afirma sorridente a jovem, que pede às mulheres "que deixem de seduzir aos homens para que as estuprem".

A reação nas ruas ao vídeo tem sido muito positiva, contou a entusiasmada Pragya Varma, de 21 anos, classificando o vídeo de "incrível", e revelou que já teve de enfrentar mais de uma vez a mesma situação.

"Compartilhei no Facebook para que meus amigos vejam. Não é culpa nossa, não podemos ser culpadas por usar uma saia curta", sentencia Varma.

Simranjeet Kaur Walia, de 19 anos e estudante de jornalismo, também gostou do vídeo, e ressaltou que "ninguém pode nos culpar (pelos estupros) por sair de casa depois das oito da noite ou por nos vestir de uma determinada maneira. Mas como isso acontece!", lamentou.

A polícia não escapou da paródia no vídeo, acusada em várias ocasiões de incompetente e insensível diante das agressões sexuais, e de transformar as delegacias, como denunciou a organização Human Rights Watch, em "lugares que inspiram temor".




Postado no Blog do Miro em 01/10/2013


Vídeo que "mata" Hitler quando criança gera polêmica


vídeo comercial hitler alemanha


Redação Pragmatismo

Um vilarejo no fim do século 19. Uma Mercedes moderna se aproxima, observada com desconfiança pelos moradores. Quando duas meninas atravessam seu caminho, brincando, o automóvel freia automaticamente. Pouco depois, no entanto, um garoto corre diante dele. E desta vez ele não para – e o atropela.

A mãe sai correndo de casa, gritando “Adolf!”. A placa com o nome do lugarejo entra no quadro: Braunau am Inn – local de nascença de Adolf Hitler. A tela fica preta, e aparece o slogan do sistema automático de frenagem da Mercedes Benz: “Reconhece perigos antes de eles aparecerem”.

O videoclipe foi trabalho de formatura de alunos da Academia de Cinema do estado alemão de Baden-Württemberg. Há pouco mais de um mês no YouTube, ele já foi assistido mais de 3 milhões de vezes e tem suscitado debates acalorados.

A Mercedes-Benz fez questão de se distanciar imediatamente do filme. “Estamos convencidos de que é inapropriado usar a morte de uma pessoa, neste caso, de uma criança, num spot de publicidade, assim como usar conteúdos associados ao nacional-socialismo”, afirma Tobias Mueller, porta-voz da montadora.

O filme teve que ser retirado da internet, e a nova versão é acompanhada pela indicação de que o material não é autorizado pela Mercedes-Benz.

O clipe é tão bem feito, do ponto de vista técnico, que de início parece mesmo tratar-se de um spot de publicidade genuíno. Seu ponto de partida foi uma campanha para o sistema de frenagem automática da Mercedes. Com a ajuda de um radar e um computador, ele calcula a trajetória dos pedestres, parando se o motorista não reagir a tempo ao obstáculo. No entanto, o sistema não freia para o pequeno Adolf.

O filme mata Hitler quando criança, antes que ele desencadeie a pior catástrofe humana do século 20. É lícito matar crianças num comercial?

“É duro, eu sei. Mas a verdade é que nós fizemos um filme, não matamos nenhuma criança”, é a pragmática resposta do diretor Tobias Haase. Uma usuária do YouTube coloca a justificativa em outras palavras: “Isso é só ficção. Realmente triste é a verdade.”

Veja o vídeo:  (assista aqui)


Postado no site Pragmatismo Político em 01/10/2013


Sorrir faz bem !












Aécio Neves quer conversar



O SUS americano é muito pior do que o SUS brasileiro



Richard Jakubaszko 

O SUS americano é muito pior do que o SUS brasileiro. Aliás, os EUA não têm exatamente um SUS. Lá, vigora a lei do mais forte, a lei de quem tem mais dinheiro.


Apesar de ser constituído por empresas de seguro saúde, o SUS americano é coisa de 3º mundo, e a burocracia esconde o jogo.

Cerca de 250 milhões de americanos pagam seguro saúde, mas recebem péssimos serviços. Tudo isso pode ser visto no documentário de Michael Moore no vídeo abaixo.

Outros 50 milhões de americanos não possuem seguro saúde ou qualquer outro tipo de atendimento médico público ou gratuito.

Ou pagam verdadeiras fortunas por qualquer tipo de serviço médico/hospitalar, ou morrem. Não há opção.

Moore conta isso em detalhes. Assista este documentário, e horrorize-se!


No documentário Moore mostra como as empresas de seguro saúde, associadas a políticos, médicos, e a indústria farmacêutica, engambela o povo mais rico do planeta, no país mais poderoso de todos os tempos.

Moore mostra, ainda, como funciona o SUS do Canadá e o SUS da Inglaterra. Neste momento aprendemos o que é um país civilizado.


Postado no Blog Richard Jakubaszko em 27/09/2013


A devastadora “modernidade” do novo Iphone5



Vinicius Gomes

Toda vez que um novo iPhone está para ser lançado, produz-se um frisson mundial. 

No caso do novo Iphone 5S, não foi diferente. Pessoas acamparam por semanas em frente à loja da Apple em Nova York, esperando que suas portas se abrissem. Quando isso finalmente ocorreu, foram saudadas pelos funcionários como se tivessem acabado de conquistar uma medalha de ouro nas Olimpíadas.

Mas por trás de toda a fanfarra de marketing, existe uma realidade que quase nunca é acompanhada pela mídia com tanta empolgação como as filas em frente das lojas.

O jornalista britânico George Monbiot começou a revelá-la esta semana, em seu blog.

A Apple, demonstrou ele, participa de um dos crimes ambientais que melhor expõem a desigualdade das relações Norte-Sul e a irracionalidade contemporânea. 

Ela provavelmente compra estanho produzido, na Indonésia, em relações sociais e de desprezo pela natureza que lembram as do século 19.

Pior: convidada por ativistas a corrigir esta prática, a empresa esquiva-se – destoando inclusive de suas concorrentes. E, ao fazê-lo, usa argumentos que sugerem: trata o público seus consumidores como se fossem incapazes de outra atitude mental além do ímpeto de consumo.

Monbiot refere-se ao uso, pelos fabricantes de celulares, do estanho extraído da ilha de Bangka, na Indonésia. 

O metal é indispensável para a soldagem interna dos smartphones. Cerca de 30% da produção global concentra-se na Indonésia – mais precisamente, em Bangka. O problema são as condições de extração.

O jornalista as descreve: “Uma orgia de mineração sem regras está reduzindo um sistema complexo de florestas tropicais e campos a uma paisagem pós-holocausto de areia e subsolo ácido.

Dragas de estanho, nas águas costeiras, também estão varrendo os corais, os manguezais, os mariscos gigantes, a pesca e as praias usadas como ninhos pelas tartarugas”.

A cobiça pelo estanho barato não poupa nem a natureza, nem o ser humano. Monbiot prossegue: Crianças são empregadas, em condições chocantes. 

Em média, um mineiro morre, em acidente de trabalho, a cada semana. A água limpa está desaparecendo. A malária espalha-se e os mosquitos proliferam nas minas abandonadas. Pequenos agricultores são removidos de suas terras.

Estas condições desesperadoras desencadearam reação de ativistas. 

A organização internacional Amigos da Terra articulou o movimento. Não se trata de algo conduzido por rebeldes sem causa. A campanha reconhece que eliminar a mineração seria uma proposta inviável, por desempregar milhares de pessoas.

Propõe, ao contrário, um pacto. Todo o estanho produzido em Bangka é adquirido pelas corporações que fabricam celulares. Se elas concordarem em respeitar condições sociais e ambientais decentes, a exploração de gente e da natureza não poderá prosseguir.

Sete fabricantes transnacionais abriram diálogo com a campanha: Samsung, Philips, Nokia, Sony, Blackberry, Motorola e LG.

A única das grandes fabricantes a se recusar foi a Apple – também conhecida por encomendar a fabricação de seus aparelhos às indústrias de ultra-exploração do trabalho humano da Foxconn.

O mais bizarro, conta Monbiot, são os estratagemas primitivos usados pela Apple para evitar um compromisso de respeito aos direitos e à natureza. 

O jornalista procurou por duas vezes, nos últimos dias, o diretor de Relações Públicas da empresa. Propôs, em nome da transparência, um diálogo gravado. Sugestão negada. Na conversa reservada, relata, não obteve informação alguma, exceto uma sugestão: dirija-se a nosso site.

Mas é lá, diverte-se Monbiot, que a Apple mais zomba da inteligência dos consumidores.

A corporação informa, placidamente, que “a Ilha de Bangka, na Indonésia, é uma das principais regiões produtoras de estanho no mundo. Preocupações recentes sobre a mineração ilegal de estanho na região levaram a Apple a uma visita de inspeção, para saber mais”. 

Mas a Apple não reconhece que compra o metal produzido em Bangka – provavelmente para não se comprometer com a campanha contra a exploração devastadora. 

O jornalista, então, pergunta: “Por que dar-se ao trabalho de uma visita de inspeção, se você não usa o estanho da ilha? E se você usa, por que não admiti-lo?”

Tudo isso sugeriria renunciar a um celular? Claro que não, diz Monbiot. Trata-se de exigir das empresas respeito a normas sociais e ambientais. 

Pressionadas, sete corporações transnacionais ao menos admitiram debater o tema. A Apple destoou. Quem tem respeito pelos direitos sociais e pela natureza deveria evitar os aparelhos da empresa, recomenda o jornalista.

Quem quer ir além pode, por exemplo, optar pelo Fairphone, celular produzido por empreendedores expressamente interessados em proteger direitos e ambiente.

Estará disponível a partir de dezembro. Porém, mais de 15 mil unidades já foram vendidas, nos últimos meses a consumidores conscientes.


Postado no site Outras Palavras em 26/09/2013

 

Esperança nos bebês pelados



Luís Fernando Praguinha

Um dia eu nasci. Pelado, sem nada, a não ser o amor de minha mãe e minha família, que acreditavam que eu era deles. Eu era um bebê bonitinho, puro e ingênuo. Me bateram e eu chorei pro mundo pela primeira vez. Me colocaram roupas para me proteger do frio e me alimentaram pra que eu crescesse saudável.

Me deram brinquedos pra que me divertisse e parasse de chorar, mas foram tantos que muitos ficavam jogados pelos cantos. Passaram a me dar roupas bonitas e mais caras pra que eu parecesse melhor e mais bonito pra quem me visse. Se eu chorasse me davam comida ou roupa ou brinquedo ou carinho.

O filho da empregada não tinha nada disso e eu passei a entender então que eu era melhor que ele. Ele foi criado na mesma sociedade que eu e a comparação dessas duas realidades não fazia bem a ele. Brincamos juntos por um tempo, depois passei a evitá-lo e ter ciúme dos meus brinquedos.

Meus pais me diziam para respeitar as pessoas, mas não entendiam que era um desrespeito eu ter tantas roupas, tantos brinquedos, desperdiçar tanta comida, enquanto o filho da empregada e muitos outros que foram bebês pelados um dia, passavam fome, frio e precisavam trabalhar ao invés de brincar.

Fui para uma boa escola e tive, mais uma vez, acesso a uma coisa restrita que deveria ser de todos. Tive as portas abertas para prosperar da forma que eu tinha aprendido. Achei que havia entendido o modo como as coisas funcionavam, azar do filho da empregada. Fazer o que?

Entrei para a política e experimentei o poder. Conheci pessoas obcecadas pelo poder, velhos de olhos frios, de caras sérias e tristes, jovens ambiciosos com olhos de águia e um sorriso diferente, que exalavam hipocrisia e mentira. Tive medo deles, mas com o estar-se sempre junto, percebi que era a única forma de sobreviver naquele meio. Deixei pra trás os fracos princípios que adquiri da minha educação consumista. Passei a considerar ridículo e desnecessário demonstrar respeito verdadeiro, mas imprescindível demonstrar respeito de mentirinha.

O filho da empregada conseguiu um emprego modesto e continuou a tradição da sua família de trabalhar sofrivelmente pra me servir. Outros como ele decidiram servir ao crime, matando algumas pessoas para poderem prosperar, mas também não deixavam, em última instância, de me servir.

Enquanto isso eu também matava algumas pessoas, alguns milhares com certeza, de fome, de frio e de privações morais, desviando recursos da saúde, educação e segurança para meu benefício ou dos falsos amigos que me pudessem beneficiar em troca. Para garantir meu nível de vida também me tornei obcecado pelo poder e perdi qualquer senso ético. Fiz conchavos com pessoas que sempre repudiei e enfim me tornei muito poderoso.

Nunca mais chorei, que é sinal de fraqueza. Fui amado, respeitado e temido por todos, como Deus. Envelheci iludindo e envenenando corações, sendo permissivo, cruel, fazendo mau uso do dinheiro do povo, traindo aliados, usando e fazendo leis a meu favor, mas sempre maquiado pela fachada de homem público, cumpridor do dever e ocasionalmente atado às limitações da governabilidade, procurando sempre alguém pra culpar, sem confiar em ninguém, pois nem em mim eu confiava.

Conforme envelhecia mais, sentia que a saúde, o poder e as minhas influências, pouco a pouco iam se afastando de mim. Vi a chegada de outros jovens ainda mais ambiciosos do que eu, lutando sem limites para ocupar posições que já tinham sido minhas. Vi desmandos inimagináveis cometidos para saciar a ganancia e a vaidade que o poder gerava. Vi a mim mesmo naqueles jovens.

O respeito, amor e medo que um dia nutriram por mim foi se convertendo em desprezo, ódio ou indiferença. Passei a ser motivo de chacota entre os políticos mais jovens. Meus aliados me traíram e revelaram meus esquemas. O povo que me elegeu passou a ter vergonha de dizer que um dia havia votado em mim. Meu raciocínio ficou lento e a doença tomou conta do meu corpo.

Morri, como todos os bebês pelados que vieram antes de mim morreram. Morri, como todos os bebês pelados morrerão. Deixei de ser. Todos deixarão de ser um dia. 

Senti o mundo melhor sem a minha presença, mas foi por pouco tempo. Logo vi que nada havia mudado e eu não havia mudado nada. Eu apenas ajudei a manter a farsa. 

Passei minha vida matando bebês pelados, desde a minha primeira roupinha bonita. Agora, morto, vejo que fui iludido. No começo, não conseguia enxergar. Quando enxerguei, me pareceu tão natural continuar agindo daquela forma, que não fiz questão de mudar. 

Quando percebi que matar, prejudicar e me aproveitar de pessoas apenas para mostrar meus brinquedos novos não era assim tão natural, eu estava tão dominado por aquele vício e tão ciente da minha incapacidade de me livrar dele, que preferi continuar agindo como se fosse natural, como faziam meus colegas de ofício.

Morto eu posso entender melhor. Nascer, viver e morrer são naturais. Matar não é natural. Matar é tirar de bebês pelados o privilégio de viver. Viver pode ser melhor que a vida que tive. Morto, me parece que viver como eu vivi é apenas parasitar e pilhar o planeta. 

Tudo o que tirei dos outros nunca foi verdadeiramente meu. Nunca tive nada, a não ser aquela pureza e ingenuidade de bebê pelado. Morto, vejo que nem isso mais eu tenho.

Torço para que nasça cada vez menos gente como eu. Torço para que nossa organização social e nossos sistemas político e econômico baseados no consumo sejam compreendidos como danosos e viciantes, mas pelas pessoas vivas, porque os mortos já deixaram de ser. Torço por uma forma cooperativa de viver.

Agora que estou morto, não me restou nem sequer uma lembrança boa do tempo em que fui vivo. Fui um péssimo exemplo. Depois de morto, ainda pude sorrir de verdade mais uma vez, ao ver meu neto, bebê pelado, nascer. Reaprendi a chorar ao vê-lo rodeado de brinquedos, evitando o filho da empregada.


Postado no blog Educação política em 26/09/2013