Inimigas da fé

A dúvida, a desconfiança, a angústia e a desesperança são as grandes inimigas da fé, este sentimento de crença total, sem limites ou explicação. Todos, em algum momento, tivemos fé em alguém ou ainda temos. Esse não é um sentimento exclusivo de místicos e religiosos. Acreditamos profundamente em pais, professores, amigos, amores e outros tantos que se transformam em nossos ídolos.

Quantas vezes aceitamos sem questionar mentiras, desculpas bobas e até traições, porque temos fé em que as pratica? Mas, quando os bichinhos da dúvida e da desconfiança se instalam em nossas mentes, a fé começa a morrer. A morte vem com a angústia e a desesperança. Reconheçamos: é triste quando isso acontece. Ainda crianças, choramos ao descobrir que o Papai Noel e o coelhinho da Páscoa não existem e não podem resolver os nossos problemas. E tínhamos tanta fé neles!
Na adolescência, o pior de tudo é não acreditar mais de olhos fechados no nosso primeiro amor. É terrível descobrir que ele não é tudo aquilo que idealizamos. Põe desilusão nisso! Que desesperança! O futuro se transforma num túnel sem luz. Pior ainda é deixar de ter fé num amigo. Descobrir que fomos apunhalados pelas costas. Aí chegamos ao inferno.
A fé, no entanto, se renova. Aos poucos, vai sendo depositada em outras pessoas, outros sonhos, outras realizações. Há muito tempo, tive um belo papo com um padre mexicano, que lecionava num seminário de Cuba. Ele havia conseguido uma licença especial do governo cubano para visitar sua mãe doente, na Cidade do México. Nos encontramos no aeroporto de Havana. E seguimos a conversa durante o voo.  Chegou um momento em que ele, triste pela situação da mãe, me disse:
– Uma vez perdi a fé.
Para ele, perder a fé era realmente assustador. Representava não acreditar mais em Deus. Eu não disse nada. Apenas ouvia seu desabafo.
– Fui falar com meu superior. Queria deixar o sacerdócio. Ele me disse: “Fica aí. Vai levando a vida, fazendo o teu trabalho. Não fala nada para ninguém. E não te preocupa com isso. Todos passamos por esse momento”.
Foi o que o mexicano fez. No melhor estilo Zeca Pagodinho, deixou se levar pela vida. Pessoa alegre, bem falante, até mesmo um pouco espalhafatoso, ele seguiu com seu trabalho, conversando com quem passava pela sua frente, sem, no entanto, assumir a perda da fé.
– Um dia – disse o padre – me dei conta que a fé estava naquilo que eu fazia, nas pessoas com quem me relacionava, na alegria das crianças, na natureza. 
É isso aí. Mesmo ateus e agnósticos podem ter fé. Ela é a prova de que não apenas estamos vivos, mas também sabemos viver, desfrutar de tudo o que compõe o nosso mundo.

Postado por Núbia Silveira no Blog Sul21 em 10/01/2012


O Big Brother e a degradação da realidade




Não adianta fugir.
A partir de hoje o Big Brother vai invadir sua casa e sua vida.
Ao contrário do que se poderia imaginar, não será a curiosidade que te fará manter a atenção para dentro daquela casa. É justamente o inverso.
A sua realidade será invadida por este reality show.
Nos próximos dias, quando você abrir o site de sua preferência, ainda que não queira, surgirão janelas lhe informado sobre a noite de fulana com fulano embaixo do edredom.
Ao ler o jornal, seu colunista preferido irá fazer uma análise sócio-psicológica de algum acontecimento no programa.
No ônibus ou no Metrô, você será surpreendido às sete horas da manhã por um debate empolgado sobre a festa do cowboy, ou dos anos 60, ou do cabide, ou do bunda le le ocorrida na noite anterior que você fez questão de não assistir, mas mesmo assim, involuntariamente, estará devidamente informado, memorizando todos os nomes dos personagens deste verdadeiro show de horror.
A promessa até parece ser interessante. Observar tudo o que acontece numa casa durante 24 horas por dia.
Mas o que poderia ser o deleite dos voyeurs é na verdade um culto à mediocridade.
Os personagens são providos de personalidades histéricas e desinteressantes.
As regras do “jogo” provocam o elenco de arrivistas a se enfrentarem em intrigas sórdidas e pequenas.
O vencedor não é aquele que aposta no cooperativismo dentro da casa, mas o que elimina os seus brothers um a um, dando vazão à fantasia infantil de eliminar seus irmãos para conquistar a atenção exclusiva da mamãe.
Aliás, os gritos, lágrimas e risos forçados são recursos infantilóides para prender a atenção e conquistar apoio do público.
Crônicas pobres e vulgares são recitadas para narrar o dia-a-dia dos confinados, a fim de emprestar uma pseudo sofisticação à degradação crua que vemos a olhos nus.
E esta degradação da realidade é a face mais sórdida deste programa.
Ao estigmatizar os jovens como seres egoístas, estúpidos, fúteis e dissimulados, o programa que se autodenomina show de realidade constrói um arquétipo e forja a geração desejada pela classe dominante. Ou seja, pessoas preocupadas exclusivamente com suas ancas, tendo as paredes de uma casa como horizonte mais amplo de aspiração, abrindo mão da vocação transformadora da juventude.
Até então, acreditávamos que a vida imitava a arte.
Agora, uma nova “realidade”, absolutamente alienada e pronta para consumir é fabricada nos estúdios de tevê.
A arte já não basta.
Não cabe mais ao artista interpretar o mundo em sua obra.
As fórmulas já estão todas prontas.

Postado no Blog do Rafael Castilho em 09/01/2012

Unhas na Moda ! Esmaltes Flocados
























Dufour: quem virá depois do liberalismo



                                                                                                        Dufour não perde a mira


O Conversa Afiada republica entrevista na Carta Maior com o filósofo francês Dany-Robert Dufour, sobre seu novo livro “O indivíduo que vem depois do liberalismo”.

Dufour é autor também de “O Divino Mercado” e “A arte de reduzir as cabeças”, sempre dirigidos à crítica do liberalismo, ou “a grande narrativa” “sem saída” dos nossos tempos.

À Carta Maior:

Contra o estrago do liberalismo, recuperar o Marx filósofo


O filósofo francês Dany-Robert Dufour refletiu sobre as mutações que esvaziaram o sujeito contemporâneo de relatos fundadores. Essa ausência é, para ele, um dos elementos da imoralidade liberal que rege o mundo hoje. Seu trabalho como filósofo crítico do liberalismo culmina agora em um livro que pergunta: que indivíduo surgirá depois do liberalismo? Talvez seja o caso, defende, de recuperar o Marx filósofo, que defendia a realização total do indivíduo fora dos circuitos mercantis.


Eduardo Febbro – Direto de Paris


Alguns já o veem terminado, outros a ponto de cair no abismo, ou em pleno ocaso, ou em vias de extinção. Outros analistas estimam o contrário e afirmam que, embora o liberalismo esteja atravessando uma série crise, seu modelo está muito longe do fim. Apesar das crises e de suas consequências, o liberalismo segue de pé, produzindo seu lote insensato de lucros e desigualdades, suas políticas de ajuste, sua irrenunciável impunidade. No entanto, ainda que siga vivo, a crise expôs como nunca seus mecanismos perversos e, sobretudo, colocou no centro da cena não já o sistema econômico no qual se articula, mas sim o tipo de indivíduo que o neoliberalismo terminou por criar: hedonista, egoísta, consumista, frívolo, obcecado pelos objetos e pela imagem fashion que emana dele.


A trilogia da modernidade liberal é muito simples: produzir, consumir, enriquecer. O filósofo francês Dany-Robert Dufour refletiu sobre as mutações pós-modernas que esvaziaram o sujeito contemporâneo de relatos fundadores. Essa ausência é, para o filósofo, um dos elementos da imoralidade liberal que rege o mundo contemporâneo. Seu trabalho como filósofo crítico do liberalismo se desenvolveu em livros como “Le Divin Marché” (O Divino Mercado) e culmina agora em um apaixonante livro – “O indivíduo que vem … depois do liberalismo”, editora Denoel, Paris, 2011 -, que faz uma pergunta que poucos fazem: como será o indivíduo que surgirá depois do liberalismo?


Dany-Robert Dufour não só lança mais uma diatribe sobre o sistema liberal, mas explora os conteúdos sobre os quais pode se refundar a humanidade depois desse pugilato planetário do despojo e da estafa que é o ultra-liberalismo. Mas, a humanidade não se funda no automatismo e, sim através dos indivíduos. Seu livro, “L’individu qui vient…après le libéralisme” ,  explora o transtorno liberal do passado e esboça os contornos de um novo indivíduo ao qual o filósofo define como “simpático”, ou seja, aberto aos outros que também o constituem.

 

O liberalismo, que se apresentou como salvador da humanidade, terminou levando a o ser um humano a um caminho sem saída. Você considera o fim desse modelo e se pergunta sobre qual tipo de ser humano surgirá depois do ultra-liberalismo?


Dany-Robert Dufour: No século passado conhecemos dois grandes caminhos sem saída históricos: o nazismo e o stalinismo. De alguma maneira e entre aspas, depois da Segunda Guerra Mundial fomos liberados desses dois caminhos sem saída pelo liberalismo. Mas essa liberação terminou sendo uma nova alienação. Em suas formas atuais, ou seja, ultra e neoliberal, o liberalismo se plasma como um novo totalitarismo porque pretende gerir o conjunto das relações sociais. Nada deve escapar à ditadura dos mercados e isso converte o liberalismo em um novo totalitarismo que segue os dois anteriores. É então um novo caminho sem saída histórico. O liberalismo explorou o ser humano.


O historiador húngaro Karl Polanyi, em um livro publicado depois da Segunda Guerra Mundial, demonstrou como, antes, a economia estava incluída em uma série de relações sociais, políticas, culturais  etc. Mas, com a irrupção do liberalismo, a economia saiu desse círculo de relações para converter-se no ente que procurou dominar todos os demais. Dessa forma, todas as economias humanas caem sob a lei liberal, ou seja, a lei do proveito onde tudo deve ser rentável, incluindo as atividades que antes não estavam sob o mandato do rentável.


Por exemplo, neste momento eu e você estamos conversando, mas não buscamos rentabilidade e, sim,  a produção de sentido. Neste momento estamos em uma economia discursiva. Mas hoje, até a economia discursiva está sujeita ao “quem ganha mais”. Cada uma das economias humanas está sob a mesma lógica: a economia psíquica, a economia simbólica, a economia política, daí o derretimento da política. O político só existe hoje para seguir o econômico. A crise que atravessa a Europa mostra que, quanto mais ela se aprofunda, mais a política deixa a gestão nas mãos da economia. A política abdicou ante a economia e esta tomou o poder. Os circuitos econômicos e financeiros se apoderaram da política, A crise é, por conseguinte, geral.

 

O título de seu livro, “O homem que vem depois do liberalismo”, implica a dupla ideia de uma fase triunfal e de um fim do liberalismo…


DRD: Paradoxalmente, no momento de seu triunfo absoluto o liberalismo dá sinais de cansaço. Nos damos conta de que nada funciona e as pessoas vão tomando consciência desta falha e têm uma reação de incredulidade. Os mercados se propuseram a ser uma espécie de remédio para todos os males. Você tem um problema? Pois então recorra ao Mercado e este aportará a riqueza absoluta e a solução dos problemas. Mas agora nos damos conta de que o mercado acarreta devastações.


Assim, vemos como esse remédio que devia nos fornecer a riqueza infinita não traz senão miséria, pobreza, devastação. O capitalismo produz riqueza global, sim, mas ela é pessimamente repartida. Sabemos que há 20, 30 anos, as desigualdades têm aumentado pelo planeta. A riqueza global do capitalismo despoja de seus direitos a milhões de indivíduos: os direitos sociais, o direito à educação, à saúde, em suma, todos esses direitos conquistados com as lutas sociais estão sendo tragados pelo liberalismo. O liberalismo foi como uma religião cheia de promessas. Nos prometeu a riqueza infinita graças a seu operador, o Divino Mercado. Mas não cumpriu a promessa.

 

Em sua crítica filosófica ao liberalismo, você destaca um dos principais estragos produzidos pelo pensamento liberal: os indivíduos estão submetidos aos objetos, não aos seus semelhantes, ao outro. A relação em si, a sensualidade, foi substituída pelo objeto.


DRD: As relações entre os indivíduos passam ao segundo plano. O primeiro é ocupado pela relação com o objeto. Essa é a lógica do mercado: o mercado pode a cada momento agitar diante de nós o objeto capaz de satisfazer todos nossos apetites. Pode ser um objeto manufaturado, um serviço e até um fantasma construído pelas indústrias culturais. Estamos em um sistema de relações que privilegia o objeto antes do sujeito. Isso cria uma nova alienação, uma espécie de vício com os objetos. Esse novo totalitarismo que é o liberalismo coloca nas mãos dos indivíduos os elementos para que se oprimam a si mesmos através dos objetos. O liberalismo nos deixa a liberdade de alienarmos a nós mesmos.

 

Você situa o princípio da crise nos anos 80 através da restauração do que você chama de a narrativa de Adam Smith. Você cita uma de suas frases mais espantosas: para escravizar um homem é preciso dirigir-se ao seu egoísmo e não a sua humanidade.


DRD: Adam Smith remonta ao século XVIII e sua moral egoísta se expandiu um século e meio depois com a globalização do mercado no mundo. De fato, Smith demorou tanto porque houve outra mensagem paralela, outro Século das Luzes, que foi o do transcendentalismo alemão.


Ao contrário das Luzes de Smith, as alemãs propunham a regulação moral, a regulação transcendental. Essa regulação podia se manifestar na vida prática através da construção de formas como as do Estado a fim de regular os interesses privados. A partir do Século das Luzes, há duas forças que se manifestam: Adam Smith e Kant. Esses dois campos filosóficos coexistiram de maneira conflitiva ao longo da modernidade, ou seja, através de dois séculos. Mas, em um determinado momento, o transcendentalismo alemão perdeu força e deu lugar ao liberalismo inglês, o qual adquiriu uma forma ultra-liberal. Pode-se datar esse fenômeno a partir do início dos anos 80. Há inclusive uma marca histórica que remonta ao momento em que Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e Margaret Thatcher, na Grã-Bretanha, chegam ao poder a instalam a liberdade econômica sem regulação. Essa ausência de regulação destruiu imediatamente as convenções sociais, ou seja, os pactos entre indivíduos.

 

Daí provém a trilogia “produzir, consumir, enriquecer”. Você chama essa trilogia de pleonexía.


DRD: O termo “pleonexía” é encontrado na República de Platão e quer dizer “sempre ter mais. A República grega, a Polis, foi construída sobre a proibição da pleonexía. Pode-se dizer então que, até o século XVIII, toda uma parte do Ocidente funcionou com base nessa proibição e se liberou dela nos anos 80. A partir daí se liberou a avidez mundial, a avidez dos mercados e dos banqueiros. Lembre o discurso pronunciado por Alan Greenspan (ex-presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos) ante à Comissão norteamericana depois da crise de 2008. Greenspan disse: “pensava que a avidez dos banqueiros era a melhor regulação possível. Agora, me dou conta de que isso não funciona mais e não sei por quê”. Greenspan confessou assim que o que dirige as coisas é a liberação da pleonexía. E já sabemos para onde isso conduz.

 

Chegamos agora ao depois, ao hipotético ser humano de depois do liberalismo. Você o enxerga sob os traços de um indivíduo simpático. Que sentido tem o termo simpático neste contexto?


DRD: Ninguém é bom ao nascer como pensava Rousseau, nem tampouco mau como pensava Hobbes. O que podemos fazer é ajudar as pessoas a serem simpáticas, ou seja, a não pensarem somente em si mesmas e a pensarem que, para viver com o próximo, é preciso contar com ele. O outro está em mim, as imagens dos outros estão em mim e me constituem como sujeito. A própria ideia de um indivíduo egoísta é sem sentido porque isso obriga a que nos esquecer de que o indivíduo está constituído por partes do outro. E quando falo de um indivíduo simpático não emprego o termo em sua acepção mais comum, alguém simplesmente simpático, digamos. Não, trata-se do sentido que a palavra tinha no século XVIII, onde a simpatia era a presença do outro em mim. Necessito então da presença do outro em mim e o outro precisa de minha presença nele para que possamos constituir um espaço onde cada um seja um indivíduo aberto ao outro. Eu cuido do outro como o outro cuida de mim. Isso é um indivíduo simpático.

 

Sigamos com a simpatia, mas sobre que bases se constrói o indivíduo que vem depois do liberalismo? A razão, a religião, o esporte, o ócio, a solidariedade, outra ideia de mercado?


DRD: Neste livro fiz um inventário sobre as narrativas: a narrativa do logos, da evasão da alma dos gregos, a narrativa sobre a consideração do outro nos monoteísmos. Dei-me conta de que em ambas narrativas havia coisas interessantes e também aterradoras. Por exemplo, a opressão das mulheres no patriarcado monoteísta equivale à opressão da metade da humanidade. Por acaso queremos repetir essa experiência? Certamente que não.


Outro exemplo: no logos, para que haja uma classe de homens livres na sociedade é preciso que haja uma classe oprimida e escravizada. Queremos repetir isso? Não. Refundar nossa civilização após os três caminhos sem saída que foram o nazismo, o estalinismo e o liberalismo requer uma refundação sobre bases sólidas. Por isso realizei o inventário, para ver o que podíamos recuperar e o que não, quando do passado podia nos servir e quanto não. A segunda consideração diz respeito aquilo que poderia ajudar o indivíduo a ser simpático, ao invés de egoísta. Neste contexto, a ideia da reconstrução do político, de uma nova forma do Estado que não esteja dedicado a conservar os interesses econômicos, mas sim a preservar os interesses coletivos, é central.

 

Qual é, então, a grande narrativa que poderia nos salvar?


DRD: Deixamos no caminho as grandes narrativas de antes e acreditamos cada vez menos na grande narrativa do mercado. Estamos à espera de algo que una o indivíduo, ou seja, uma grande narrativa. Eu proponho a narrativa de um indivíduo que deixou de ser egoísta, que não seja tampouco o indivíduo coletivo do estalinismo, nem tampouco o indivíduo mergulhado na ideia de uma raça que se crê superior, como no nazismo e no fascismo. Trata-se de um a narrativa alternativa a tudo isso, uma narrativa que persiste no fundo da civilização.


Creio que o valor da civilização Ocidental se radica no fato de ter colocado o acento na individualização, ou seja, na ideia da criação de um indivíduo capaz de pensar e agir por si mesmo. Não é para esquecer a noção de indivíduo, mas sim reconstruí-la. Contrariamente ao que se diz, não creio que nossas sociedades sejam individualistas, não. Nossas sociedades são lamentavelmente egoístas. Isso me faz pensar que há muita margem de existência ao indivíduo como tal, que há muitas coisas dele que não conhecemos.


Temos que fazer o indivíduo existir fora dos valores do mercado. O indivíduo do estalinismo foi dissolvido na massa do coletivismo; o indivíduo do nazismo e do fascismo foi dissolvido na raça, o indivíduo do liberalismo foi dissolvido no egoísmo. O indivíduo liberal é um escravo de suas paixões e de suas pulsões. Devemos nos elevar desse caminho sem saída liberal parar recriar um indivíduo aberto ao outro, capaz de realizar-se totalmente.


Há textos filosóficos de Karl Marx que não são muito conhecidos e nos quais Marx queria a realização total do indivíduo fora dos circuitos mercantis: no amor, na relação com os outros, na amizade, na arte. Poder criar o máximo a partir das disposições de cada um. Talvez seja o caso de recuperar essa narrativa do Marx filósofo e esquecer o do Marx marxista.


Tradução: Katarina Peixoto

  
Obs: Trechos do texto grifados por mim.
Postado no Blog Conversa Afiada em 08/01/2012


" Não é despropositado considerar que o surgimento de outra potência nuclear no Oriente Médio possa propiciar estabilidade política à região e ao mundo, por contraditório que possa parecer "




As consequências da assimetria nuclear



Do Jornal O Povo (CE) - 08/01/2012

Por Sued Lima*



Na década de 70 do século passado, o Brasil desenvolvia secretamente seu programa nuclear para fins militares. Para assegurar-lhe recursos financeiros, estabelecera parceria com o Iraque, que bancava os elevados investimentos necessários em troca de acesso aos conhecimentos tecnológicos brasileiros. O responsável pelo programa na Aeronáutica era o tenente-coronel aviador José Alberto Albano do Amarante, engenheiro eletrônico formado pelo ITA.



Em outubro de 1981, Amarante foi atacado por uma leucemia arrasadora, que o matou em menos de duas semanas. Sua família tem como certo que o cientista foi morto pelos serviços secretos dos EUA e de Israel, com o objetivo de impedir a capacitação brasileira à produção de armas atômicas. Dando força às suspeitas, foi identificado um agente israelense do Mossad, de nome Samuel Giliad, atuando à época em São José dos Campos, que fugiu do país logo após a misteriosa morte do oficial brasileiro.
O episódio dá bem o tom da virulência empregada pelos EUA e Israel para bloquear a entrada de outros países no fechado clube nuclear. Não por coincidência, apenas quatro meses antes da suposta ação em território brasileiro, Israel desfechara devastador ataque aéreo ao reator nuclear de Osirak, no Iraque, que vinha sendo construído pelos franceses.

Tais fatos dão credibilidade às reiteradas denúncias do governo iraniano de que seus cientistas estão sendo alvo de atentados por parte dos serviços secretos estadunidense, britânico e israelense. Somente em 2010, foram mortos os físicos Masud Ali Mohamadi e Majid Shariari, que atuavam no desenvolvimento de reatores nucleares, ambos vítimas de explosões de bombas em seus próprios automóveis, enquanto o chefe da Organização de Energia Atômica do Irã, Abbasi-Davanina, escapava por pouco da detonação de um carro-bomba, conforme ele próprio denunciou durante a conferência anual da Agência Internacional de Energia Atômica, em setembro último. Em julho de 2011, o físico Daryush Rezaei, 35 anos, foi morto a tiros em frente a sua casa, em ataque que também feriu sua esposa. Esses são alguns dos muitos casos de assassinatos e desaparecimentos de cientistas e chefes militares iranianos nos últimos anos.

Os crimes se dão em paralelo às intensas pressões do governo dos EUA para que a comunidade internacional aplique severas sanções ao Irã sob o argumento de que o país descumpre o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP).

Criado pela ONU em 1968, o acordo tem três objetivos principais: coibir o uso de tecnologia nuclear para produção de armas, eliminar os armamentos nucleares existentes e regular o uso de energia nuclear para fins pacíficos. Convenientemente, as grandes potências interpretam o acordo segundo seus próprios interesses: bloqueiam o desenvolvimento da pesquisa dos países não detentores de armas atômicas, mesmo quando para fins pacíficos, e fazem letra morta dos dispositivos do tratado que determinam o desarmamento.

Como previa o embaixador do Brasil na ONU, em 1968, José Augusto Araújo de Castro, quando atuou para impedir a adesão do Brasil ao TNP, o tratado é apenas um instrumento para perpetuar o poder das grandes potências.

Documentos divulgados pelo Wikileaks deixam clara a disposição dos EUA em não reduzir o número de ogivas nucleares instaladas na Europa. Por outro lado, enquanto todos os países do Oriente Médio fazem parte do TNP, Israel, único detentor de armas nucleares na região, nega-se a aderir ao acordo e repudiou as censuras de que foi alvo no relatório final da última reunião quinquenal do TNP, em 2010, gerando a ameaça dos demais governos vizinhos de abandonar o tratado na próxima reunião, marcada para 2012.

As guerras contra o Afeganistão, Iraque e Líbia, mais as ameaças contra a Síria, Coreia e Irã, parecem evidenciar que somente a capacidade de retaliação atômica intimida o império, já que a assimetria das forças alimenta aventuras dos Estados Unidos e de seus sócios de rapina, todos em busca de conflitos bélicos, seja para assegurar domínios seja para encobrir seus graves problemas domésticos.

A conjuntura estratégica do Oriente Médio indica que, para sua sobrevivência, o Irã não tem outra alternativa que a de construir sua bomba e, nesse sentido, corre contra o tempo, dado o cerco que se fecha contra o país.

Como analisa o cientista político paquistanês Tariq Ali, não é despropositado considerar que o surgimento de outra potência nuclear no Oriente Médio possa propiciar estabilidade política à região e ao mundo, por contraditório que possa parecer.

*Sued Lima - Coronel Aviador Ref e pesquisador do Observatório das Nacionalidades

Postado no Blog ContrapontoPIG
 Ícaro, primeiro aluno negro cotista de medicina da UFBA, recebe diploma


Apesar do DEM, dos Demétrios, dos Demóstenes, dos Dantas o vôo deste Ícaro foi pleno de realizações. Que história fantástica. Que venham muitos Ícaros.

Primeiro aluno de Medicina a entrar por cotas na UFBA recebe diploma
Por: Luana RibeiroCorreio da Bahia
06/01/2012



Ícaro começou Medicina na Ufba em 2005. Tornou-se ícone do sistema; aprovado em concurso para o Programa de Saúde da Família, já tem emprego garantido. Foto: Almiro Lopes
Em uma casa azul na Ladeira Manoel Faustino – mesmo nome de um dos líderes negros da Revolta dos Alfaiates, que em 2011 se tornou Herói da Pátria – Ícaro Luis Vidal, 24 anos, se apronta para o grande dia de sua vida. À noite, o primeiro estudante a ingressar pelo sistema de cotas no curso de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba) se forma.
As trancinhas que a cabeleireira faz em seu black power têm dois motivos: um é poder vestir o capelo de formatura (chapéu usado na solenidade). O outro é a pressão de sua mãe, Raimunda Vidal dos Santos, 47, que acha que assim o filho fica mais bonito para a festa, realizada ontem à noite, no Centro de Convenções.
Ícaro começou o curso em 2005, quando a Ufba implantou o sistema de cotas. Hoje, a instituição reserva 2% das vagas para índio-descendentes e 43% para alunos que tenham todo o ensino médio em escolas públicas. Desses, 85% são para estudantes que se declararam pardos ou pretos.
Ao fim do 3º ano no Colégio da Polícia Militar, conciliado com o cursinho, Ícaro já tinha passado no meio do ano em Direito na Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs). “Assim, eu fiz a prova mais tranquilo”. Amiga de infância, Inês Costal, 24, lembra dele como aluno aplicado. “Sempre foi brilhante, era o CDF”, relata.

Orgulho

Ícaro atribui o desempenho à sua criação. “Ele nunca me deu trabalho, mas sempre cobrei. A média do colégio era 8, mas eu exigia 9”, lembra a mãe. O rigor deu resultado. “Tenho orgulho dos meus filhos”, afirma ela, incluindo a filha Ísis Carine dos Santos, 25, que mês que vem se forma em Engenharia Química, também na Ufba.
Ontem, na formatura, dona Raimunda via o sonho realizado e vibrava num longo rosa. “Dever cumprido. Agora vou cuidar de mim”, diz ela, que este ano vai tentar cursar Pedagogia. “Espero conseguir uma vaga pelo Enem”, torce.
Ícaro divide com ela e com Ísis uma casa na Liberdade. O pai, que mora em Feira de Santana, também veio para a formatura. Uma outra irmã mora em Conceição de Feira.

Primeiro aluno de Medicina a entrar por cotas na UFBA recebe diploma

Desafios

O sonho de Medicina surgiu cedo. Ao ver crescer a barriga de três tias que engravidaram na mesma época, a cabeça do menino de 6 anos se encheu de perguntas. “Queria saber como tinha entrado, como saía”, lembra. Com o tempo, esqueceu a obstetrícia: agora quer ser oncologista. “Conviver com esses pacientes, tão carentes de atenção, me despertou para a área. O câncer é uma doença que isola”, reflete.
Se os pacientes sofrem, Ícaro também passou perrengues. Nos dois primeiros anos, além de cursar a faculdade, trabalhava e fazia curso técnico em Química, no Instituto Federal da Bahia (Ifba, então Cefet), que lhe possibilitou ser perito técnico da Polícia Civil.
O rapaz só chegava em casa às 23h e ainda tinha que estudar até as 2h. Várias vezes acabou dormindo em cima dos livros. “Mas nunca repeti nenhuma matéria”, orgulha-se.
O grande impacto na Ufba foi o grau de dificuldade. “A cota facilita a entrada, mas sair depende de você”, analisa.
Hoje, Dr. Ícaro está encaminhado: passou em um concurso para médico do Programa Saúde da Família (PSF). E quer mais. “Quando vi a equipe do (Hospital) Sírio-Libanês que cuidou de Lula falando com os repórteres, pensei: um dia eu é que vou estar aí”.

Projeto propõe cotas obrigatórias

Mesmo com tantas universidades no país adotando cotas, não há uma lei federal que determine regras ou obrigue as instituições a aderirem ao sistema. As universidades têm autonomia para decidir quantas vagas destinarão às cotas e se o critério será socioeconômico ou étnico. Um Projeto de Lei (71/99) sobre o tema já foi aprovado na Câmara e desde 2008 aguarda para ser votado no Senado. Segundo a proposta, apresentada em 1999 pela então deputada federal Nice Lobão (PFL-MA), as universidades públicas federais reservariam vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, tenham renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo e sejam negros, pardos ou indígenas.

No Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Ricardo Lewandowski relata duas ações contra cotas para negros. A primeira foi ajuizada pelo DEM contra a Universidade Federal de Brasília (UnB), onde uma comissão decide por foto ou entrevista quem pode ser classificado como negro, pardo ou branco. A outra foi proposta em maio por um estudante que não foi aprovado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Há ainda no STF mais três ações sobre o sistema de cotas adotado pelo ProUni. Os processos estão na pauta de votação desse ano.

Postado no Blog MariaFrô em o7/01/2012

Mistura Fina ! A boa música nativista gaúcha e a verdadeira música sertaneja