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Pai é um só



Martha Medeiros

Verdade seja dita: há muitas como sua mãe, mas ninguém como seu pai. Mãe é tudo igual, só muda de endereço. 

Não concordo 100% com essa afirmação, mas é verdade que nós, mães, temos lá nossas semelhanças. Basta reunir uma meia-dúzia num recinto fechado para se comprovar que, quando o assunto é filho, as experiências são praticamente xerox umas das outras.

Por outro lado, quem arriscaria dizer que pai é tudo farinha do mesmo saco? Nunca foram devidamente valorizados, nunca receberam cartilhas de conduta e sempre passaram longe da santificação. Cada pai foi feito à imagem e semelhança de si mesmo.

As meninas, assim que nascem, já são tratadas como pequenas "nossas senhoras" e começam a ser catequizadas: "Mãe, um dia você vai ser uma". E dá-lhe informação, incentivo e receitas de como se sair bem no papel. Outro dia, vi uma menina de não mais de três anos empurrando um carrinho de bebê com uma boneca dentro. Já era uma minimãe. Os meninos, ao contrário, só pensam nisso quando chega a hora, e aí acontece o que se vê: todo pai é fruto de um delicioso improviso.

Tem pai que é desligado de nascença, coloca o filho no mundo e acha que o destino pode se encarregar do resto. Ou é o oposto: completamente ansioso, assim que o bebê nasce já trata de sumir com as mesas de quinas pontiagudas e de instalar rede em todas as janelas, e vá convencê-lo de que falta um ano para a criança começar a caminhar.

Tem pai que solta dinheiro fácil. E pai que fecha a carteira com cadeado. Tem pai que está sempre em casa, e outros, nunca. Tem pai que vive rodeado de amigos e pai que não sabe o que fazer com suas horas de folga. Tem aqueles que participam de todas as reuniões do colégio e outros que não fazem ideia do nome da professora. Tem pai que é uma geleia, e uns que a gente nunca viu chorar na vida. Pai fechado, pai moleque, pai sumido, pai onipresente. Pai que nos sustenta e pai que é sustentado por nós. Que mora longe, que mora em outra casa, pai que tem outra família, e pai que não desgruda, não sai de perto jamais. Tem pai que sabe como gerenciar uma firma, construir um prédio, consertar o motor de um carro, mas não sabe direito como ser pai, já que não foi treinado, ninguém lhe deu um manual de instruções. Ser pai é o legítimo "faça você mesmo".

Alguns preferem não arriscar e simplesmente obedecem suas mulheres, que têm mestrado e doutorado no assunto. Mas os que educam e participam da vida dos filhos a seu modo é que perpetuam o charme desta raça fascinante e autêntica. Verdade seja dita: há muitas como sua mãe, mas ninguém é como seu pai.


Conversa entre o pai e o filho, por volta do ano 2050...




Luis Fernando Veríssimo 


Foi assim que tudo aconteceu, meu filho. Planejaram o negócio discretamente, para que não notássemos. Primeiro elas pediram igualdade entre os sexos. Os homens, bobos, nem deram muita bola para isso na ocasião. Parecia brincadeira. Pouco a pouco, elas conquistaram cargos estratégicos Diretoras de Orçamento, Empresárias, Chefes de Gabinete, Gerentes disso ou daquilo. 

- E aí, Papai? 

- Ah, os homens foram muito ingênuos. Enquanto elas conversavam ao telefone - durante horas a fio - eles pensavam que o assunto fosse telenovela. Triste engano. De fato, era a rebelião se expandindo nos inocentes intervalos comerciais. "Oi querida!", por exemplo, era a senha que identificava as líderes. "Celulite" eram as células que formavam a organização. Quando queriam se referir aos maridos, diziam "o regime". 

- E vocês? Não perceberam nada? 

- Ficávamos jogando futebol no clube, despreocupados. E o que é pior: continuamos a ajudá-las quando pediam. Carregar malas no aeroporto, naufrágios. Essas coisas de homem. 

- Aí, veio o golpe mundial? 

- Sim o golpe. O estopim foi o episódio Hillary-Mônica. Uma farsa. 

Tudo armado para desmoralizar o homem mais poderoso do mundo. Pegaram-no pelo ponto fraco, coitado. Já lhe contei, né? A esposa e a amante, que na TV posavam de rivais eram, no fundo, cúmplices de uma trama diabólica. O pobre Presidente... 

- Como era mesmo o nome dele? 

- William, acho. Tinha um apelido, mas esqueci. Desculpe, filho, já faz tanto tempo... 

- Tudo bem, Papai. Não tem importância. Continue... 

- Naquela manhã a Casa Branca apareceu pintada de cor-de-rosa. Era o sinal que as mulheres do mundo inteiro aguardavam. A rebelião tinha sido vitoriosa! Então elas assumiram o poder em todo o planeta. Aquela torre do relógio em Londres chamava-se Big-Ben, e não Big-Betty, como agora... Só os homens disputavam a Copa do Mundo, sabia? Dia de desfile de moda não era feriado. Essa Secretária Geral da ONU era uma simples cantora. Depois trocou o nome, de Madonna para Mandona... 

- Conta mais... 

- O resto você já sabe. Instituíram o Robô-Troca-Pneu como equipamento obrigatório de todos os carros... a Lei do Já-Prá-Casa, proibindo os homens de tomar cerveja depois do trabalho... E, é claro, a famigerada semana da TPM, uma vez por mês... 

- TPM ??? 

- Sim, TPM... A Temporada Provável de Mísseis... É quando elas ficam irritadíssimas e o mundo corre perigo de confronto nuclear... 

- Sinto um frio na barriga só de pensar, pai... 

- Shhh! Escutei barulho de carro chegando. Disfarça e continua picando essas batatas. 



Em algum lugar além do arco-íris



Era fim de tarde de uma terça-feira de Carnaval. Eu e meu pequeno Gabriel resolvemos ir ao supermercado comprar sorvete. Na volta ouvíamos Lucy in the sky with diamonds, na voz de Rita Lee. De repente, deparamo-nos com um enorme arco-íris. Há muito não via um tão colorido e perfeito no céu. Estacionamos para apreciá-lo. Uma chuva fraca ainda caía. Choveu praticamente o dia todo. Perguntei a ele se sabia quantas cores tinha um arco-íris. Gabriel fez que não e resolvemos contar: sete. Aí decidimos memorizar para quando chegássemos em casa fazermos um lindo desenho.

Falei para ele que no pé do arco-íris havia um tesouro e ele disse que sempre teve vontade de encontrar um. Sugeri que seguíssemos em direção ao cristo redentor (o mirante da cidade) para ver se o alcançávamos. Quanto mais andávamos, mais longe ele ficava. Expliquei que o arco-íris nunca deixava ninguém chegar perto dele. Gabriel perguntou se eu achava que o arco-íris tinha olhos. Respondi que sim. Quando chegamos lá no topo ele havia perdido o brilho intenso das cores, de quando o avistamos pela primeira vez.

Na descida para casa voltamos ouvindo e cantando Mama África e, à distância, novamente pudemos alcançar o ângulo de prisma para vê-lo novamente uma última vez. Foi quando o som do carro começou a tocar, coincidentemente, Somewhere over the rainbow. Para quem não se lembra, aí vai uma versão do gênio Keith Jarrett:
        

Seguimos para casa com planos de tomar sorvete primeiro e fazer nosso desenho depois (este aí de cima). Na mesa, enquanto saboreava seu sorvete de flocos Gabriel ouviu: - Filho, sabe porque não preciso correr atrás do tesouro do arco-íris? - Por quê, pai? - Porque meu tesouro é você! Seguiu-se uma sonora gargalhada de ambos e a sensação de que naquela meia hora eu e ele tínhamos vivido uma rica experiência que nos serviria para toda a vida.


Criar filhos não é fácil. Quem vê assim acha que é só alegria. Não é. Tem hora que perdemos a paciência, ficamos de "saco cheio" de ter que suportá-los, cuidar deles, alimentá-los, levá-los para passear... Ih, são tantas renúncias... Mas tem hora que uma mágica se faz e, em sintonia com o universo, uma pequena experiência vira uma grande viagem, em algum lugar bem além do arco-íris!  

Postado no Blog DoLadoDeLá em 21/02/2012