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Promessas de grande transformação



Leonardo Boff

Para pormos em curso outro tipo de Grande Transformação que nos devolva a sociedade com mercado e elimine a deletéria sociedade unicamente de mercado, precisamos fazer algumas travessias impostergáveis. A maioria delas está em curso mas elas precisam ser reforçadas. 

Importa passar:

- do paradigma Império, vigente há seculos para o paradigma Comunidade da Terra;

- de uma sociedade industrialista que depreda os bens naturais e tensiona as relações sociais para uma uma sociedade de sustentação de toda a vida;

- da Terra tida como meio de produção e balcão de recursos sujeitos à venda e à exploração para a Terra como um Ente vivo, chamado Gaia, Pacha Mama ou Mãe Terra;

- da era tecnozoica que devastou grande parte da biosfera para a era ecozoica pela qual todos os saberes e atividades se ecologizam e juntas cooperam na salvaguarda da vida;

- da lógica da competição que se rege pelo ganha-perde e que opõem as pessoas para a lógica da cooperação do ganha-ganha que congrega e fortalece a solidariedade entre todos;

- do capital material sempre limitado e exaurível, para o capital espiritual e humano ilimitado feito de amor, solidariedade, respeito, compaixão e de uma confraternização com todos os seres da comunidade de vida;

- de uma sociedade antropocêntrica, separada da natureza, para uma sociedade biocentrada que se sente parte da natureza e busca ajustar seu comportamento à logica do processo cosmogênico que se caracteriza pela sinergia, pela interdependência de todos com todos e pela cooperação.

Se é perigosa a Grande Transformação da sociedade de mercado, mais promissora ainda é a Grande Transformação da consciência.

Triunfa aquele conjunto de visões, valores e princípios que mais congregam pessoas e melhor projetam um horizonte de esperança para todos. 

Essa seguramente é a Grande Transformação das mentes e dos corações a que se refere à Carta da Terra. Esperamos que se consolide, ganhe mais e mais espaços de consciência com práticas alternativas até assumir a hegemonia da nossa história.

Há um documento acima citado a Carta da Terra por seu alto valor de inspiração e gerador de esperança. Ela é fruto de uma vasta consulta dos mais distintos setores das sociedades mundiais, desde os povos originários, das tradições religiosas e espirituais até de notáveis centros de pesquisa. 

Foi animada especialmente por Michail Gorbachev, Steven Rockfeller, o ex-primeiro ministro da Holanda Lubbers, Maurice Strong, sub-secretário da ONU e Mirian Vilela, brasileira que, desde o início coordena os trabalhos e dirige o Centro na Costa Rica. Eu mesmo faço parte do grupo e tenho colaborado na redação do documento final e de sua difusão por onde passo.

Depois de 8 anos de intensos trabalhos e de encontros frequentes nos vários continentes, surgiu um documento pequeno mas denso que incorpora o melhor da nova visão nascida das ciências da Terra e da vida, especialmente da cosmologia contemporânea. 

Se traçam princípios e se elaboram valores no arco de uma visão holística da ecologia, que podem efetivamente apontar um caminho promissor para a humanidade presente e futura. 

Aprovado em 2001 foi assumido oficialmente em 2003 pela UNESCO como um dos materiais educativos mais inspiradores do novo milênio.

A Hidrelétrica Itaipu-Binacional, a maior do gênero no mundo, tomou a sério as propostas da Carta da Terra e seus dois diretores Jorge Samek e Nelton Friedrich conseguiram envolver 29 municípios que bordeiam o grande lago onde vive cerca de um milhão de pessoas.

Deram início de fato a uma Grande Transformação. Lá se realiza, efetivamente, a sustentabilidade e se aplica o cuidado e a responsabilidade coletiva em todos os municípios e em todos os âmbitos, mostrando que, mesmo dentro da velha ordem, se pode gestar o novo porque as pessoas mesmas vivem já agora o que querem para os outros.

Se concretizarmos o sonho da Terra, esta não será mais condenada a ser para a maioria da humanidade um vale de lágrimas e uma via-sacra de padecimentos.

Ela pode ser transformada numa montanha de bem-aventuranças, possíveis à nossa sofrida existência e uma pequena antecipação da transfiguração do Tabor.

Para que isso ocorra, não basta sonhar, mas importa praticar.


Postado no blog Contraponto em 12/08/2014


Nota

O Tabor é um monte majestoso, alcançando 660 metros de altitude.

 Maravilhoso panorama se descortina do alto, vendo-se o relevo ondulado da Galiléia, o lago de Genezaré, o cimo nevado do monte Hermon, o monte Carmelo e o Mar Mediterrâneo. 

Mas o Tabor é famoso por algo mais transcendente: em seu cume ocorreu  a Transfiguração de Jesus (Jesus ouve a voz de Deus e torna-se envolto em uma luz branca e brilhante).


Monte Tabor







As próximas cenas não são belas, pois refletem, exatamente, o lado feio do ser humano. 

Quero muito crer que ainda há tempo de revertermos tudo isto.

E criarmos o mundo que sonhamos.

 Basta mudarmos as nossas prioridades perante a vida !  


Uma história do homem, do neandertal ao neoliberal


Arando a terra, pintura de Sennedjem. Tumba egípcia, c. 1200 a.C., Tebas
A humanidade de hoje é predominantemente descendente dos grupos que inovaram a agricultura

Uma análise da evolução do planeta observa que as decisões políticas em benefício de uma elite não são inexoráveis. Sempre há, como agora, possibilidades que levem em conta a vida das maiorias.


Renato Pompeu

Até hoje, apesar de a globalização e de o entrelaçamento de todos os povos do mundo numa interdependência recíproca já datarem de décadas, a história do mundo, ou história geral, na maioria das escolas e universidades e na quase totalidade dos livros, é narrada e interpretada como se a Europa Ocidental tivesse sido sempre o centro mais importante do mundo, com destaque para Grécia, Roma, a Idade Média e a Revolução Industrial. 

Só nos últimos poucos anos é que têm surgido no Ocidente livros de história de um ponto de vista mais global, que mostram notadamente que, diante de impérios como a China, a Índia e a Pérsia e da expansão do Islã, a Europa Ocidental foi na maior parte dos séculos e milênios uma península isolada e atrasada.

Agora que a Ásia está ressurgindo como protagonista mundial, podemos ver mais claramente que o período de ascendência do Ocidente sobre o mundo durou pouco mais de um século, desde os fins do século 18 até recentemente. Fora desse período, a China e a Índia foram sempre muito mais ricas e muito mais poderosas. 

Até mesmo os melhores pensadores europeus, como Hegel, Marx e Engels, foram dominados pelo eurocentrismo, embora procurassem se informar sobre outros povos.

Essa tradição ocidentocêntrica continuou entre os historiadores marxistas – por exemplo, o famoso livro do marxista americano Leo Huberman, História da Riqueza do Homem, mal menciona regiões­ não ocidentais.

Agora, porém, surgiu na Inglaterra e nos Estados Unidos a primeira história globalizada do mundo escrita por um marxista. Trata-se de A Marxist History of the World: From Neanderthals to Neoliberals, do arqueólogo e historiador inglês Neil Faulkner, autor anteriormente de estudos sobre sítios arqueológicos britânicos, as Olimpíadas gregas e a Roma antiga. 

A obra foi editada pela Pluto Press e o título pode ser traduzido por “Uma história marxista do mundo, dos neandertais aos neoliberais”, numa manifestação do típico humor sarcástico inglês.

Questão de escolha

Como obra marxista, a de Faulkner restabelece a visão de processo dinâmico cultivada mais por Marx que por Engels e pelos marxistas tradicionais. 

Não defende teses de que os desenvolvimentos históricos estiveram sempre predeterminados por estruturas econômicas que aprisionam o destino humano em rumos inexoráveis. 

Ele tenta mostrar, a cada passo, como as estruturas econômicas permitiam uma série de saídas e de evoluções, e não apenas as que efetivamente ocorreram, procura estabelecer que, em cada situação histórica, os seres humanos sempre podem escolher que saída adotar.

Como obra de história, a de Faulkner se destaca por não parar no tempo. 

A maior parte dos livros contemporâneos de história do mundo se detém num ponto do passado, em geral a Segunda Guerra Mundial ou, na melhor das hipóteses, o colapso dos países socialistas.

Mas o autor chega até os dias de hoje, e isso é particularmente importante porque ele considera a atual crise estrutural do capitalismo mundial o maior desafio que a humanidade teve de enfrentar em todos os tempos.

Faulkner reforça sua tese de que nosso destino não está traçado inexoravelmente pelas estruturas econômicas vigentes, pois dentro dessas estruturas há forças que permitem diferentes saídas, das que beneficiem uma elite da população às que beneficiem a maioria.

Como bom marxista não ortodoxo, defende a tese de que nada está predeterminado, tudo depende da luta, tudo depende do empenho de cada um e de todos em mudar o seu destino.

Não era obrigatório, por exemplo, que os antigos primatas hominídeos se transformassem em seres humanos socialmente cooperativos, nem era inevitável que no Paleolítico Superior houvesse uma revolução tecnológica no uso de instrumentos de pedra. Tudo isso foi objeto de escolhas conscientes.

Já no Neolítico, havia pelo menos duas saídas para alimentar a crescente população de sociedades comunísticas: ou a guerra global por recursos escassos, ou a intensificação da agricultura.

Na verdade, conforme a região, as duas situações ocorreram, sendo a humanidade de hoje predominantemente descendente dos grupos que inovaram na agricultura, na proteção militar, no controle da irrigação, na coleta de impostos, no controle da distribuição da produção, enquanto a maioria continuava no cultivo. 

Tudo isso decorreu da criatividade humana, do mesmo modo que a saída da crise atual vai depender da criatividade de bilhões de pessoas.

No Egito e no Grande Zimbábue (na África), na Suméria (na Ásia) e no México (na América do Norte), a intensificação da agricultura permitiu que houvesse um superávit alimentar que sustentava enormes populações de governantes, soldados e sacerdotes, que não precisavam produzir a própria comida. 

Que isso foi objeto de escolhas conscientes, e não de reflexos sociais inexoráveis a partir das condições econômicas, fica provado pelas enormes diferenças estruturais, sociais e culturais entre as sociedades egípcia, zimbabuana, suméria e mexicana. A única coisa em comum são seus artefatos de cobre.

Quando se adotam instrumentos de bronze, se sucedem, principalmente na Mesopotâmia e no Egito, impérios que nascem, ascendem, chegam ao auge, decaem e desaparecem, sempre em meio a crises e guerras, num processo que se replica várias vezes.

Aqui Faulkner, que está longe de ser um historiador “objetivo” e sempre toma partido da maioria, se insurge como um profeta bíblico contra as vitórias das minorias, que segundo ele transformaram a Idade do Bronze numa sucessão de desperdício de recursos e de violências e guerras intermináveis.

Ele vai notar, mais adiante, que hoje estamos diante de escolhas semelhantes.

O próximo grande passo da história não foi dado no Egito, no Grande Zimbábue, na Suméria ou no México, mas em pontos periféricos (na época), como a Pérsia, onde se passou a adotar instrumentos agrícolas e de artesanato e armas de ferro, não mais de bronze.

O excedente de alimentos aumentou enormemente em relação à Idade do Bronze: a Idade do Ferro se consolidou mais ou menos 1.300 anos antes de Cristo.

Surgem os impérios Indiano e Chinês. Aqui Faulkner vai observar que, com a instauração da propriedade privada, as mulheres passaram a perder seu papel central e crucial na sociedade para ficar em posições subordinadas.

Em outro capítulo bem interessante, demonstrará que o advento do judaísmo, do cristianismo e do islamismo foi em grande parte produzido pelos mitos vigentes entre as camadas oprimidas e pelas suas aspirações.

A globalização triunfa de novo no livro do arqueólogo com a descrição dos esplendores dos impérios Bizantino, Islâmico, Indiano e Chinês, enquanto a Europa sofria a invasão dos bárbaros e permanecia em isolamento atrasado até o início das grandes navegações e até começar a se consolidar o capitalismo, a partir da exploração das colônias. Embora o autor não deixe de mencionar as civilizações da África, da Mesoamérica e dos Andes, aqui já estamos caminhando em terrenos mais familiares.

Mas Faulkner inova mais uma vez no final: ele chega até 2012.

Diz que a crise financeira de 2008 representa a passagem de “uma bolha para um buraco negro” e que, quatro anos depois, a elite neoliberal está emaranhada nas contradições que seu próprio domínio envolve.

E adverte: a saída dessa situação não está de modo algum predeterminada pelas condições econômicas; depende da ação consciente de todos os seres humanos em relação às situações concretas em que nos encontramos. 

Trata-se de um apelo à luta em favor das maiorias oprimidas.





O sonho de uma civilização realmente planetária

                                       


Leonardo Boff

Em parte, o desamparo atual que toma conta de grande parte da humanidade, se deriva de nossa incapacidade de sonhar e de projetar utopias. Não qualquer utopia. Mas aquelas necessárias que podem se transformar em topias, quer dizer, em algo que se realiza, mesmo imperfeitamente, nas condições de nossa história. Caso contrário, nosso futuro comum, da vida e da civilização correm graves riscos.

Temos, portanto, que tentar tudo, para não chegarmos tarde demais ao verdadeiro caminho, que nos poderá salvar. Esse caminho passa pelo cuidado, pela sustentabilidade, pela responsabilidade coletiva e por um sentido espiritual da vida.

Valho-me das palavras inspiradoras de Oscar Wilde, o conhecido escritor irlandês que disse acerca da utopia: “Uma mapa do mundo que não inclua a utopia não é digno sequer de ser espiado, pois ignora o único território em que a humanidade sempre atraca, partindo, em seguida, para uma terra ainda melhor...O progresso é a realização de utopias.”

Pertence ao campo da utopia projetar cenários esperançadores. Vamos apresentar um, de Robert Müller, que por 40 anos foi um alto funcionário da ONU, chamado também de “cidadão do mundo” e “pai da educação global”. Era um homem de sonhos, um deles realizado ao criar e ser o primeiro reitor da Universidade da Paz, criada em 1980 pela ONU em Costa Rica, único pais do mundo a não ter exército.

Ele se imaginou um novo relato do Gênesis bíblico: o surgimento de uma civilização realmente planetária na qual a espécie humana se assume como espécie junto com outras com a missão de garantir a sustentabilidade da Terra e cuidar dela bem como de todos os seres que nela existem. Eis o que ele chamou de “Novo Gênesis”:

“E Deus viu que todas as nações da Terra, negras e brancas, pobres e ricas, do Norte e do Sul, do Oriente e do Ocidente, de todos os credos, enviavam seus emissários a um grande edifício de cristal às margens do rio do Sol Nascente, na ilha de Manhattan, para juntos estudarem, juntos pensarem e juntos cuidarem do mundo e de todos os seus povos.

E Deus disse:" Isso é bom". E esse foi o primeiro dia da Nova Era da Terra.

E Deus viu que os soldados da paz separavam os combatentes de nações em guerra, que as diferenças eram resolvidas pela negociação e pela razão e não pelas armas, e que os líderes das nações encontravam-se, trocavam idéias e uniam seus corações, suas mentes, suas almas e suas forças para o benefício de toda a humanidade.

E Deus disse:" Isso é bom."E esse foi o segundo dia do Planeta da Paz.

E Deus viu que os seres humanos amavam a totalidade da Criação, as estrelas e o Sol, o dia e a noite, o ar e os oceanos, a terra e as águas, os peixes e as aves, as flores e as plantas e todos os seus irmãos e irmãs humanos.

E Deus disse:"Isso é bom." E esse foi o terceiro dia do Planeta da Felicidade.

E Deus viu que os seres humanos eliminavam a fome, a doença, a ignorância e o sofrimento em todo o globo, proporcionando a cada pessoa humana uma vida decente, consciente e feliz, reduzindo a avidez, a força e a riqueza de unspoucos.

E Deus disse:"Isto é bom." E esse foi o quarto dia do Planeta da Justiça.

E Deus viu que os seres humanos viviam em harmonia com seu planeta e em paz com osoutros, gerenciando seus recursos com sabedoria, evitando o desperdício, refreando os excessos, substituindo o ódio pelo amor, a avidez pela satisfação, a arrogância pela humildade, a divisão pela cooperação e a suspeita pela compreensão.

E Deus disse:" Isso é bom." E esse foi o quinto dia do Planeta de Ouro.

E Deus viu que as nações destruíam suas armas, suas bombas, seus mísseis, seus navios e aviões de guerra, desativando suas bases e desmobilizando seus exércitos, mantendo apenas policiais da paz para proteger os bons dos violentos e os sensatos dos insanos. 

E Deus disse:" Isso é bom". E esse foi o sexto dia do Planeta da Razão.

E Deus viu que os seres humanos instauravam Deus e a pessoa humana como o Alfa e o Omega de todas as coisas, reduzindo instituições, crenças, políticas, governos e todas as entidades humanas a simples servidores de Deus e dos povos. E Deus os viu adotar como lei suprema: "Amarás ao Deus do Universo com todo o teu coração, com toda tua alma, com toda atua mente e com todas as tuas forças; amarás teu belo e esplendoroso planeta e o tratarás com infinito cuidado; amarás teus irmãos e irmãs humanos como amas a ti mesmo. Não há mandamentos maiores que estes”.

E Deus disse:"Isso é bom." E esse foi o sétimo dia do Planeta de Deus".

Se na porta do inferno de Dante Alighieri estava escrito: “Abandonai toda a esperança, vós que entrais” na porta da nova civilização na era da Terra e do mundo planetizado estará escrito em todas as línguas que existem na face da Terra: “Não abandoneis jamais a esperança, vós que entrais” 

O futuro passa por esta utopia. Seus albores já se anunciam.

Leonardo Boff é teólogo e escritor.


Postado no site Carta Maior em 26|04|2013



As mudanças climáticas e o mito do progresso humano





Aceitar emocionalmente um desastre iminente, atingir a compreensão visceral que a elite do poder não vai responder de forma racional à devastação do ecossistema, é tão difícil de aceitar como nossa própria mortalidade. A luta existencial mais difícil do nosso tempo é a de ingerir esta terrível verdade - intelectualmente e emocionalmente - e continuar a resistir às forças que estão nos destruindo. O artigo é de Chris Hedges.

Chris Hedges (*)


Clive Hamilton em seu "Réquiem por uma Espécie: Por que resistimos à verdade sobre a mudança climática", descreve um alívio sombrio que vem de aceitar que a "catastrófica mudança climática é praticamente certa". Esta obliteração de "falsas esperanças", diz ele, exige um conhecimento intelectual e um conhecimento emocional. O primeiro é atingível. O segundo, por significar que aqueles que amamos, incluindo os nossos filhos, estão quase certamente fadados à miséria, insegurança e sofrimento dentro de poucas décadas, senão de alguns anos, é muito mais difícil de adquirir. Aceitar emocionalmente um desastre iminente, atingir a compreensão visceral que a elite do poder não vai responder de forma racional à devastação do ecossistema, é tão difícil de aceitar como nossa própria mortalidade. A luta existencial mais difícil do nosso tempo é a de ingerir esta terrível verdade - intelectualmente e emocionalmente - e continuar a resistir às forças que estão nos destruindo.


A espécie humana, liderada por europeus e euro americanos brancos, tem sido um alvoroço de 500 anos de conquistas, saques, pilhagens, explorações e poluições da Terra, bem como matando as comunidades indígenas que estavam no caminho. Mas o jogo acabou. As forças técnicas e científicas que criaram uma vida de luxo sem precedentes - bem como inigualável poder militar e econômico - para as elites industriais agora são nossa desgraça. A mania de expansão econômica e de exploração incessante tornou-se uma maldição, uma sentença de morte. Mas assim como nossos sistemas econômicos e ambientais desvendam-se, após o ano mais quente em 48 estados desde que a manutenção de registros começou há 107 anos, não temos a criatividade emocional e intelectual para desligar o motor do capitalismo global. Juntamos-nos a uma máquina do fim do mundo que tritura tudo em seu caminho, como o projeto de relatório do Comitê Consultivo Nacional do Clima e Desenvolvimento ilustra. Ilustração por Mr. Fish.

Civilizações complexas têm o mau hábito de destruírem-se. Antropólogos, incluindo Joseph Tainter em "O Colapso das Sociedades Complexas", Charles L. Redman em "Impacto Humano em Ambientes Antigos" e Ronald Wright, em "Uma Breve História do Progresso" estabeleceram os padrões familiares que levam ao colapso do sistema. A diferença desta vez é que, quando descermos, todo o planeta irá conosco. Não haverá, com este colapso final, novas terras para explorar, nem novas civilizações para conquistar, nem novos povos para subjugar. A longa luta entre a espécie humana e a Terra terminará com os remanescentes da espécie humana aprendendo uma dolorosa lição sobre a ganância desenfreada e a autoadoração.

"Há um padrão no passado da civilização após civilização desgastando suas boas-vindas da natureza, superexplorando seu ambiente, super expandindo-se, super povoando", disse Wright quando fiz contato com ele por telefone em sua casa em British, Columbia, Canadá. "Eles tendem a entrar em colapso pouco depois de chegarem ao seu período de maior esplendor e prosperidade. Esse padrão vale para uma série de sociedades, entre eles os romanos, os antigos maias e os sumérios do que é hoje o sul do Iraque. Há muitos outros exemplos, incluindo sociedades de menor escala como a Ilha de Páscoa. As mesmas coisas que fazem com que as sociedades prosperem no curto prazo, especialmente novas maneiras de explorar o ambiente, tais como a invenção da irrigação, levam ao desastre no longo prazo por causa de complicações imprevistas. 

Isto é o que eu chamei de "armadilha do progresso" em "Uma Breve História do Progresso". Temos colocado em movimento uma máquina industrial de tal complexidade e tal dependência em expansão que não sabemos como fazer com menos ou mudar para um estado de equilíbrio em termos de nossas demandas da natureza. Nós temos falhado em controlar o número de humanos. Eles triplicaram durante minha vida. E o problema é muito pior pelo crescente espaço entre ricos e pobres, a concentração de riqueza garante que nunca tem o suficiente para todos. O número de pessoas em extrema pobreza, hoje, é cerca de dois bilhões, maior do que toda a população do mundo no início de 1900. Isso não é progresso”.

"Se continuarmos a não tomar conta das coisas de uma forma ordenada e racional, iremos a algum tipo de catástrofe, mais cedo ou mais tarde", ele disse. "Se tivermos sorte, será grande o suficiente para nos despertar em todo o mundo, mas não grande o suficiente para nos eliminar. Isso é o melhor que podemos esperar. Devemos transcender a nossa história evolutiva. Nós somos caçadores da Idade do Gelo, de barba feita e vestindo um terno. Nós não somos bons pensadores para longo prazo. Nós gostaríamos de desfiladeiro sim nos de mamutes mortos conduzindo um rebanho de um penhasco que descobrir como conservar o rebanho para que ele possa alimentar a nós e aos nossos filhos para sempre. Isto é a transição que nossa civilização tem que fazer. E nós não estamos fazendo isso."

Wright, que em seu romance "Um Romance Científico" pinta um retrato de um mundo futuro devastado pela estupidez humana, cita "arraigados interesses políticos e econômicos" e uma falha da imaginação humana, como os dois maiores obstáculos à mudança radical. E todos nós, que usamos combustíveis fósseis, que nos sustentamos através da economia formal, diz ele, estamos em Sociedades capitalistas modernas, Wright argumenta em seu livro "O que é a América?: Uma Breve História da Nova Ordem Mundial", derivam de invasores Europeus, a pilhagem das culturas indígenas das Américas do 16 ao século 19, juntamente com o uso de escravos africanos como uma força de trabalho para substituir os nativos. 

Os números desses nativos caíram mais de 90% por causa da varíola e outras pragas que não existiam antes. Os espanhóis não conquistaram nenhuma das principais sociedades até a varíola os atingir; de fato, os astecas os venceram de primeira. Se a Europa não foi capaz de aproveitar o ouro das civilizações asteca e inca, se não tivesse sido capaz de ocupar a terra e adotar culturas altamente produtivas do Novo Mundo para uso em explorações agrícolas europeias, o crescimento da sociedade industrial na Europa teria sido muito mais lento. Karl Marx e Adam Smith chamaram atenção para o fluxo de riqueza das Américas como tendo feito a Revolução Industrial e possível o início do capitalismo moderno. Foi o estupro das Américas, ressalta Wright, que acionou a orgia de expansão europeia. A Revolução Industrial também equipou os europeus com sistemas de armas tecnologicamente avançados, criando mais subjugação e pilhagem, tornando a expansão possível.

"A experiência de 500 anos relativamente fáceis de expansão e colonização, a constante assunção de novas terras, levou ao mito capitalista moderno que você pode expandir para sempre", disse Wright. "É um mito absurdo. Nós vivemos neste planeta. Nós não podemos deixá-lo e ir para outro lugar. Temos que trazer nossas economias e demandas da natureza dentro dos limites naturais, mas nós tivemos 500 anos em que os europeus, euro americanos e outros colonos invadiram o mundo e o dominaram. Esta execução de 500 anos fez com que a situação parecesse não só fácil, como normal. Nós acreditamos que as coisas vão sempre ficar maior e melhor. Temos que entender que este longo período de expansão e prosperidade era uma anomalia. Ele raramente aconteceu na história e nunca vai acontecer de novo. Temos que reajustar nossa civilização inteira para viver em um mundo finito. Mas nós não estamos fazendo isso, porque nós estamos carregando bagagem demais, versões míticas demais da história deliberadamente distorcidas e um sentimento profundamente arraigado de que ser moderno é ter mais. Isto é o que os antropólogos chamam uma patologia ideológica, uma crença autodestrutiva que leva sociedades a se destruírem e queimarem. Estas sociedades continuam fazendo coisas que são realmente estúpidas, porque elas não podem mudar sua maneira de pensar. E é aí que nós estamos".

E, enquanto o colapso se torna palpável, se a história humana é um guia, nós como sociedades passadas em perigo vamos recuar em que os antropólogos chamam de "cultos de crise." A impotência que sentiremos do caos ecológico e econômico irá desencadear delírios mais coletivos, como a crença fundamentalista em um deus ou deuses que vão voltar à Terra e nos salvar.

"Sociedades em colapso muitas vezes acreditam que se certos rituais são realizados todas as coisas ruins vão embora", disse Wright. "Há muitos exemplos disso ao longo da história. No passado, estes cultos de crise aconteceram entre as pessoas que haviam sido colonizadas, atacadas e mortas por pessoas de fora, que perderam o controle de suas vidas. Eles veem nesses rituais a capacidade de trazer de volta o mundo passado, o que enxergam como uma espécie de paraíso. Eles procuram voltar ao modo de como as coisas eram. Cultos de crise espalharam-se rapidamente entre as sociedades americanas nativas no século 19, quando os búfalos e os índios estavam sendo mortos, por fuzis e pistolas, armas de fogo. As pessoas passaram a acreditar, como aconteceu no Ghost Dance, que se fizessem as coisas certas, o mundo moderno, que era intolerável, - o arame farpado, as ferrovias, o homem branco, a metralhadora - desapareceria".

"Nós todos temos a mesma fiação psicológica básica", disse Wright. "Isso nos faz muito mal em planejamento de longo prazo e nos leva a apegar-nos a ilusões irracionais, quando confrontado com uma ameaça séria. Olhe para a crença da extrema direita de que se o governo desaparecesse, o paraíso perdido da década de 1950 iria voltar. Olhe para a forma de como estamos deixando a exploração de petróleo e gás seguir em frente, quando sabemos que a expansão da economia do carbono é suicida para os nossos filhos e netos. Os resultados já podem ser sentidos. Quando se chega ao ponto onde grande parte da Terra experimenta quebra de safra ao mesmo tempo, teremos fome e colapsos em massa. Isso é o que está por vir se não lidarmos com as mudanças climáticas.”

"Se falharmos neste grande experimento, esta experiência de macacos se tornarem inteligentes o suficiente para assumir o comando do seu próprio destino, a natureza não se importará e dirá que foi divertido por um tempo deixar os macacos executar o laboratório, mas no final foi uma má ideia”, disse Wright.




(*) Chris Hedges é colunista para Truthdig.com. Hedge se formou em Harvard Divinity School e foi durante quase duas décadas correspondente estrangeiro para o New York Times. Ele é o autor de muitos livros, incluindo: A Guerra É Aquela Força Que Nos Dá Sentido, O Que Todos Deveriam Saber Sobre Guerra, e Fascistas Americanos: A Direita Cristã e a Guerra na América. Seu livro mais recente é Império da Ilusão.


Postado no blog Carta Maior em 17/01/2013
Imagem inserida por mim

Qual futuro você escolhe?




Como enfrentar a sexta extinção em massa?






Referimo-nos anteriormente ao fato de o ser humano, nos últimos tempos, ter inaugurado uma nova era geológica – o antropoceno – era em que ele comparece como a grande ameaça à biosfera e o eventual exterminador de sua própria civilização. Há muito que biólogos e cosmólogos estão advertindo a humanidade de que o nível de nossa agressiva intervenção nos processos naturais está acelerando enormemente a sexta extinção em massa de espécies de seres vivos. Ela já está em curso há alguns milhares de anos. Estas extinções, misteriosamente, pertencem ao processo cosmogênico da Terra. Nos últimos 540 milhões de anos ela conheceu cinco grandes extinções em massa, praticamente uma em cada cem milhões de anos, exterminando grande parte da vida no mar e na terra. A última ocorreu há 65 milhões de anos quando foram dizimados os dinossauros entre outros.

Até agora todas as extinções eram ocasionadas pelas forças do próprio universo e da Terra a exemplo da queda de meteoros rasantes ou de convulsões climáticas. A sexta está sendo acelerada pelo próprio ser humano. Sem a presença dele, uma espécie desaparecia a cada cinco anos. Agora, por causa de nossa agressividade industrialista e consumista, multiplicamos a extinção em cem mil vezes, diz-nos o cosmólogo Brian Swimme em entrevista recente no Enlighten Next Magazin, n.19. Os dados são estarrecedores: Paul Ehrlich, professor de ecologia em Standford calcula em 250.000 espécies exterminadas por ano, enquanto Edward O. Wilson de Harvard dá números mais baixos, entre 27.000 e 100.000 espécies por ano (R. Barbault, Ecologia geral 2011, p.318).

O ecólogo E. Goldsmith da Universidade da Georgia afirma que a humanidade ao tornar o mundo cada vez mais empobrecido, degradado e menos capaz de sustentar a vida, tem revertido em três milhões de anos o processo da evolução. O pior é que não nos damos conta desta prática devastadora nem estamos preparados para avaliar o que significa uma extinção em massa. Ela significa simplesmente a destruição das bases ecológicas da vida na Terra e a eventual interrupção de nosso ensaio civilizatório e quiçá até de nossa própria espécie. Thomas Berry, o pai da ecologia americana, escreveu:”Nossas tradições éticas sabem lidar com o suicídio, o homicídio e mesmo com o genocídio mas não sabem lidar com o biocídio e o geocídio”(Our Way into the Future, 1990 p.104).

Podemos desacelerar a sexta extinção em massa já que somos seus principais causadores? Podemos e devemos. Um bom sinal é que estamos despertando a consciência de nossas origens há 13,7 bilhões de anos e de nossa responsabilidade pelo futuro da vida. É o universo que suscita tudo isso em nós porque está a nosso favor e não contra nós. Mas ele pede a nossa cooperação já que somos os maiores causadores de tantos danos. Agora é a hora de despertar enquanto há tempo.

O primeiro que importa fazer é renovar o pacto natural entre Terra e Humanidade. A Terra nos dá tudo o que precisamos. No pacto, a nossa retribuição deve ser o cuidado e o respeito pelos limites da Terra. Mas, ingratos, lhe devolvemos com chutes, facadas, bombas e práticas ecocidas e biocidas.

O segundo é reforçar a reciprocidade ou a mutualidade: buscar aquela relação pela qual entramos em sintonia com os dinamismos dos ecossistemas, usando-os racionalmente, devolvendo-lhes a vitalidade e garantindo-lhes sustentabilidade. Para isso necessitamos nos reinventar como espécie que se preocupa com as demais espécies e aprende a conviver com toda a comunidade de vida. Devemos ser mais cooperativos que competitivos, ter mais cuidado que vontade de submeter e reconhecer e respeitar o valor intrínseco de cada ser.

O terceiro é viver a compaixão não só entre os humanos mas para com todos os seres, compaixão como forma de amor e cuidado. A partir de agora eles dependem de nós se vão continuar a viver ou se serão condenados a desaparecer. Precisamos deixar para trás o paradigma de dominação que reforça a extinção em massa e viver aquele do cuidado e do respeito que preserva e prolonga a vida.

No meio do antropoceno, urge inaugurar a era ecozóica que coloca o ecológico no centro de nosas atenções. Só assim há esperança de salvar nossa civilização e de permitir a continuidade de nosso planeta vivo.

Leonardo Boff é autor com Mark Hathaway de O Tao da Libertação: explorando a ecologia da transformação, Vozes 2011.

Postado no Blog Leonardo Boff.com em 26/02/2012