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A maior crise humanitária desde a Segunda Guerra Mundial







Apesar das imagens não serem violentas, são extremamente tristes.

Populações inteiras estão sendo forçadas a deixarem seus lares, seu passado para sempre, 
pois não existe perspectiva de sobrevivência, 
pela pressão das 

guerras que são impostas por quem controla o planeta.


Postado no Docverdade em 30/12/2015 


A França e o sequestro das boas intenções


Hollande Syria Islamic State Daesh France terrorism Paris



Diógenes Júnior, no site dos Jornalistas Livres:

Há uma tentativa da mídia, por sinal bem exitosa, de sequestrar o emocional das pessoas, comparando os atentados ocorridos no último dia 13 em Paris com os atentados de 11 de setembro nos EUA, vitimizando a França e relativizando os ataques que essa mesma França praticou contra a Síria e o Iraque, por exemplo.

Diante de duas tragédias, a proporção da cobertura midiática revela a desproporção de sua comoção.

As lágrimas meticulosamente estudadas e oportunamente derramadas pelo presidente francês François Hollande durante seu pronunciamento oficial fazem parte de uma estratégia.

A campanha que a rede social Facebook disponibilizou para que seus usuários pudessem mesclar as cores da bandeira da França com suas fotos de perfil são de um altruísmo questionável e extremamente seletivo.

A enorme quantidade de pessoas que utilizaram esse recurso, ou mesmo as que trocaram suas fotos de perfil por bandeiras da França são reflexo do sucesso de uma mesma estratégia, também de tentar sequestrar o emocional de sua audiência.

Jogando com o inconsciente coletivo das pessoas, manipulando reportagens e bombardeando-as com informações pinçadas conforme seus interesses, a mídia tradicional tem pautado a agenda de discussões sobre o tema “terrorismo”, definindo conforme suas convicções comerciais a diferença entre “ataque terrorista” e “legítima defesa diante de injustas agressões”.

Pelas regras contidas nessa agenda midiática, fica pré-estabelecida uma dinâmica em que qualquer ofensiva promovida por um país ocidental contra um país de orientação islâmica é legítima, sempre realizada com os heróicos objetivos de “defender a democracia”, “encontrar armas de destruição em massa” e “acabar com regimes totalitários e ditatoriais”.

No documentário Fahrenheit 9/11, o direitor Michael Moore apresentou ao mundo alguns métodos com os quais os governo dos EUA, tendo como principal aliado a mídia, fizeram a população do país não apenas acreditar que havia evidências de existência de armas de destruição em massa no Iraque, mas também apoiar uma invasão àquele país.

O governo americano declarou ter gasto US$ 845 bilhões no conflito no Iraque. O que não é nada, comparado à perda de mais de *500.000 vidas.

(*A estimativa do total de pessoas mortas na guerra do Iraque entre 2003 e 2011 diverge de fonte para fonte, com números que chegam a até mais de 600. 000 mortes.)

Sequestrar o emocional das pessoas com o objetivo de engajá-las em uma luta contra um “inimigo comum” é uma tática bem conhecida, utilizada em larga escala e por diversas vezes durante a história.

“A propaganda para o público em geral funciona a partir do ponto de vista de uma idéia, e o prepara para quando da vitória daquela opinião.”

Essas palavras, encontradas no livro Mein Kampf, de Adolf Hitler, descrevem o conceito de usar a propaganda para disseminar a idéia de que uma guerra — no caso contra os judeus — se fazia necessária à época e que todos que se engajassem naquela guerra contra o “inimigo comum” sairiam dela como “vitoriosos”.

Voltando para a questão dos ataques ocorridos em Paris, identifico a clara intenção do governo Hollande em criminalizar o Islã, transferindo o cerne da questão, que é política, para abstratas acusações de motivações religiosas.

Para essa empreitada François Hollande conta com um poderosíssimo aliado: a imprensa.

Para antevermos os resultados dessa estratégia podemos usar como parâmetro o que aconteceu nos EUA logo após os atentados de 11 de setembro.

O governo estadunidense recrudesceu em muito a política repressiva que mantinha e o congresso pôs em curso o famigerado “Ato Patriota”, lei que tinha como objetivos reforçar a segurança interna do país e aumentar os poderes das agências de cumprimento das demais leis, além de identificar e deter supostos terroristas. Cerceando e ignorando os direitos civis do povo americano, claro.

Certamente que o parlamento francês reforçará, a exemplo do que fez os EUA, seus dispositivos “antiterrorismo”, o que recrudescerá a repressão contra a população em geral e contra os imigrantes em particular.

A maioria dos muçulmanos não só não aprova como condena a violência e não tem a menor culpa do que aconteceu na França. A despeito disso, suponho que serão ainda mais perseguidos, ainda mais criminalizados e que certamente pagarão pelo que outros fizeram.

Assim como seu aliado EUA, o governo da França comunga, entre outras idéias, da idéia central de que apenas o uso da força bruta pode resolver seus problemas, muitas vezes problemas de ordem social.

(Bem parecido com a política promovida pelo governador de São Paulo, diga-se de passagem)

Marine Le Pen, representante da extrema-direita francesa que já foi candidata à Presidência da República declarou, quando aconteceu o ataque ao jornal Charlie Hebdo, que “o islamismo havia declarado guerra ao seu país” e que o povo “deveria responder sem fraquejar”.

Diante dos fatos apresentados, ouso dizer que a direita francesa está comemorando muito tudo isso, de braços dados com o governo Hollande e grande parcela da mídia mundial.

O restante do mundo, atônito, aguarda desdobramentos tão ou mais trágicos do que a tragédia que se abateu sobre Paris e que ceifou a vida de pelo menos 129 vidas.

A leitura da primeira estrofe de “A Marselhesa” reforça os temores de não apenas muçulmanos, mas de todos os imigrantes em solo francês nesse momento:

“Esses ferozes soldados?
Vêm eles até nós
Degolar nossos filhos, nossas mulheres. Às armas cidadãos!
Formai vossos batalhões!
Marchemos, marchemos!
Nossa terra do sangue impuro se saciará!”
(Hino Nacional da França — A Marselhesa).



Postado no Blog do Miro em 16/11/2015


O mundo seria maravilhoso se houvesse mais empatia e amor . . .


Osama Abdul Mohsen, Zaid


Refugiado que foi agredido por jornalista recebe oferta de emprego na Espanha


No passado recente, o sírio Osama Abdul Mohsen – o refugiado que fugia da polícia húngara com o filho nos braços quando a jornalista o agrediu, fazendo com que caísse no chão com a criança.


A imagem, de triste lembrança, foi filmada por outros jornalistas e chegou até a Escola Nacional de Treinadores, que lhe ofereceu um trabalho em Getafe, Madri, e a oportunidade de residir na Espanha.

Na Síria, Osama trabalhou como técnico de futebol, chegando a treinar um time da elite do país. 

No presente – a foto do mesmo homem sorrindo para o mundo, acompanhado do seu filho menor, de 7 anos, quando ontem chegou à estação de Atocha. 

Abdul está muito feliz e agradecido ao país que o acolheu, onde pode começar uma nova vida. A mulher e o filho mais velho estão na Turquia e devem juntar-se em breve ao resto da família. 

Postado no Blue Bus





refugiado sírio jornalista húngara






O pato e a galinha : Europa colhe o que plantou no Oriente Médio e Norte da África


klp
Estação Keleti Pu, em Budapeste

Mauro Santayana

Embora não o admita – principalmente os países que participaram diretamente dessa sangrenta imbecilidade – a Europa de hoje, nunca antes sitiada por tantos estrangeiros, desde pelo menos os tempos da queda de Roma e das invasões bárbaras, não está colhendo mais do que plantou, ao secundar a política norte-americana de intervenção, no Oriente Médio e no Norte da África.

Não tivesse ajudado a invadir, destruir, vilipendiar, países como o Iraque, a Líbia, e a Síria; não tivesse equipado, com armas e veículos, por meio de suas agências de espionagem, os terroristas que deram origem ao Estado Islâmico, para que estes combatessem Kadafi e Bashar Al Assad, não tivesse ajudado a criar o gigantesco engodo da Primavera Árabe, prometendo paz, liberdade e prosperidade, a quem depois só se deu fome, destruição e guerra, estupros, doenças e morte, nas areias do deserto, entre as pedras das montanhas, no profundo e escuro túmulo das águas do Mediterrâneo, a Europa não estaria, agora, às voltas com a maior crise humanitária deste século, só comparável, na história recente, aos grandes deslocamentos humanos que ocorreram no fim da Segunda Guerra Mundial.

Lépidos e fagueiros, os Estados Unidos, os maiores responsáveis pela situação, sequer cogitam receber – e nisso deveriam estar sendo cobrados pelos europeus – parte das centenas de milhares de refugiados que criaram, com sua desastrada e estúpida doutrina de “guerra ao terror”, de substituir, paradoxalmente, governos estáveis por terroristas, inaugurada pelo “pequeno” Bush, depois do controvertido atentado às Torres Gêmeas.

Depois que os imigrantes forem distribuídos, e se incrustarem, em guetos, ou forem – ao menos parte deles – integrados, em longo e doloroso processo, que deverá durar décadas, aos países que os acolherem, a Europa nunca mais será a mesma.

Por enquanto, continuarão chegando à suas fronteiras, desembarcando em suas praias, invadindo seus trens, escalando suas montanhas, todas as semanas, milhares de pessoas, que, cavando buracos, e enfrentando jatos de água, cassetetes e gás lacrimogêneo, não tendo mais bagagem que o seu sangue e o seu futuro, reunidos nos corpos de seus filhos, irão cobrar seu quinhão de esperança e de destino, e a sua parte da primavera, de um continente privilegiado, que para chegar aonde chegou, fartou-se de explorar as mais variadas regiões do mundo.

É cedo para dizer quais serão as consequências do Grande Êxodo. Pessoalmente, vemos toda miscigenação como bem-vinda, uma injeção de sangue novo em um continente conservador, demograficamente moribundo, e envelhecido.

Mas é difícil acreditar que uma nova Europa homogênea, solidária, universal e próspera, emergirá no futuro de tudo isso, quando os novos imigrantes chegam em momento de grande ascensão da extrema-direita e do fascismo, e neonazistas cercam e incendeiam, latindo urros hitleristas, abrigos com mulheres e crianças.

Se, no lugar de seguir os EUA, em sua política imperial em países agora devastados, como a Líbia e a Síria, ou sob disfarçadas ditaduras, como o Egito, a Europa tivesse aplicado o que gastou em armas no Norte da África e em lugares como o Afeganistão, investindo em fábricas nesses mesmos países ou em linhas de crédito que pudessem gerar empregos para os africanos antes que eles precisassem se lançar, desesperadamente, à travessia do Mediterrâneo, apostando na paz e não na guerra, o velho continente não estaria enfrentando os problemas que encara agora, o mar que o banha ao sul não estaria coalhado de cadáveres, e não existiria o Estado Islâmico.

Que isso sirva de lição a uma União Europeia que insiste, por meio da OTAN e nos foros multilaterais, em continuar sendo tropa auxiliar dos EUA na guerra e na diplomacia, para que os mesmos erros que se cometeram ao sul, não se repitam ao Leste, com o estímulo a um conflito com a Rússia pela Ucrânia, que pode provocar um novo êxodo maciço em uma segunda frente migratória, que irá multiplicar os problemas, o caos e os desafios que está enfrentando agora.

As desventuras das autoridades europeias, e o caos humanitário que se instala em suas cidades, em lugares como a Estação Keleti Pu, em Budapeste, e a entrada do Eurotúnel, na França, mostram que a História não tolera equívocos, principalmente quando estes se baseiam no preconceito e na arrogância, cobrando rapidamente a fatura daqueles que os cometeram.

Galinha que acompanha pato acaba morrendo afogada.

É isso que Bruxelas e a UE precisam aprender com relação a Washington e aos EUA.


Postado no Viomundo em 04/09/2015


Quem arma ou tolera demônios, mata crianças



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Fernando Brito

Não se publicou, neste blog, a foto do menino sírio morto na praia da Turquia por algum purismo, mas por um prurido pessoal.

Pude furtar-me ao dever jornalístico de mostrar a cena chocante não apenas porque a imagem já foi vista por todos – mostrada por quem sinceramente ajudou a chocar o mundo com aquela barbárie, seja quem o fez levado por certa morbidez.

Por isso, atendi a uma razão pessoal: já ajudei a vestir para o caixão um menino como aquele.

Aconteceu há quase vinte anos, e o que matou aquela criança não foram as águas, mas uma meningite que não se diagnosticou, o que pode ocorrer, e que foi tratada – ou não tratada – por um pseudo-profissional da medicina que, indiferente, não teve, ao menos, a humanidade de reter num hospital, numa noite de carnaval, uma criança doente, filha de mãe pobre e moradora nas lonjuras que, de volta para casa, só horas depois encontrou ajuda para voltar a buscar assistência, quando já era tarde demais.

Não importa muito o caso, do qual talvez apenas eu e seus pais – ele, servente de pedreiro; ela, caixa de uma padaria – nos lembremos.

Importa que uma criança morreu e uma criança morrer ofende a espécie humana.

Seja branquinho, como o menino da praia turca; seja aquele mulatinho, da Várzea das Moças, aqui em Niterói, sejam os negros do Sudão; sejam os palestinos, os haitianos, sejam os vietnamitas queimados pelo napalm, sejam de onde forem e como forem.

Não é justo que morram pela mão do mar, da doença, da fome, se fomos nós que os colocamos ao alcance destas mãos.

Não é aceitável que se permita à barbárie – que os interesses da geopolítica estimularam para destruir a Síria, ou para encher de conflitos o Sudão, ou para afundar no atraso o Haiti libertário, ou para cercar como bichos os palestinos – levar assim crianças à morte e não haja a indignação da comunidade mundial.

E não há, o provam as portas fechadas aos refugiados desta selvageria, como mostra em reportagem a BBC, com honrosas exceções, como a de nosso país..

Mas antes desta crueldade há outra, pior: a de alimentar fanáticos quando fanáticos podem servir aos propósitos de gente muito bem posta e poderosa.

É por isso que os integrantes do Estado Islâmico desfilam com armas poderosas e reluzentes 4 x4, novinhos.

É por isso que nazistas ucranianos desfilam suas suásticas.

É por isso que fascistóides, aqui, pedem golpe, morte, forca.

E é por isso que não pode haver indiferença diante do que é monstruoso.

Começa-se pregando a intervenção sobre a vida dos povos em nome da liberdade econômica (a humana vale tão pouco…), da “civilização” , da “guerra ao terror” e, logo, a pureza amanhece morta nas areias de uma praia.

Não foi o mar que matou aquele menino, como não matou o pobre guri que vesti para o túmulo, nem mata, mata, mata crianças em todo o mundo.

Somos nós, que não proclamamos seu direito de viver, o direito de todos viverem e aceitamos que se façam golpes, guerras, diásporas sob mil pretextos “razoáveis” e nenhum deles digno de valer a vida de um pequeno ser humano.


Postado no Tijolaço em 05/09/2015


Nota


Precisa dizer mais alguma coisa?


A sinistra poesia do balé da morte


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Nesses mares revoltos nossa hipocrisia atingiu as águas mais profundas


Ricardo Soares

Em um planeta todos os dias bombardeado por milhões de imagens que vem de todos os lados fica difícil comentar as mais impactantes, ou mesmo refletir sobre elas, dada a velocidade com que nascem e morrem nos dias seguintes. Apesar disso, quero aqui puxar pela memória do leitor e comentar a imagem que mais me impressionou, sobre a mais recente onda de mortes de imigrantes nas águas do Mediterrâneo.

Não estou falando das imagens das muitas crianças mortas que chegaram afogadas à praia. com suas expressões entre a serenidade e a estupefação. Não estou falando dos restos de barcos toscos, de comida, de objetos que flutuam revelando serem inúteis partes desimportantes de vidas dadas como desimportantes. 

A imagem que mais me entristeceu e chocou na semana passada foi uma tomada de cima, onde uma dúzia de afogados formavam um círculo perfeito, boiando sobre as águas escuras do mar que os matou. Ao centro desse circulo, dois ou três objetos, como pontinhos de uma foto-pintura absolutamente surreal, que não seria imaginada nem na gótica mente de um Bosch contemporâneo. A sinistra poesia de um balé da morte.

O horror dessa foto paradoxalmente revela uma beleza macabra de composição, que atenua a nossa percepção do quanto aquilo é desumano, absurdo, impensável num mundo civilizado. E mais surreal ainda que esse amontoado de cadáveres em círculo de imigrantes afogados lembre tristemente as estrelas que se vêem na bandeira da União Européia.

Escrever sobre uma imagem amplamente difundida talvez seja inócuo ou dispensável. Muita gente viu. Mas não consigo pensar e nem escrever hoje sobre outra coisa diante da indiferença mundial diante dessa imagem de raro impacto poético. Imagem que representa uma indiferença abissal que temos diante desses milhares à deriva pelos mares do mundo, levados como peixe podre até as praias dos países tubarões, que, na verdade, fabricaram a secular tragédia do colonialismo, origem, ovo da serpente de toda essa tragédia que se dá na costa européia. 

São humanos como todos nós esses que perecem. Mas ao vê-los assim de cima, mortos à deriva, não se parecem com nada que seja humano. O desumano ao qual são submetidos os transforma em máscaras de horror, para as quais o cinismo do mundo “civilizado” não quer nem olhar. Nesses mares revoltos nossa hipocrisia atingiu as águas mais profundas.


Postado no Conti Outra em 01/09/2015


A África e a travessia da morte


Corpos de mortos em naufrágio chegam a Malta Foto: Reuters 22/04/2015


Mauro Santayana, em seu blog:


A "Primavera" Árabe, fomentada pelos EUA e pela União Europeia, com suas intervenções no Oriente Médio e no Norte da África, continua pródiga em produzir cadáveres, em fecunda safra, trágica e macabra.

Morre-se nas mãos do Exército Islâmico, que começou a ser armado para tirar do poder inimigos de Washington, como Kaddafi e Bashar Al Assad. Morre-se nas cidades destruídas da Síria, da Líbia e do Iraque. Morre-se no deserto, ou à beira mar, na fuga do inferno que se estendeu por países onde até poucos anos crianças iam para a escola e seus pais, para o trabalho, todas as manhãs.

Morre-se, também, no Mar Mediterrâneo, quando naufragam embarcações frágeis e superlotadas a caminho de um destino incerto em um continente, a Europa, que odeia e rejeita os refugiados de seus próprios erros, alguns tão velhos quanto a política de colonização que adotou um um continente que ocupou, roubou e violentou, de todas as maneiras, por séculos a fio.

Para não escrever a mesma coisa, desta vez sobre os mortos de Catânia, reproduzo texto do final de 2013, sobre os mortos de Lampedusa, que pereceram em um dos mesmos inumeráveis naufrágios, nas mesmas circustâncias, nas mesmas geladas profundezas, em que recebem, agora, os corpos daqueles que, empurrados pelo desespero, a fome e a violência, os seguiram para a morte, fazendo uma trágica travessia que, na maioria das vezes, não leva a lugar nenhum: 

"Berço de antigas civilizações, o Mar Mediterrâneo abriu suas águas, por dezenas de séculos, para receber, em ventre frio e escuro, os corpos de milhares de seres humanos.

Mar de vida, morte e sonho, Ulisses, na voz de Homero, singrou suas águas. E tampando os ouvidos, para não escutar o canto das sereias, aportou em imaginárias ilhas, fugindo de Cíclope e Calipso, para enfrentar, a remo e vela, os ventos de Poseidon em fúria.

Por Troia, Cartago, nas Guerras Púnicas ou do Peloponeso, mil frotas cavalgaram suas ondas, pejadas de armas e guerreiros. E, no seu leito descansam, se não os tiver roído o tempo, comerciantes fenícios e venezianos, guerreiros atenienses e espartanos, os pálios e as espadas de legionários romanos, escudos e capacetes cartagineses, navegantes persas, cavaleiros cruzados, califas e sultões.

Os mortos do Mediterrâneo descansam sobre seu destino.

Suas mortes podem não ter sido justas, mas, obedeciam ao fado das guerras e do comércio, à trajetória do dardo ou da flecha que subitamente atinge o combatente, ao torpedo disparado pelo submarino, à asa, perfurada por tiros de artilharia, de um bombardeio que mergulha no mar a caminho da África do Norte, ao sabre que os olhos vêem na mão do inimigo e à dor do imediato corte.

De certa forma, elas obedeciam a uma lógica.

Mas não há lógica ou utilidade nas mortes que estão ocorrendo nestes dias, dos meninos e meninas que se afogam, em frente à costa italiana, na tentativa de chegar a solo europeu, depois de atravessar o Mediterrâneo.

Há anos, centenas de pessoas têm morrido dessa forma. No dia 3 de outubro, um naufrágio na ilha italiana de Lampedusa deixou ao menos 339 mortos – quando cerca de 500 imigrantes vindos da Eritreia e da Somália tentavam chegar à Itália. Oito dias depois, uma embarcação com 250 imigrantes africanos virou na mesma região e 50 pessoas morreram.

Que crime cometeram esses meninos e meninas? Nos seus barcos eles não levavam o ouro da Fenicia, nem lanças e escudos, nem mesmo comida, nem seda ou veludo, a não ser a sua roupa, seus pais e suas mães, sua pobre e corajosa esperança de quem foge da guerra e da miséria.

Mas, mesmo assim, a Europa os teme. A Europa teme a cor de sua pele, o idioma em que exprimem suas idéias e suas emoções, os deuses para quem oram, seus hábitos e sua cultura, sua indigência, sua humanidade, sua fome.

Se, antes, lutavam entre si, os europeus hoje, estão unidos e coesos, no combate a um inimigo comum: o imigrante.

O imigrante de qualquer lugar do mundo, mas, principalmente, o imigrante da África Negra e do Oriente Médio.

Barcos de países mediterrâneos, como os da Grécia, Espanha e Itália, patrulham as costas do sul do continente. Quando apanhados em alto mar, em embarcações frágeis e improvisadas, por sua conta e risco, mais náufragos que navegantes, os imigrantes são devolvidos aos países de origem.

Antes, a imigração era, principalmente, econômica. 

Agora, a ela se somam as guerras e os deslocamentos forçados. São milhões de pessoas, tentando fugir de um continente devastado por conflitos hipocritamente iniciados por iniciativa e incentivo da própria Europa e dos Estados Unidos.

O Brasil está fazendo sua parte, abrindo nosso território para a chegada de centenas de refugiados sírios, como já o fizemos com milhares de haitianos e clandestinos escapados da África Negra que chegam a nossos portos de navio.

A Itália lançou uma operação militar “humanitária”, para acelerar o recolhimento de imigrantes que estiverem navegando em situação de risco junto às suas costas, mas irá manter sua rigorosíssima lei de veto à imigração, feita para proibir e limitar a chegada de estrangeiros.

Como a mulher, amarga e estéril, que odeia crianças, a Europa envelhece fechada em seus males e crises, consumida pela decadência e a maldição de ter cada vez menos filhos. 

Mas prefere que o futuro morra, junto com uma criança árabe, no meio do mar, a aceitar a seiva que poderia renovar seu destino.

Sepultados pela água e o sal do Mediterrâneo, recolhidos, assepticamente, nas praias italianas, ou enterrados, junto com seus pais, em cemitérios improvisados da Sicília – ao imigrante, vivo ou morto, só se toca com luvas de borracha - a meio caminho entre a miséria e o terror e um impossível futuro a eles arrebatado pela morte - os fantasmas dos meninos e meninas de Lampedusa poderiam assombrar, com sua lembrança, a consciência européia.

Se a Europa tivesse consciência."


Postado em Blog do Miro em 23/04/2015




Sobreviventes do naufrágio no Mediterrâneo chegaram à Sicília







Dia Internacional da Solidariedade ao Povo Palestino



Palestinos recebem a solidariedade dos povos do mundo


No Ano Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino e nas vésperas do 29 de novembro, Dia Internacional comemorado pelo mesmo motivo, a Organização das Nações Unidas (ONU) debateu a causa palestina e a ocupação em importante sessão na última segunda-feira (24) e na terça-feira (25). Os palestinos pretendem pedir ao Conselho de Segurança uma resolução estabelecendo um prazo para o fim da ocupação, mas preocupam-se com a oposição certeira e o veto dos EUA.

Ainda assim, uma série de posicionamentos tem acelerado o processo de afirmação da solidariedade internacional ao povo palestino. O regime israelense isola-se exponencialmente e cada vez mais líderes têm sido forçados a tomar posições contra os repetidos massacres perpetrados por Israel e contra a ocupação, opressiva e despojadora, dos territórios e das vidas dos palestinos.

É possível traçar o histórico recente de medidas que reconhecem as violações dos direitos dos palestinos – desde os direitos humanos mais básicos até os direitos afirmados pela ONU sobre o estabelecimento do Estado da Palestina e do retorno dos refugiados. Desde 2012, com altos e baixos preocupantes, o mundo passou do reconhecimento do Estado palestino por mais de 130 países para a condenação das políticas de ocupação, tanto com o regime de segregação e opressão imposto aos palestinos em seu próprio território e em Israel quanto com a construção de colônias ilegais e a gradual expulsão dos palestinos de Jerusalém. 

Em 2013, a União Europeia, aliada do regime sionista e negligente frente aos seus crimes, passou a emitir “diretrizes” contra o comércio e as relações com as colônias ilegais. Já no mês passado, a Suécia votou pelo reconhecimento do Estado da Palestina, o primeiro passo do tipo tomado por um dos grandes países do bloco europeu. França, Espanha e Reino Unido, importantes aliados do regime israelense, também levaram a questão aos seus Parlamentos, um momento histórico, ainda que muito falte ser feito. As relações estreitas desses governos com a liderança sionista ainda são predominantes nos campos comercial, político e militar. 

Os recentes episódios do massacre dos palestinos foram os mais de 50 dias de bombardeios contra a Faixa de Gaza (em julho e agosto), a abrangente ofensiva militar contra a Cisjordânia e os confrontos em Jerusalém, que despertaram nos povos do mundo a revolta contra a ocupação e as agressões sionistas contra os palestinos, estratégica, cínica e deliberadamente fantasiadas de “conflito religioso”.

Milhões de pessoas saíram às ruas em todo o mundo, principalmente nos países vistos como aliados de Israel, como Reino Unido, França e EUA, para exigir o fim do massacre dos palestinos e da impunidade israelense. O Conselho de Direitos Humanos da ONU votou por uma comissão de inquérito sobre os crimes de guerra do sionismo – com um único voto negativo, o dos EUA – e a Suíça, depositária da 4ª Convenção de Genebra sobre a proteção de civis em tempos de guerra e de ocupação, deve organizar uma conferência sobre a questão palestina ainda em dezembro, proposta que desperta a oposição de Israel, EUA, Canadá e Austrália.

Enquanto isso, a comunidade internacional intensifica esforços há muito pendentes pelo fim de uma longa história de massacres, ocupação, despojo e expulsão, em cada vez crescente demonstração de solidariedade internacional com o povo palestino e repúdio veemente à política racista, genocida e fundamentalista da liderança sionista, reminiscente dos movimentos colonialistas e um instrumento do imperialismo que lhe sustenta na Palestina.


Postado no site Vermelho em 27/11/2014






Poema ilustrado para as crianças da Faixa de Gaza




Khaled Juma, autor e poeta palestino, faz tributo às crianças da Faixa de Gaza – onde, pelo menos 506 delas foram mortas desde que Israel começou seus recentes bombardeios.


Sami Kishawi, em Sixteen Minutes to Palestine | Tradução: Vinicius Gomes



“Oh crianças travessas de Gaza”



“Vocês que constantemente me perturbam com seus gritos debaixo da minha janela”



“Vocês que enchem todas as manhãs com suas correrias e bagunças”



“Vocês que quebraram meu vaso e roubaram a solitária flor da minha varanda”



“Voltem”



“E gritem o quanto quiserem”



“E quebrem todos os vasos”



“Roubem todas as flores”



“Voltem…”



“Apenas voltem…”




Créditos das Fotos:
1. Mohammed Salem, 31/07/2014
2. Finbarr O’Reilly, 28/07/2014
3. Momen Faiz, 09/07/2014
4. Lefteris Pitarakis, 06/08/2014
5. Mohammed Salem, 14/07/2014
6. Eyad El Baba, 04/08/2014
7. Khalil Hamra, 30/07/2014
8. Khalil Hamra, 28/07/2014
9. Alessio Romenzi, 18/07/2014
10. Khalil Hamra, 16/08/2014


Postado no Portal Forum em 29/08/2014







"Chorava escondido para pacientes não verem", diz médica brasileira em Gaza



Liliana esteve em Gaza em 2012 e retornou à região no início do mês


Há dois anos, a médica brasileira Liliana Mesquita Andrade esteve na Faixa de Gaza e cuidou de várias crianças. Desta vez, durante o conflito mais violento entre Israel e Palestina nos últimos anos, foram poucas.

“Infelizmente, as crianças são a parte mais frágil da guerra. Já chegavam mortas ou quase mortas”, conta a anestesista, de 39 anos.

Pacientes cobertos por poeira, pessoas morando no hospital por medo de voltar para casa e trabalhar com o barulho de bombas são imagens que marcaram a experiência da médica no conflito – que somou 50 dias de combate e deixou mais de 2,2 mil mortos.

“Na primeira noite no hospital ouvi explosões, senti as coisas tremerem”, afirmou à BBC Brasil por telefone, da Faixa de Gaza, onde está desde o dia 7 de agosto.

“Você tem que chorar escondido, porque os pacientes não podem ver que está com medo. Comecei a rezar e pedir que as coisas se acalmassem.”

Mas, em meio ao conflito, Liliana teve um reencontro emocionante: passou uma tarde com um menino de 4 anos que havia atendido em 2012, quando a criança foi atingida por bombas. “Nunca achei que fosse revê-lo. É muito gratificante, não tem dinheiro no mundo que pague.”

Leia abaixo trechos da entrevista:

BBC Brasil – Foram 50 dias de combate e o conflito mais violento desde 2007. O que mais te marcou?

Liliana Mesquita Andrade - A coisa que mais me impressionou não foi a questão propriamente médica, mas ver milhares de pessoas morando no hospital porque o consideravam um lugar mais seguro. Na época que cheguei aqui tinha 2 mil pessoas no hospital, mas não pacientes. Eram pessoas morando nas instalações do hospital, no estacionamento, no jardim, nas escadas.

Também vi muitas crianças que haviam perdido toda a família e outras extremamente feridas, lesões muito diferentes. Por exemplo, recebi uma menina com uma fratura no fêmur na raiz da coxa devido às explosões. A energia necessária pra gerar uma fratura daquela é uma coisa extremamente rara, só mesmo num contexto muito violento.

Essa criança chegou no hospital suja, completamente suja daquela poeira cinzenta de desmoronamento que tem aqui, no Iraque, na Síria. Eles chegavam ou com poeira cinza ou com poeira negra, de fuligem, queimadura. Você não tem tempo nem para perguntar o que houve: tem que agir rápido, porque o tempo que perde conversando pode custar a vida do paciente.

BBC Brasil – Você sentiu medo?

Liliana Mesquita Andrade - Por mais que você venha em um misto de coragem, desprendimento, amor ao próximo e amor à medicina, você tem medo também. Na primeira noite no hospital ouvi explosões, senti as coisas tremerem. Tive que chorar sozinha, porque você não pode demonstrar que está com medo, principalmente para o paciente. Você começa a rezar e pedir para que o cessar-fogo chegue e que as coisas se acalmem.

BBC Brasil – Como você se protegia?

Liliana Mesquita Andrade - O que era recomendado era que ficássemos sempre juntos e dentro do hospital. O centro cirúrgico é um lugar muito fechado, não tem janela, e a gente está tão concentrado na gravidade do paciente que às vezes nem ouvia as explosões.

Na casa tinha um quarto de segurança, com uma localização mais central. Quando tinha bomba a gente ia para lá e ficávamos todos juntos.

BBC Brasil – O bloqueio afetava seu trabalho e sua vida?

Liliana Mesquita Andrade - Claro que no auge da guerra pode ter ficado mais difícil, mas não a nível de prejudicar o atendimento. Nem sempre as condições eram 100%, mas tinha o suficiente para dar para o paciente.

Só a nossa locomoção ficava prejudicada. Tinha que sair todo mundo junto e voltar junto, sempre num carro identificado pelo Médicos Sem Fronteiras, sem ser blindado. Era proibido sair da casa, o tempo todo era casa-hospital, hospital-casa.

BBC Brasil – Como foi a decisão de ir para a Faixa de Gaza em meio ao conflito?

Liliana Mesquita Andrade - Foi a decisão mais difícil que tive que tomar. Eu ia para o Afeganistão, é minha 8ª missão no Médicos Sem Fonteiras, mas me pediram para trocar e acabei vindo pela segunda vez para a Faixa de Gaza. Estou nas férias, tenho trabalho no Brasil, mas me programo todo ano pra vir.

Minha família estava extremamente preocupada. Minha irmã pediu pra eu não vir porque já perdemos nossos pais e nosso irmão caçula. Não foi fácil. Mas eu sou muito católica e acho que Deus acaba sempre protegendo todo mundo que faz esse tipo de trabalho.

Estudei pra aliviar o sofrimento, como anestesista. Não importa onde você esteja, você tem que ajudar. Independentemente se é aqui, no Brasil, no Iêmem, no Paquistão, você tem que ajudar.

BBC Brasil – Reencontrou alguém que já tinha conhecido em Gaza?

Liliana Mesquita Andrade - Reencontrei uma criança que há dois anos tinha sido vítima de um explosão e tinha queimaduras no rosto, na mão, nos braços. Tratei dela em um projeto de cirurgia plástica reconstrutora. A cada dois ou três dias precisava de anestesia e eu tinha muito contato com ele. No meu último dia ele, que não falava uma palavra de inglês, olhou pra mim e falou I love you, Lili.

Quando cheguei aqui a primeira coisa que perguntei foi sobre ele. Me falaram que continuava fazendo tratamento, ele ainda tem muitas queimaduras. E ele veio me visitar. Foi a maior surpresa. Comecei a chorar e ele ficou todo envergonhado. Ele lembrava de mim, veio direto no meu colo. O pai disse que ele se recusa a fazer novas cirurgias, porque já sofreu muito, e a família está muito preocupada.

Dei lápis de cera pra ele, brincamos. Essa foi a única tarde em que realmente tive férias. Ao final, perguntei: “Still love me?” E ele falou “I love you” outra vez. É muito gratificante, não tem dinheiro no mundo que pague isso.

BBC Brasil – Como foi a reação ao cessar-fogo?

Liliana Mesquita Andrade - Estávamos todos muito ansiosos pelo cessar-fogo e eu chorei muito, fico até emocionada de falar com você. Parecia final de Copa do Mundo. A alegria deles foi igual à final de Copa no Brasil.

BBC Brasil – Falando em Brasil, é possível fazer alguma comparação entre a situação de Gaza e a do Rio, que muitos consideram uma “guerra urbana”?

Liliana Mesquita Andrade - Ao mesmo tempo em que estava tendo bombas aqui, minha irmã saiu do trabalho um dia no Rio, foi pegar minha sobrinha numa rua em que havia uma favela próxima e estava fechada. Haviam colocado fogo num ônibus, ninguém podia passar. Brinquei com ela: quem está mais em risco, você no Rio, por causa dos traficantes, ou eu na Faixa de Gaza?

BBC Brasil – Você voltaria para a Faixa de Gaza?

Liliana Mesquita Andrade – Com certeza.


Postado no blog Diário do Centro do Mundo em 31/08/2014


A possível extinção do Estado de Israel


8/3/2013: Jovem manifestante palestino Un manifestante palestino foge dos guardas de fronteira israelense, durante confrontos contra a expropriação de terras palestinas em Kafr Qaddum
Jovem manifestante palestino foge dos guardas de fronteira israelense, durante confronto contra a expropriação de terras palestinas em Kafr Qaddum

Criá-lo foi ato desumano de colonialismo. Extinto, pode dar lugar a Estado plurinacional e secular, onde judeus e palestinos convivam pacífica e dignamente


Boaventura de Sousa Santos

Podem simples cidadãos de todo o mundo organizar-se para propor em todas as instâncias de jurisdição universal possíveis uma ação popular contra o Estado de Israel no sentido de ser declarada a sua extinção, enquanto Estado judaico, não apenas por ao longo da sua existência ter cometido reiteradamente crimes contra a humanidade, mas sobretudo por a sua própria constituição, enquanto Estado judaico, constituir um crime contra a humanidade? Podem.

E como este tipo de crime não prescreve, estão a tempo de o fazer. Eis os argumentos e as soluções para restituir aos judeus e palestinianos e ao mundo em geral a dignidade que lhes foi roubada por um dos atos mais violentos do colonialismo europeu no século XX, secundado pelo imperialismo norte-americano e pela má consciência europeia desde o fim da segunda guerra mundial.

O termo sionismo designa o movimento que apoia o “regresso” dos judeus à sua suposta pátria de que também supostamente foram expulsos no século V AC. Há, no entanto, que distinguir entre sionismo judaico e sionismo cristão. 

O sionismo judaico tem origem no antissemitismo que desgraçadamente sempre perseguiu os judeus na Europa e que viria a culminar no holocausto nazi. 

O sonho de Theodor Herzl, judeu austríaco e grande proponente do sionismo, era a criação, não de um Estado judaico, mas de uma pátria segura para os judeus. 

O sionismo cristão, por sua vez, é antissemita, e a ideia de um Estado judaico deveu-se a políticos britânicos, sionistas e anglicanos devotos, como Lord Shaftesbury, que, acima de tudo, desejavam ver o seu país livre dos judeus-enquanto-judeus. Eram tolerados os judeus cristianizados (como Benjamin Disraeli, que chegou a ser Primeiro Ministro), mas só esses. Esta tolerância estava de acordo com a profecia cristã de que é destino dos judeus converterem-se ao cristianismo. 

O mesmo sentimento se encontra hoje entre os evangélicos norte-americanos, que apoiam Israel como Estado judaico, bem como a sua desapiedada expansão colonialista contra os palestinianos, por acreditarem que a redenção total ocorrerá no fim dos tempos, com a conversão dos judeus na Parusia (o regresso de Jesus Cristo).

Terá sido Lord Shaftesbury quem, ainda no século XIX, formulou o pensamento “uma terra sem povo para um povo sem terra” que ajudaria mais tarde a justificar a criação do Estado de Israel na Palestina em 1948. 

E alguns anos mais tarde, foi outro sionista não judeu (Arthur James Balfour) quem propôs a criação de “uma pátria para os judeus” na Palestina, sem consultar os povos árabes que habitavam esse território há mais de mil anos.

“Os Grandes Poderes” (Áustria, Rússia, França, Inglaterra), lê-se no Memorandum Balfour de 11 de Agosto de 1919, “estão comprometidos com o Sionismo. 

E o Sionismo, correto ou incorreto, bom ou mau, tem as suas raízes em antiquíssimas tradições, em necessidades atuais e em esperanças futuras, que são bem mais importantes do que os desejos de 700.000 árabes que neste momento habitam aquele antigo território”.

Urgia, pois, transformar esses árabes em um não-povo. Em 1948, com o beneplácito dos poderes ocidentais, especialmente da Inglaterra, foi criado o Estado de Israel numa Palestina povoada de árabes e 10% de judeus imigrantes.

Argumentava-se então que havia de se encontrar um espaço para o povo judeu, que ninguém queria receber depois do genocídio alemão. 

Muito antes dessa catástrofe, os sionistas judeus tinham já pensado em vários locais para o seu futuro Estado. No final do século XIX, a região do Uganda, no que é hoje o Quénia, então colónia inglesa, foi ponderada como um possível local para o futuro Estado de Israel. Um espaço na Argentina chegou também a ser considerado. Mais tarde, auscultado sobre um local no norte de África (no que é hoje a Líbia), o rei da Itália, Victor Emmanuel, terá recusado, respondendo: “Ma è ancora casa di altri”. 

Mas nenhum europeu, por mais preocupado com a situação dos judeus, jamais pensou num lugar dentro da própria Europa.

Havia que inventar-se “uma terra sem povo para um povo sem terra”. Mesmo que fosse necessário obliterar um povo. E assim se vem paulatinamente eliminando um povo da face da terra desde há sessenta e seis anos. 

A Cisjordânia palestiniana vem sendo desmantelada pelos colonatos ilegais e a Faixa de Gaza transformada em prisão a céu aberto. 

A extrema-direita israelita é apenas mais estridente do que o governo ao reclamar que os “árabes fedorentos de Gaza sejam lançados ao mar”.

O que é espantoso, comenta o historiador judeu israelita, Ilan Pappé em The Ethnic Cleansing of Palestine (2006), é ver como os judeus, em 1948, há tão pouco tempo expulsos das suas casas, espoliados dos seus pertences e por fim exterminados, procederam sem pestanejar à destruição de aldeias palestinianas, com expulsão dos seus habitantes e massacre daqueles que se recusaram a sair. 

O controverso comentário de José Saramago de há alguns anos de que o espírito de Auschwitz se reproduz em Israel faz hoje mais do que nunca.

Assim foi sacrificada a Palestina, invocadas razões bíblicas e históricas, que a Bíblia não sanciona e a história viria a desmistificar. 

Muitos judeus, como os que constituem a Jewish Voice for Peace, não são sionistas e consideram que o Estado de Israel, nas condições em que foi criado (um território, um povo, uma língua, uma religião) é uma arcaica aberração [3] colonialista fundada no mito de uma “terra de Israel” e de um “povo judaico”, que a Bíblia nem sequer confirma.

Como bem demonstra, entre outros, o historiador judeu israelita, Shlomo Sand, a Palestina como a “terra de Israel” é uma invenção recente (The Invention of the Land of Israel, 2012). Aliás, ainda segundo o mesmo autor, também o conceito de “povo judaico” é uma invenção recente (The Invention of the Jewish People, 2009).

A criação do Estado judaico de Israel configura um crime continuado cujos abismos mais desumanos se revelam nos dias de hoje. 

Declarada a sua extinção, os cidadãos do mundo propõem a criação na Palestina de um Estado secular, plurinacional e intercultural, onde judeus e palestinianos possam viver pacifica e dignamente. 

A dignidade do mundo está hoje hipotecada à dignidade da convivência entre palestinianos e judeus.


Boaventura de Sousa Santos é doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, diretor dos Centro de Estudos Sociais e do Centro de Documentação 25 de Abril, e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa - todos da Universidade de Coimbra. 
Sua trajetória recente é marcada pela proximidade com os movimentos organizadores e participantes do Fórum Social Mundial e pela participação na coordenação de uma obra coletiva de pesquisa denominada Reinventar a Emancipação Social: Para Novos Manifestos.

Postado no site Outras Palavras em 22/08/2014

Menino de 6 anos em Gaza : " quer ser como nós, alguém que sobrevive "




De Gaza nunca chegam boas notícias. Nunca. Ora é o número de mortos que engorda sem parar, ora é o cessar-fogo humanitário anunciado que cai em saco roto. Quando os números ganham rosto aí toca-nos de outra forma. É o caso desta história…

Johan-Matthias Sommarström, um jornalista sueco, estava a caminho do seu hotel, depois de mais um longo dia a relatar o conflito na Faixa de Gaza, quando um menino palestiniano o abordou. 

“Sou jornalista, estou a reportar o que está a acontecer aqui; isto é o meu colete à prova de bala”, disse o rapaz, que não teria mais do que seis anos e estava vestido de azul — o colete de que falava era um saco de plástico preto. O radialista sueco não resistiu e decidiu oferecer-lhe por momentos o seu capacete.

Ver imagem no Twitter

“Por momentos ele mostrou-se orgulhoso. Os seus amigos estavam a rir-se e a dançar à sua volta. Ele ficou um pouco envergonhado e depois tirei a fotografia”, disse Sommarström, em declarações que se podem ler no site da rádio onde trabalha. 

A imagem seria colocada no seu Twitter, com a mensagem “Rapaz em Gaza a fingir que é jornalista com o seu colete à prova de balas feito em casa, tinha de lhe emprestar o meu capacete”. O tweet do sueco teve mais de 6700 partilhas e quase 3500 pessoas gostaram.

“Trabalhar na guerra significa que vês coisas que não queres ver. Crianças mortas irreconhecíveis, pais desesperados, tristeza sem fim, casas destruídas”, explicou. E continuou: “Para mim a fotografia é um poderoso exemplo da força das crianças para sobreviver. Ele via jornalistas no vaivém para o hotel, ele viu que sobrevivemos. Penso que ele quer ser como nós, alguém que sobrevive.”

Sommarström voltou a falar com o menino. Chama-se Yazan Hillis e tem seis anos.

Segundo o sueco, é feliz porque a sua família sobreviveu ao ataque a Shejaiya, mas admitiu não saber se a sua casa ainda estará de pé. A casa do tio, por exemplo, foi destruída por um míssil de um F-16. “Ontem e no dia anterior eu vi rockets a atingir o porto. (…) Quando estou na cama não consigo dormir, o som dos rockets mantêm-me acordado a noite toda”, disse Yazan.


Postado no site Observador em 01/08/2014


Herói holandês que salvou menino judeu dos nazistas, na 2ª Guerra Mundial, devolve a medalha


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Kiko Nogueira

Até uma semana atrás, a história do advogado Henk Zanoli era forte concorrente a ser filmada em Hollywood.

Não há mais a menor chance de que isso ocorra. A menor.


Zanoli, hoje com 91 anos, aposentado, fez parte da resistência na Holanda durante a Segunda Guerra Mundial.

Em 1943, ele levou um menino judeu de 11 anos de idade chamado Elchanan Pinto até a casa de sua família no vilarejo de Eemnes. Elchanan ficou escondido ali até o fim do conflito.

Os dois viajaram de trem, passando por soldados e postos de vigilância nazistas. A mãe de Zanoli ajudou a cuidar do garoto. Mais tarde, Elchanan mudou-se para Israel. Morreu em Jerusalém em 2004. 

Em 2011, o Memorial do Holocausto Yad Vashem distribuiu uma condecoração denominada “Justos Entre as Nações” a gentios que salvaram judeus dos nazistas. Zanoli e sua mãe (numa homenagem póstuma a ela) receberam medalhas.

Ele as devolveu no último dia 11.

Sua sobrinha neta Angelique Eijpe, diplomata, casou-se com Ismail Zi’adah, economista palestino. No dia 20 de julho, Zi’adah teve sua casa na Faixa de Gaza bombardeada. Seis parentes morreram, incluindo a matriarca e seu neto de 12 anos.

Zanoli escreveu para o embaixador de Israel em Haia. “Estou convencido de que, tanto no nível pessoal quanto no humano, você terá uma compreensão profunda de que conservar a honra concedida pelo Estado de Israel, sob essas circunstâncias, será ao mesmo tempo um insulto à memória de minha corajosa mãe, que arriscou sua vida e a de seus filhos lutando contra repressão e pela preservação da vida humana, bem como um insulto às pessoas da minha família, quatro gerações depois, que perderam nada menos do que seis parentes em Gaza pelas mãos do estado de Israel”.

O Memorial do Holocausto tem os nomes de 25 mil pessoas de todo o mundo. Os holandeses — mais de 5 mil — só perdem para os poloneses. Oskar Schindler está lá.

O pai de Zanoli morreu num campo de concentração. Todos os familiares de Eliachan Pinto também.

Há uma condição para Zanoli não devolver a medalha: “Depois do horror do holocausto, a minha família apoiou fortemente o povo judeu também no que diz respeito às suas aspirações de construir um lar nacional. Ao longo de mais de seis décadas, porém, vim lentamente a perceber que o projeto sionista teve desde o seu início um elemento racista ao aspirar a construção de um estado exclusivamente para os judeus. A única maneira de sair do atoleiro que Israel criou para si mesmo é através da concessão para todos os que vivem sob o controle do estado os mesmos direitos políticos e oportunidades sociais e econômicas”, escreveu.

“Isso vai resultar num estado não mais exclusivamente judaico, mas com um padrão de justiça que me faria aceitar o título de ‘Justo Entre as Nações’ outorgado a minha mãe e a mim. Nesse caso, entrem em contato comigo ou com meus descendentes”.


Postado no blog Diário do Centro do Mundo em 16/08/2014