Preguiça de Pensar ?
O que está por trás das opiniões irredutíveis, dos comentários raivosos e da recusa de algumas pessoas em aceitar fatos concretos e científicos?
Lara Vascouto
Eu tenho uma mania pouco saudável: ler comentários em notícias e artigos na internet. Eu sei, esse é um erro básico de quem usa a internet regularmente, mas eu não resisto.
Uma parte de mim ainda acredita que os comentários podem servir ao seu propósito: acrescentar informações, iniciar discussões mais profundas, questionar de maneira equilibrada e trazer novos e esclarecedores pontos de vista.
Ao invés disso, no entanto, o que eu costumo encontrar são opiniões irredutíveis e agressivas, muitas vezes atacando o autor do artigo ou os autores de outros comentários. Além disso, a impressão que eu tenho, frequentemente, é a de que grande parte dos leitores mais agressivos nem chegou a entender o texto. Ou pior, nem chegou a lê-lo na íntegra.
Conversando sobre isso com uma amiga recentemente, eis que ela solta, frustrada: argh, esse pessoal tem preguiça de pensar! Concordei vigorosamente com ela e, contentes com a nossa sintonia de pensamento, demos o assunto por encerrado.
Mais tarde, no entanto, não consegui parar de pensar nisso. Será mesmo que as pessoas têm preguiça de pensar? Afinal, mesmo entre as pessoas que claramente leram determinado texto, você vai encontrar recusas agressivas e opiniões furiosas.
O que está por trás, de verdade, das opiniões irredutíveis e agressivas que poluem a internet? Além disso, o que faz com que algumas pessoas se recusem a aceitar fatos científicos, reflexões bem embasadas e experiências vivenciadas no próprio dia-a-dia?
Encontramos por aí milhares de pessoas que se recusam a acreditar na evolução; que não levam a sério o suicídio coletivo que estamos cavando com a destruição do planeta; que acham que as mulheres reclamam de boca cheia quando falam sobre desigualdade de gênero; que argumentam que o racismo não existe no Brasil e que quem fala sobre isso é racista…contra os brancos!; etc, etc, etc. Simplesmente não consegui acreditar que tudo isso fosse o resultado de simples preguiça de pensar e, pesquisando o assunto, eis que descubro que o buraco é realmente mais embaixo.
Em 1950, o célebre psicólogo Leon Festinger publicou um estudo que se tornou famoso no campo da psicologia. Para tal, ele e seus colegas se infiltraram nos Seekers, um pequeno culto que acreditava que extraterrestres estavam se comunicando com a líder do grupo através de mensagens psicografadas.
Através de uma dessas mensagens, os aliens haviam passado a data em que a Terra seria destruída: 21 de dezembro de 1954. Com a aproximação do evento, muitos seguidores do culto largaram seus empregos, venderam seus bens e se prepararam para ser resgatados por discos voadores, tomando o cuidado até de remover zíperes de calças e casacos, pois o metal poderia ser perigoso dentro da nave alienígena. Taí um motivo inusitado para os pais não deixarem seus filhos usarem piercings.
Quando a data marcada veio e se foi e nada do que foi prometido aconteceu, a equipe de Festinger estava junto com os Seekers e pôde observar em primeira mão a sua reação. Surpreendentemente, ao invés de rejeitar a crença absurda depois da prova irrefutável de sua inexistência, os Seekers rapidamente começaram a racionalizar os acontecimentos.
Logo, uma nova mensagem chegou através da líder do grupo: o pequeno grupo, que esperara a noite inteira, havia espalhado tanta luz que deus resolveu salvar o mundo da destruição. Ou seja, o fato de eles terem acreditado na profecia salvou a Terra da profecia! Mais bizarro ainda foi que aconteceu depois disso. Ao invés de continuarem, então, sua existência quieta e pacífica, os Seekers começaram a tentar converter outras pessoas para o culto. De repente, porque a sua crença foi tão brutalmente desafiada, ela se tornou ainda mais urgente e verdadeira para eles.
Desde então, muitos outros estudos comprovaram que as nossas crenças pré-existentes, por mais ilógicas que sejam, são tão poderosas que são capazes de influenciar as nossas opiniões, mesmo quando novos fatos e descobertas são apresentados.
Basicamente, nós tendemos a acreditar em informações que confirmam as nossas crenças e a ignorar, fazer pouco caso, ou até vociferar contra informações que as desafiam.
O problema, chamado de raciocínio motivado, pode ser explicado pela descoberta neurocientífica de que as nossas emoções são ativadas antes do nosso raciocínio, quando somos confrontados com novas pessoas, situações e ideias.
A repulsa natural que sentimos contra informações que desafiam a nossa visão de mundo, por sua vez, contamina o nosso raciocínio, fazendo com que ao invés de raciocinar sobre um determinado assunto, nós o racionalizemos, buscando pensamentos e memórias falsos que reforcem as nossas crenças preexistentes.
É por isso que, às vezes, ao invés de uma frase agressiva, você vai ver um verdadeiro texto agressivo nos comentários, empenhado em justificar a opinião contrária com fatos, relatos e informações facilmente refutáveis (às vezes até pelo próprio texto que está sendo criticado). É o famoso ‘falou, falou e não disse nada’.
Baseados em crenças preexistentes, nós também decidimos se uma fonte é confiável ou não. Ou seja, nós costumamos invalidar uma fonte, seja ela científica ou não, caso essa fonte apresente informações que vão contra as nossas crenças.
Por esse motivo, infelizmente, é extremamente difícil conseguir convencer as pessoas de algo diretamente, através de dados claros e cálculos irrepreensíveis, se esse algo desafia a visão de mundo dessas pessoas.
Pior: muitas vezes, quando confrontadas com fatos irrefutáveis, elas se tornam ainda mais radicais e fervorosas.
Pensando em tudo isso, não pude deixar de concluir: não é exatamente preguiça de pensar – apesar de ela ter, sim, um papel nessa história toda – mas sim medo de pensar o responsável principal por muitas aberrações que vemos, não só na internet, como no mundo.
Afinal, pensar – raciocinar mesmo – além de muitas vezes exigir que a pessoa confronte e abandone suas próprias crenças, frequentemente exige que ela assuma responsabilidades e aceite mudanças. E este é um processo doloroso, contra o qual a nossa própria biologia luta o tempo todo.
No entanto, felizmente nós também somos seres extremamente sociais. Com isso, nós sentimos forte a necessidade de validação de nossas atitudes e crenças, o que torna o raciocínio motivado vulnerável para processos racionais de debate e crítica.
O questionamento constante e o pensamento crítico, portanto, devem ser incentivados por todos e em todas as esferas da sociedade.
Afinal, como apontado pela célebre filósofa e cientista política Hannah Arendt, a recusa em refletir, em se fazer perguntas difíceis, em dialogar frequentemente consigo próprio e a nossa propensão a sucumbir a falhas de pensamento e de julgamento são todos fatores que já levaram – e levam todos os dias – o ser humano a realizar atrocidades inimagináveis.
E contra isso nós devemos lutar, nem que isso signifique ter que lutar contra si próprio.
Postado no Conti Outra
O Brasil mudou, a mídia não !
Miguel do Rosário
A gente que analisa o dia a dia da política brasileira, num viés progressista, às vezes fica muito preocupado com os rumos que as coisas parecem tomar.
Assistir a um monte de idiotas tomarem as ruas pedindo intervenção militar, em pleno 2015, é dose, por exemplo.
Assistir à mídia, em pleno 2015, mergulhar numa histeria udenista ainda mais forte do que aconteceu em 1964, manipulando como se não houvesse amanhã, é outra coisa que nos angustia.
Entretanto, há um fator político que deveria nos tranquilizar. Nasceu uma massa crítica no Brasil. O artigo que reproduzo abaixo, da professora Ângela Carrato, da Universidade Federal de Minas Gerais, é a prova disso.
As manipulações midiáticas fazem um enorme estrago no debate político, mas a quantidade de pessoas tomando a pílula vermelha e pulando fora da matrix é algo que também deveria ser motivo de orgulho.
E isso acontece sobretudo nos meios mais críticos e mais inteligentes, nas universidades. O discursinho de Globo e Veja não cola mais nesses ambientes.
Jornalistas dos grandes meios não podem mais botar os pés nos meios acadêmicos sem serem amplamente vaiados pelos estudantes e, em silêncio, também pelos professores.
Aliás, por isso a mídia quer voltar ao poder, para se vingar das universidades públicas, matando-as com falta de verbas.
Ou alguém acredita que a mídia, quando governar o país através de seus fantoches tucanos, vai deixar que a universidade brasileira continue produzindo massa crítica e análises contrárias a seus interesses?
Leiam o artigo abaixo, por favor!
O GOLPE (1964-2015) : O Brasil mudou. A mídia, não
Em recente evento cultural em Belo Horizonte, o fotógrafo Sebastião Salgado fez algumas afirmações que não repercutiram na mídia. De acordo com ele, uma das grandes mudanças, senão a maior, na cena brasileira, diz respeito ao fato de “o governo federal não ser mais comandado por pessoas ligadas aos monopólios de comunicação”.
Este é, inclusive, o motivo pelo qual, a seu ver, tantas denúncias de corrupção estão vindo à tona, enquanto no passado foram ignoradas ou abafadas. Ao contrário da maior parte da mídia brasileira, que diuturnamente tem previsto o caos, ele avalia que “o Brasil já é um grande país e está cada vez mais sério”.
Salgado não é nenhum ingênuo ou pessoa sobre a qual possam pesar suspeitas de interesses menores. Por isso, não deixa de ser curioso observar a disparidade entre sua visão (e a de dezenas de especialistas nacionais e internacionais) e a que prevalece na mídia brasileira. Disparidade que leva qualquer um, com informação e independência, a constatar que a mídia não viu (ou não quer ver?) que o Brasil realmente mudou.
Se não fosse a referência aos governos petistas, o editorial “Momento de se reaproximar dos Estados Unidos”, publicado pelo jornal O Globo na edição do domingo (29/03) poderia ser confundido com tantos outros de cinco décadas atrás, às vésperas do golpe civil-militar de 1964.
Naquela época, os mais influentes jornais brasileiros atendiam pelos nomes de Diários Associados, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, Tribuna da Imprensa, Diário Carioca e Última Hora. O Globo era uma publicação acanhada, de propriedade da família Marinho que até 1962 havia sido vespertina. A televisão vivia a sua fase elitista, com o aparelho sendo considerado um luxo ao qual apenas a elite econômica tinha acesso e o rádio era a mídia de massa.
À exceção de Última Hora e da Rádio Nacional, praticamente todos os demais estavam ou ficaram contra o presidente João Goulart.
As denúncias de que ele pretendia implantar uma “república sindicalista” eram permanentes. Os “barões” da mídia, adversários das “reformas de base” propostas pelo governo, queriam ver Jango pelas costas e não mediam esforços para alcançar seus objetivos.
Os ataques mais contundentes partiam de Assis Chateaubriand, o primeiro magnata do setor no país, e de Carlos Lacerda.
Roberto Marinho, mesmo longe do peso que viria a adquirir no futuro, foi fundamental na desestabilização e derrubada de Jango, ao franquear os microfones da sua Rádio Globo, para os ataques golpistas e destemperados de Lacerda.
O “bruto pigmeu”
Em fins de março de 1964, enquanto as demais publicações registravam as tentativas de articulação de Jango contra a conspiração em marcha, os Diários Associados, de Chateaubriand, radicalizavam o noticiário, contribuindo para a tomada de posição dos setores civis e militares favoráveis ao golpe.
Chateaubriand, em artigo de 26 de março, por exemplo, referia-se a Jango como sendo “o bruto pigmeu”, dado ao “seu ódio contra o benemérito capital estrangeiro”. Além de afirmar que Jango e seu governo trabalhavam de acordo com as ordens do Partido Comunista, exaltava a necessidade de uma intervenção por parte dos “setores de bom senso”. Leia-se: militares e aliados.
Vivia-se, naquela época, o auge da Guerra Fria, com o mundo dividido entre as áreas de influência dos Estados Unidos e as da União Soviética.
A vitória de Fidel Castro em Cuba e sua aliança com uma potência comunista foi considerada intolerável pelos Estados Unidos, que reagiram à sua maneira. A política externa norte-americana passa a atuar em dois movimentos estratégicos simultâneos. Um, visível, através da Aliança para o Progresso, cujo objetivo era demonstrar a superioridade do modelo norte-americano de livre iniciativa, democracia liberal e individualismo sobre o socialismo, como a solução mais eficiente para o subdesenvolvimento da região. O outro, encoberto, através do apoio a ditaduras de direita, repressoras e violentas, como instrumentos de eliminação de movimentos de esquerda e de seus dirigentes.
Lógica semelhante à do movimento civil-militar que derrubou Jango no Brasil e se espraiou para a Argentina, a Bolívia, o Uruguai e o Chile. Nestes países, dirigentes eleitos foram alijados do poder com pleno apoio do governo “democrático” dos Estados Unidos.
Naquela época, os círculos intelectuais e de propaganda norte-americanos criaram, para justificar as políticas repressivas de combate à subversão, as teorias da modernização. Segundo estas teorias, os militares seriam os setores menos comprometidos com as estruturas oligárquicas no continente sul, devendo a eles, portanto, caber o destino destas nações, logicamente “supervisionados” pelo Tio Sam.
A ditadura brasileira escondeu a participação dos Estados Unidos na derrubada de Goulart. A prisão do ex-ditador chileno Augusto Pinochet, em Londres, em outubro de 1998, possibilitou que grupos de direitos humanos e liberdade de informação passassem a pressionar o governo Clinton para que os documentos envolvendo esta sórdida história pudessem ser conhecidos. Nos dias atuais, eles estão disponíveis para consulta, além de já terem sido publicados em livros no Brasil e no exterior.
Não há como um jornalista – sobretudo o responsável por editoriais – desconhecer este fato. No entanto, é esse “desconhecimento” que pode ser verificado no sintomático editorial “Momento de se reaproximar dos Estados Unidos”.
O texto defende que o Brasil abra mão da política externa independente adotada a partir da chegada do PT ao poder e volte a cerrar fileiras com os Estados Unidos. Numa retórica que afronta a inteligência do leitor, o editorial frisa que a política externa brasileira perdeu espaço desde 2003, atribuindo este “fato” à “ingerência petista na diplomacia”.
Mas que ingerência é esta? A política externa brasileira está sendo feita a partir da visão de mundo do partido que legitimamente venceu as eleições. Mutatis mutandis, será que os Marinhos consideram igualmente ingerência a adoção das premissas do Partido Democrático na política externa norte-americana? Ou será que o governo brasileiro, segundo O Globo, deveria pautar-se pelos interesses norte-americanos na formulação de sua política externa?
Sintomaticamente, o editorial não faz qualquer menção à Unasul e, sem base na realidade, tenta minimizar a importância dos Brics, duas entidades que estão redesenhando a política externa na América do Sul e contribuindo para alterar os próprios contornos da política mundial.
A criação da Unasul não teria sido possível sem a habilidade e paciência da diplomacia brasileira, tendo à frente o chanceler Celso Amorim, que materializou as diretrizes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no sentido de um subcontinente integrado e atuando em prol de interesses próprios.
A recente diplomacia brasileira deu contribuição das mais significativas para sepultar o histórico de subimperialismo regional, além de contribuir para desfazer divergências e rixas (a maioria estimuladas por potências externas) que marcam o passado da América do Sul.
Quanto aos Brics, a mídia brasileira, O Globo à frente, praticamente escondeu a realização, em Fortaleza (CE), em julho do ano passado, da reunião que criou o Banco de Desenvolvimento da entidade. Some-se a isso que não foi dado qualquer destaque ao fato de caber ao Brasil a primeira presidência do seu Conselho de Administração, cargo de fundamental relevância, que definirá linhas e valores para projetos de desenvolvimento.
Em vez disso, o editorial prefere sentenciar que “o esfacelamento do Mercosul e a desaceleração chinesa impõem ao Brasil se reaproximar dos EUA, cuja economia deve acelerar a recuperação”.
O editorial, beirando a má-fé, desconhece que o governo brasileiro anunciou, dois dias antes, na sexta-feira (28/03), que fará parte do Asian Infrastructure Investiment Bank (AIIB), o banco de desenvolvimento criado pela China, de longe uma das mais importantes decisões dos últimos tempos. Mais do que o Banco dos Brics, ele deverá ser um dos principais competidores de estruturas como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.
Dito de outra forma, ao contrário do que afirma o editorial, quem está perdendo força são os Estados Unidos.
Ainda sobre o editorial de O Globo, o curioso é que ele tenta recolocar em pauta, bem ao estilo dos argumentos maniqueístas das décadas de 1960 e 70, rixas entre Brasil e Argentina, além de defender a volta da política de vassalagem em relação aos Estados Unidos.
Pior ainda, procura reviver, através da demonização do “bolivarianismo chavista e do Irã”, o antigo pavor em relação ao comunismo. Pavor que, na prática, encobre o medo a qualquer aprofundamento democrático no Brasil. Afinal, são os Estados Unidos, e não o Brasil, que têm problemas com estes dois países.
A supremacia norte-americana mostra-se cada dia mais discutível. Óbvio que o Tio Sam ainda dispõe de capacidade quase ilimitada de destruição e que, investindo-se, por conta própria da condição de xerife do planeta, sente-se no direito de meter o bedelho em toda parte.
As instituições brasileiras, no entanto, depois da experiência nefasta de 21 anos de ditadura e de mais de duas décadas de retorno ao estado de direito, mostram-se maduras e fortalecidas o suficiente para conviver com pressões de toda ordem, aí incluída uma mídia que mente, distorce os fatos e, principalmente, desprovida de qualquer sentimento patriótico.
O “mar de lama” denunciado por uma histérica UDN (o PSDB da época), com o apoio da mídia, mostrou-se decisivo para o suicídio de Vargas, em 1954 que, agindo assim, abortou um golpe em marcha. Goulart, 10 anos depois, foi vítima de golpe civil-militar, apoiado pela CIA.
A autointitulada “Nova República”, que pôs fim à ditadura, deixou visível, desde o primeiro momento, que não seria fácil livrar-se dos filhotes dos “anos de chumbo”.
Tancredo Neves, presidente eleito via Colégio Eleitoral, morreu antes de tomar posse. Seu vice, José Sarney, assumiu e deu posse ao ministério escolhido por Tancredo, no qual figurava, como titular das Comunicações, ninguém menos que Antônio Carlos Magalhães. ACM, como era conhecido, dominou a Bahia, seu estado natal, por décadas e foi um dos políticos mais ativos nos tempos da ditadura. Oficialmente, mudara de lado, mas não de métodos.
No governo Sarney, foi aprovada uma lei que passava o poder de dar/retirar concessões públicas para TV e rádio do presidente para o parlamento.
Um dia antes de a lei entrar em vigor, ACM e Sarney fizeram 100 concessões públicas para TV e rádio, boa parte delas para afiliadas da TV Globo que, através do acordo ilegal com o grupo norte-americano Time-Life e graças às benesses da ditadura, já havia se transformado no maior conglomerado de mídia do país. É importante lembrar que Sarney e ACM controlavam, eles próprios, a maior parte dos veículos de comunicação em seus estados.
Fernando Collor, o primeiro presidente eleito pelo voto popular depois do golpe de 1964, chegou ao poder em grande medida através do apoio das Organizações Globo.
Para a sua vitória foi decisiva a edição manipulada do debate entre ele e Lula, candidato do PT, em 1989. A manipulação, óbvia para boa parte dos profissionais e pesquisadores da área, foi negada durante 22 anos, até que o ex-todo poderoso dirigente da emissora, José Bonifácio Sobrinho, decidiu contar a verdade.
As Organizações Globo não gostavam de Itamar Franco, o vice de Collor que assumiu a presidência após o impeachment do titular do cargo. Rapidamente, Roberto Marinho encontrou no chanceler, e depois ministro da Fazenda de Itamar, Fernando Henrique Cardoso, um nome confiável. Quando a disputa sucessória desenhou-se em torno de Fernando Henrique e de Luiz Inácio Lula da Silva, era nítido o lado que jornais, revistas, rádios e TVs tomariam.
As afinidades dos “barões” da mídia com o ideário neoliberal defendido por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) impossibilitaram que prosperasse qualquer denúncia sobre corrupção no governo.
As concessões de rádio e TV (RTVs) foram importante moeda de troca neste processo. Até setembro de 1996 foram outorgadas 1.848 licenças de RTVs, das quais pelo menos 268 beneficiaram entidades controladas por 87 políticos (Lima & Caparelli, 2004).
A generosidade de Fernando Henrique coincidiu com a aprovação da emenda constitucional que permitiu a sua própria reeleição. Ao longo de seus dois governos, além das 539 emissoras concedidas por licitação, ele autorizou 357 concessões “educativas” sem licitação. A maior parte desta distribuição ficou concentrada nos três anos em que o deputado federal Pimenta da Veiga (PSDB-MG) esteve à frente do ministério das Comunicações e destinaram-se a políticos do seu partido e a aliados.
Nem Fernando Henrique nem seu ministro sofreram quaisquer sanções, apesar da Constituição de 1988 determinar que cabe ao Congresso Nacional apreciar todos os atos do Poder Executivo. O que inclui – mas nunca foi feito – a análise prévia da outorga ou renovação de concessões, permissão e autorização para serviços de radiodifusão.
A aprovação da emenda que permitiu a reeleição foi marcada por denúncias de corrupção envolvendo a compra de votos.
O jornal Folha de S.Paulo levantou o assunto e publicou, em 1997, trechos de gravações em que dois deputados do PFL (atual DEM) do Acre afirmavam ter recebido R$ 200 mil cada (o equivalente hoje a R$ 530 mil) para votar a favor da emenda patrocinada pelo Palácio do Planalto. O então procurador-geral da República não se interessou pelo caso, transformando-o em uma das centenas de denúncias de corrupção que engavetou.
No segundo governo de FHC não faltaram denúncias envolvendo privatizações de empresas estatais a preço de banana, das quais a mais eloquente foi a da Companhia Vale do Rio Doce, vendida por R$ 3,3 bilhões, quando valia perto de R$ 100 bilhões.
Pouco depois, o polêmico jornalista Paulo Francis, denunciou, no programa Manhattan Connection, da TV Globo, que os dirigentes da Petrobras mantinham contas secretas na Suíça, fatos que via como indícios de corrupção na estatal. Mídia e governo não lhe deram ouvidos. A empresa entrou com ação indenizatória no valor de 100 milhões de dólares e, para muitos que conheceram Francis, este foi o motivo de sua morte prematura, em 1997, vítima de um ataque cardíaco fulminante, aos 67 anos. O tempo viria dar razão às denúncias de Francis.
Lula derrotou os candidatos tucanos José Serra, em 2002, e Geraldo Alckmin, em 2006, e ainda conseguiu, em 2010, fazer de Dilma Rousseff sua sucessora.
As vitórias de Lula, como ele mesmo diz, aconteceram contra a mídia tradicional que nunca teve dúvidas que o “sapo barbudo” e ex-torneiro mecânico, que não possui um dos dedos, não era dos seus. O mesmo pode ser dito de Dilma Roussseff, a ex-guerrilheira contra a ditadura e primeira mulher a chegar ao Palácio do Planalto.
Novos tempos
Nas eleições de 2010, a mídia brasileira apostou novamente no tucano José Serra, convencida que o peso do estado de São Paulo e os desgastes enfrentados pelo PT com as denúncias de corrupção envolvendo o Mensalão seriam suficientes para derrotar a candidata de Lula. Como não foram, a mídia partiu para o vale tudo em 2014, disposta a fazer qualquer coisa para dar vitória ao tucano Aécio Neves.
O tudo ou nada da campanha eleitoral se manteve nestes primeiros 100 dias de governo Dilma, com a mídia transformando-se em partido de oposição, insuflando e cobrindo manifestações de protestos de “revoltados” a “favor do impeachment”, do “Fora Dilma”, e de “intervenção militar constitucional” (!). Enfim de qualquer arranjo ou casuísmo, inclusive com digitais externas, que apeie o PT do poder ou o impeça de governar, por intermédio da conhecida “fórmula para o caos”, outro nome para o constante sangramento de adversários no poder.
No dia 1º de setembro de 2013, as Organizações Globo, por meio de editorial publicado no jornal de sua propriedade, fez autocrítica, considerando “um equivoco” o apoio ao golpe civil-militar de 1964. Mesmo sem muita convicção e minimizando os fatos, uma vez que a empresa não apenas apoiou o golpe, mas foi parte de sua articulação e vitória, alguns viram no gesto da família Marinho (o patriarca já havia morrido) uma espécie de recomeço em novas bases.
Menos de dois anos se passaram para que a “autocrítica” desse lugar a articulações semelhantes às dos idos de 1964.
A resposta de Dilma, um tanto lenta, veio através de suspensão de verbas para a TV Globo e a revista Veja e a escolha do ex-deputado petista Edinho Silva para dirigir a Secom.
Há muito por fazer, a começar pela democratização da verba de publicidade institucional do governo e das empresas estatais. Em permanente queda de audiência, os veículos das Organizações Globo continuam recebendo a maior parte destes recursos, numa época em que as verbas em várias partes do mundo, a começar pela Inglaterra, Canadá e Estados Unidos (que eles tanto admiram), já migraram ou estão migrando para a mídia digital.
A crise e o caos brasileiro, que a velha mídia apregoa, estão longe de ser realidade.
O Brasil mudou. Quem não mudou foi a mídia e ela, sim, está em crise. Aos poucos surgem histórias que ela gostaria de manter desconhecidas dos respeitáveis telespectadores, ouvintes e leitores, como as contas secretas de seus proprietários na agência suíça do banco HSBC e as denúncias de propinas pagas pela Rede Brasil Sul (RBS), afiliada da TV Globo.
Tudo isso precisa e deve ser investigado, mas a velha mídia parece não se dar conta das mudanças, aferrada a padrões do século passado, quando mamatas e privilégios foram suficientes para garantir tranquilidade a governos e dinheiro e poder aos seus proprietários.
Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG. Este artigo foi publicado no blog Estação Liberdade.
Postado no Tijolaço em 04/04/2015
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Semana Santa : o paradoxo da morte criadora de vida
Jacques Távora Alfonsin
Entre as muitas interpretações versadas sobre o julgamento e o assassinato de Jesus Cristo na cruz, alguns fatos continuam merecendo debate, não exclusiva e necessariamente relacionados com a religião.
Foi julgado e condenado por um representante de autoridade externa a dos judeus, não foi garantida ao condenado a defesa jurídica, os motivos para a condenação não derivaram exclusivamente de heresia, nem a compra da traição de Judas recebeu qualquer menção no decorrer do processo, se pode se chamar processo a investigação da prova e a motivação da pena aplicada ao condenado.
Chama bastante a atenção nesses fatos, como a história se repete ainda hoje, muitos séculos depois, demonstrando não se encontrar na lei e na sentença as garantias exclusivas de justiça, nem o Estado ser o único legitimado ao monopólio sancionatório do respeito devido às três.
Leis, doutrinas jurídicas, argumentos de autoridade inspirados em preconceitos culturais e ideológicos distantes e avessos à realidade sofrida de gente pobre, como pobre era Jesus Cristo, ainda se assemelham agora aos mesmos argumentos “justificativos” da pena a Ele imposta e até aos seus injustos efeitos.
Com muitos agravantes. Ao tempo de Jesus Cristo, as responsabilidades do poder econômico e do religioso pela opressão e pela repressão política impostas ao povo pobre, ainda podia, pelo menos, ser perfeitamente identificada e individualizada como se vê, por exemplo, na duríssima censura por Ele dirigida a quem exercia esses poderes.
O capítulo 23 do Evangelho de São Mateus dá uma ideia disso, quando Jesus denuncia mestres e fariseus, gente muito rica de então que explorava e oprime o povo. Discursando para uma multidão, aconselhava como era necessário estar prevenida contra isso:
“Não imitem as suas ações, pois eles não fazem o que ensinam. Amarram fardos pesados e os põem nas costas dos outros, mas eles mesmos não os ajudam, nem ao menos com um dedo a carregar esses fardos” (…) “Ai de vocês mestres da lei e fariseus hipócritas! Pois vocês exploram as viúvas e roubam os seus bens e, para disfarçarem, fazem longas orações.” (…) “Ai de vós mestres da lei e fariseus hipócritas! Pois vocês dão a Deus a décima parte até mesmo da hortelã, da erva-doce e do cominho, , mas não obedecem aos mandamentos mais importantes da Lei, que são os de serem justos com os outros, o de serem bondosos e o de serem honestos. Mas são justamente essas coisas que vocês devem fazer, sem deixar de lado as outras.
Guias cegos! Coam um mosquito, mas engolem um camelo! ”
Atualmente, os alvos dessas críticas tratam de garantir sua invisibilidade. Diante de acusações daquela gravidade, em tudo semelhantes e implicadas no que ainda acontece agora, contra muita gente pobre, sabem Jesus ter sido condenado e morto, não apenas porque seus acusadores o acusavam de blasfemo.
Mesmo assim, ainda há quem reduza toda essa injustiça a um só motivo. Pretende ver na morte de Jesus Cristo apenas um preço a ser pago (!) pelos pecados das pessoas. Uma espécie de passe mágico para a salvação da humanidade, assegurando sua chegada no céu. Esse sermão de Jesus é uma clara advertência contrária a um tipo de raciocínio desses. Demonstra estar a fé em vigilante e permanente conflito com a injustiça e não como totalmente alheia ao exercício do poder político. Um inferno opressor bem terreno exige dela enfrentamento, combate e vitória, como exigências próprias da verdade e da justiça, condições essenciais de amor e de paz.
Jon Sobrino, por sinal, em estudo sobre “A fé em Jesus Cristo” (Petrópolis:Vozes, 2001) divide os seres humanos de uma forma simples e clara, não menos suficiente para, quem sabe, ter-se uma idéia menos ingênua dos efeitos permanentemente renovados e reconceituados na história, criados pela significado da morte de Jesus Cristo. Em chave de leitura capaz de não escandalizar até quem não acredita em ressurreição diz Jon:
“Creio eu que nós seres humanos nos dividimos em dois grupos: aqueles que dão (e damos) a vida, é claro, e aqueles que não dão, certamente, a vida; e na minha opinião , conforme se esteja neste ou naquele grupo mencionado, se vêem as coisas de maneira diferente. Como se compreendem os direitos humanos, a democracia, a liberdade, instituições como o sistema bancário, o aparelho judiciário, as forças armadas… varia enormemente conforme se esteja neste ou naquele grupo. E isto, creio eu, vale também no essencial para a compreensão da religião, da Igreja, da fé, da oração, da esperança… Em suma, da vida e da morte.”
Sendo de Jesus Cristo, igualmente, a afirmação de que viera para dar a vida e vida em abundância, como recorda São João em seu evangelho, pode-se deduzir da opinião de Sobrino estarem no grupo dos que dão a vida também os da não vítimas. Esse dá prova de uma “ressurreição” diária, amorosa, cuidadosa e perseverante, a cada libertação de vítimas, com quem convive e é solidário.
O grupo dos que não dão a vida é justamente o grupo criador de vítimas. Portanto, o grupo que as coloca na cruz e as assassina, como assassinou Jesus Cristo. Um grupo de morte e não de vida nem de ressurreição, estejam essas envoltas nos mistérios que estiverem.
Identificar tais grupos, hoje, desafia um discernimento crítico necessário da realidade, quase sempre mascarada por quem tem interesse em falsear a verdade, para impedir de ser o que ainda não é, mas tem o direito de ser.
Por força de uma economia globalizada, por exemplo, dirigida também de fora, escondida numa irresponsabilidade anônima como era a do império romano do tempo de Jesus, contando com a cumplicidade de poderosos grupos econômicos nacionais, prossegue com dinheiro suficiente para comprar muitos Judas, manipular muitos Pilatos e crucificar milhões de pobres em todo o mundo, sem possibilidade de defesa, como também aconteceu com Ele, naquilo que Milton Santos já identificara como pobreza produzida de forma consciente e injusta. A capacidade de sacrificar muita gente, matar a terra e a natureza não contam para esse tipo de holocausto.
Nesta semana santa, então, quando a fé move multidões a se ajoelhar diante da cruz, talvez seja mais importante do que se solidarizar com a dor do crucificado, seguir o seu exemplo fazendo o que ele realmente quis: retirar da cruz quantas/os ainda estão nela presos, libertá-los de toda miséria, exclusão, ódio e injustiça, dessa forma celebrando com todas/os uma nova ressurreição de vida pela qual vale a pena, como valeu para Jesus Cristo, dar a Sua Vida.
Postado no RSurgente em 02/04/2015
Esse é o tempo que você deveria cochilar para ativar os maiores benefícios para o cérebro
Dormir é sempre o melhor remédio para recarregar as energias e todas as pessoas precisam de um momento de descanso. Para quem gosta de tirar uma boa soneca em algum momento do dia, a boa notícia é que não há nada melhor para renovar a capacidade cerebral. Porém, é necessário prestar atenção na duração do cochilo para maiores benefícios.
O jornal The Wall Street fez algumas recomendações para entendermos melhor porque uma simples soneca com a duração certa pode trazer muitas vantagens. Porém, é importante destacar que a duração ideal e seus efeitos podem variar um pouco entre algumas pessoas, mas muitos estudos afirmam que dormir alguns minutos durante o dia faz bem para todos. Vale lembrar também que isso não deve prejudicar o sono noturno e caso haja distúrbios, um médico deve ser consultado.
Então você deve estar se perguntando qual a duração da “soneca perfeita” e a resposta dependerá dos benefícios que se quer alcançar. Vamos conferir:
10 – 20 Minutos: Essa poderosa soneca é ideal para impulsionar o estado de alerta e a energia. Essa duração geralmente te limita a alcançar somente o estágio mais leve do sono NREM (Non-rapid eye movement, ou em português, Movimento dos olhos não-rápido). Assim, fica bem mais fácil sair da cama.
30 – 40 Minutos: Alguns estudos mostram que um cochilo de meia hora pode causar a sensação de inércia e preguiça, que pode durar até 30 minutos do acordar, antes que os benefícios comecem a aparecer.
60 Minutos: Essa é a melhor duração para relembrar fatos, rostos e nomes, pois melhora a memória de curto prazo. Porém, ainda se sente um pouco de torpor ao acordar.
90 Minutos: Este é, em média, o tempo necessário para completar o ciclo do sono, que vai do estágio mais leve ao mais profundo, incluindo o REM (Rapid Eye Moviment) – momento associado ao estágio dos sonhos. Isso aprimora a criatividade, a memória emocional e processual. Uma soneca com essa duração geralmente não causa as sensações de inércia ou torpor, e assim, levantar da cama é uma tarefa fácil.
Postado em Tudo Interessante em 31/03/2015
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